Acórdão nº 203/04-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Junho de 2005

Magistrado ResponsávelRICARDO SILVA
Data da Resolução09 de Junho de 2005
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. Por sentença proferida, em 2003/07/14, no processo comum n.º 91/00.4IDBRG, do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, foram os arguidos A, F, J e «T, L.da», todos com os demais sinais dos autos, absolvidos da prática do crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos art.os 7º, 24.º n.os 1, 2 e 5, do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15/1, com as alterações resultantes do Decreto—Lei n.º 394/93, de 24/11, e 30.º, n.º 2, e 79.º, do Código Penal, que lhes era imputado.

  2. Inconformado com a referida decisão, dela recorreu o M.º P.º.

    Rematou as conclusões da motivação que apresentou com a formulação das seguintes conclusões: « 1.º - O arguido J é responsável pelo giro da T, L.da e pela respectiva actividade empresarial, exercendo, conjuntamente com os arguidos A e F, as funções de gerência daquela.

    « 2.º - A prova documental constante dos autos e testemunhal produzida em julgamento demonstram com clareza e certeza que o dito arguido estava a par das decisões societárias, incluindo as referentes à não entrega das prestações tributárias ao fisco: « 3.º - Não se mostrando necessário a prova de qualquer acto específico para demonstração da gerência efectiva.

    « 4.º - Na verdade, consta dos autos que por escritura pública outorgada na Secretaria Notarial de Barcelos, em 17 de Maio de 1996, o arguido J entrou para sócio da arguida sociedade, sendo nesse acto nomeado gerente da mesma, além de que foi efectuado um aumento de capital no valor de quatro milhões de escudos, integralmente realizado e subscrito em dinheiro pelo arguido J.

    « 5.º - Ora, que outro motivo terá um empresário bem sucedido e experiente como o J ao entrar para sócio de uma sociedade, injectar dinheiro na mesma, ser nomeado gerente senão a de administrar essa sociedade? « 6.° - Por outro lado, o arguido não logrou demonstrar que não tinha conhecimento do que se passava na T, Ldª, pois, as testemunhas de defesa ouvidas em julgamento sendo seus trabalhadores (noutras empresas) vêm a sua credibilidade abalada face ao vinculo laboral e de dependência existente entre elas e o arguido.

    « 7.º - Tanto mais que nenhuma dessas testemunhas demonstrou ter conhecimento directo dos factos, apenas fazendo menção a escassos factos que resultavam de ilações retiradas de conversas tidas com o J.

    « 8.º - A sentença recorrida absolveu os arguidos por falta de prova do elemento apropriação do crime de abuso de confiança fiscal.

    « 9.º- No entanto, os factos relativos ao preenchimento dos elementos constitutivos de tal ilícito, especificamente a existência de apropriação deviam constar dos factos a dar como provados.

    « 10.º - Decorre dos autos que a arguida sociedade remeteu as declarações aos Serviços de administração do IVA, apenas não entregando as importâncias em causa.

    « 11.º - As regras da experiência e da lógica comum ensinam que, em circunstâncias normais, os contribuintes que fazem tais declarações recebem, efectivamente (senão na totalidade, pelo menos parcialmente), as quantias cobradas nas vendas e fornecimentos aos clientes.

    « 12.° - In casu, nenhum dos arguidos impugnou os factos constantes das declarações, pelo que, as mesmas não resultaram infirmadas.

    « 13.º - De todo o modo, cabia-lhes a eles (arguidos) declararem e fazerem prova à administração fiscal da não cobrança dos facturas nas quais haviam auto---liquidado o IVA, por forma a que não ficassem obrigados ao seu pagamento, o que não fizeram.

    « 14.º - Assim, apreciando o comportamento dos arguidos à luz das regras da normalidade e da experiência comum é de concluir que aqueles receberam tais quantias, cabendo-lhes entregar as mesmas aos cofres do Estado.

    « 15.º - Acresce que os arguidos não puseram em causa o recebimento das quantias, pelo que nem sequer haverá dúvida razoável.

    « 16.º - Por outro lado, exigir em situações como a presente à acusação a prova directa de que os arguidos receberam o imposto que declararam ter recebido como ainda que pagaram aquele que afirmaram ter pago, pois, a prestação tributária em falta e de que se apropriaram é resultado da diferença destas duas parcelas, constitui prova impossível, principalmente porque estão na mão dos infractores todos os elementos susceptíveis de comprovar aqueles factos.

    « 17.º - Por último dir-se-á que é particularmente censurável a actuação de quem, cumprindo com os seus deveres fiscais mínimos que reside na entrega das declarações de imposto, faz crer à administração fiscal na existência de uma situação de normalidade, afastando uma acção inspectiva imediata, e na oportunidade, após ter arrecadado o montante de imposto que lhe aprouve, cessa a sua actividade e some com os elementos documentais que permitiam àquela reconstituir toda a sua situação e provar com abundância a apropriação em beneficio próprio dos montantes de imposto arrecadados em detrimento do Estado!!! « 18.º - Assim, os arguidos apropriaram-se dos valores liquidados a título de IVA no momento em que, devendo entregá-los ao Fisco, não o fizeram.

