Acórdão nº 2351/04-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2004
Magistrado Responsável | RICARDO SILVA |
Data da Resolução | 15 de Dezembro de 2004 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, no Tribunal da Relação de Guimarães I 1. Por sentença proferida no processo n.º 33/02.0GBRM, do Tribunal Judicial de Vieira do Minho, em 2003/10/23, foi, decidido, além do mais: – Condenar o arguido "A", identificado nos autos, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e), do C. P., na pena de 3 (três) meses de prisão, suspensa pelo período de 2 (dois) anos; – Condenar o arguido "B", também identificado nos autos, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e), do C. P, na pena de 2 (dois) meses de prisão, suspensa pelo período de 2 (dois) anos.
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Inconformado com esta decisão, dela recorreu o arguido "A".
Rematou a motivação de recurso que apresentou, com a formulação das seguintes conclusões: « 1 - Pela prova produzida em sede de audiência de julgamento e pelos documentos juntos aos autos, sempre o recorrente deveria ser absolvido da prática do crime que lhe era imputado.
« 2 - Nos termos do art.º 203º, n.º 1 do C. Penal, comete um crime de furto “Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia...”.
« 3 - Na opinião do recorrente, no caso sub judice nenhum dos elementos constitutivos do furto ficou preenchido.
« 4 – Relativamente ao elemento objectivo, e pelos motivos expostos no ponto II – A), não só a propriedade da moto 4 lhe pertencia à data da ocorrência dos factos descritos na acusação como a posse que o queixoso exercia sobre aquele bem era manifestamente abusiva e ilegal.
« 5 - Todos os factos descritos no ponto II – A) relativos aos diversos actos praticados sobre a moto 4 encontram-se, no entendimento do recorrente, plenamente provados, quer pelas declarações prestadas no julgamento - pelos arguidos, pelo soldado da G.N.R. Manuel M... e pelo próprio queixoso António S... - quer pelos documentos juntos aos autos.
« 6 - Vem referido na sentença recorrida que “... o que é relevante, em termos penalísticos, é a noção de coisa alheia, que não coincide, nem faz, sequer, apelo, à noção privatística de propriedade.”.
« 7 - Sucede que, no caso sub judice, o que se deve ter em consideração é que a propriedade da moto 4 à data da prática dos factos em questão, sendo certo que os negócios entretanto celebrados eram nulos, era do recorrente.
« 8 - Assim sendo, e embora o queixoso tivesse o poder de facto sobre a moto 4, o que é certo é que a propriedade de tal bem era do recorrente, não existindo, assim, a necessária “... alteração ilegítima e insustentável daquela ordenação pré-estabelecida (...) susceptível de censura jurídico-penal.” (José de Faria Costa, ibidem, págs. 29 e segs.).
« 9 - Defende ainda o mesmo ilustre autor que “...o legislador, ao exigir que a coisa fosse alheia para preenchimento do tipo, quis que o proprietário que se apodera de coisa sua, muito embora não tendo a disponibilidade da fruição das utilidades, não fosse merecedor de censura jurídico-penal.”.
« 10 - Neste caso, parece não restarem dúvidas de que o recorrente, embora utilizando meios que ele reconhece não terem sido os mais correctos, se dirigiu a casa do queixoso no sentido de “resgatar” um bem cuja propriedade era sua.
« 11 - Pelo exposto, o arguido deveria ter sido absolvido da prática do crime que lhe foi imputado uma vez que a moto 4 era, quando a foi buscar à habitação do queixoso, sua propriedade, não estando, portanto, in caso, preenchido o elemento objectivo constitutivo do furto.
« 12 - Mas ainda que se considerasse que o supra mencionado elemento objectivo estaria preenchido, o que se admite como mera hipótese de raciocínio, sem minimamente conceder, sempre o arguido deveria ser absolvido uma vez que parece óbvio que o elemento subjectivo não se preencheu.
« 13 - De facto, a “intenção de apropriação” mencionada no art.º 203º, n.º 1 do C. Penal é entendida como uma vontade do agente de se apropriar de coisa móvel que este sabe pertencer a outrem.
« 14 - Como refere Jorge Figueiredo Dias (Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pág. 33), «O elemento “intenção de apropriação” – que para além de tudo a lei exige que seja ilegítimo, isto é, contrário ao direito – deve ser visto e valorado como a vontade intencional do agente de se comportar, relativamente a coisa móvel, que sabe não ser sua, como seu proprietário...”.
« 15 - Ou seja, não basta a intenção de apropriação de coisa alheia, é ainda necessário que o agente tenha a consciência de que aquela coisa de que se pretende apropriar não é sua. Na verdade, o crime de furto é, essencialmente, um crime doloso (Figueiredo Dias, idem, pág. 46).
« 16 - Assim, e como refere José de Faria Costa (ibidem