    « 19.º - Apreciada a sentença à luz das regras da experiência e da lógica é de concluir que a fundamentação da sentença recorrida justifica decisão oposta àquela a que se chegou, por contradição insanável entre os factos provados e os não provados e a indicação e análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal.

    « 20.º - Mostrando-se, pois, inquinada pelo vício previsto no art.º 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal.

    « 21.º - De qualquer modo, face à factualidade dada como provada resultará que os arguidos cometeram o crime previsto no art.º 24.°, n.os 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro.

    « 22.º - Considerando que tal ilícito é punido, em alternativa, com pena de prisão até três anos ou multa, ponderando as necessidades de prevenção geral que são elevadas, pois, estamos perante um crime frequente, tendo em vista reprimir a prática pelos arguidos de futuros delitos, e não obstante a primazia de aplicação de medidas não privativas da liberdade, afigura-se-nos que será adequado aplicar aos arguidos pena de prisão, por, assim, se dar prossecução às finalidades da punição.

    « 23.º - No que toca à medida da pena ponderando todas as circunstâncias agravantes que pugnam contra os arguidos, tal como facto de ainda não terem reparado o prejuízo sofrido pelo Estado; « 24.º - Bem como tendo em conta que a favor dos arguidos abona a ausência de antecedentes criminais, entendemos que a pena adequada a aplicar aos arguidos será de dezoito meses de prisão.

    « 25.º - Por sua vez, deverá a arguida sociedade ser condenada pela prática do mesmo crime na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 29,93 - cfr. art.os 7.º, 11.º, n.os 2 e 3 e 24.º, n.º 1 do RJIFNA.

    « 26.º - Todavia, tendo em conta que o arguido J (único que prestou declarações em julgamento) é um empresário conhecido e respeitado no meio empresarial, tendo em conta as suas condições de vida, condutas anteriores e posteriores, cremos que não se justificará o cumprimento efectivo da mesma, afigurando-nos que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para o afastar da prática de novos crimes, pelo que nos parece adequado suspender a execução daquela pena pelo período de três anos (cfr. art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal); « 27.º - Pese embora não tenha sido apurada a situação económica e pessoal dos restantes arguidos, considerando, essencialmente, que os mesmos não apresentam antecedentes.

    « 28.º - Tal suspensão da execução das penas de prisão a aplicar aos arguidos deverá ficar subordinada à condição de os arguidos pagarem ao Estado, no prazo máximo de dois anos, a quantia em dívida, ou seja, 7.499.735$00 (correspondente a 37 408,52); (cfr. art.º 11.°, n.os 6, 7 e 8 do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro.

    29.º - Ao decidir nos termos em que o fez a Mma Juiz "a quo" violou o disposto nos art.os 7.º, 11.º, n.os 2 e 3 e 24.º, n.º 1 e 2 do diploma citado e art.os 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal.

    Terminou, pedindo, com o provimento do recurso a condenação dos arguidos pelo crime de abuso de confiança fiscal ou, a não se entender assim, a anulação da sentença recorrida e o reenvio do processo para novo julgamento, 3. Responderem os arguidos J, por um lado, e F e António Dias Fernandes Palha, por outro, todos defendendo o não provimento do recurso e manutenção do julgado, 4. Pronunciou-se, seguidamente, o Ex.mo Procurador Geral-Adjunto, nesta Relação, no sentido de ser feito convite para o recorrente aperfeiçoar o seu recurso, por forma a dar cumprimento ao disposto no art.º 412.º, n.os 3, al. b), e 4, do C. P. P., o que veio a se determinado por despacho do relator.

  3. Efectuado o aperfeiçoamento, mediante rectificação da motivação em que o recorrente precisou as provas, que, no seu entender, sustentam as conclusões, sem alteração destas, voltaram os autos ao M.º P.º, para parecer. Este foi no sentido de ser dado provimento ao recurso.

  4. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n,.º 2, do C. P. P., foi apresentada resposta apenas pelo arguido J, a manter que o recurso não merece provimento.

  5. Efectuado exame preliminar e não havendo questões a decidir em conferência, colhidos os vistos, prosseguiram os autos para audiência, que se realizou com observância do formalismo legal, como a acta documenta, mantendo-se as alegações orais no âmbito das questões postas no recurso.

    II 1. São as seguintes as questões levantadas no recurso, enunciadas segundo a ordem da sua inter-relativa prejudicialidade: 1.ª - Se a sentença recorrida está ferida do vício p. no art.º 410.º, n.º 2, al. b), do C. P. P., por contradição insanável da fundamentação, na forma de contradição entre os factos provados e não provados e a indicação e análise dos meios de prova da fundamentação da convicção do Tribunal.

    1. - Se está provada a apropriação do imposto devido, em acção imputável a todos os arguidos ou a alguns deles.

    2. - Se o arguido J, como sócio gerente da sociedade comercial «T, Ldª» é co-responsável da imputada acção...

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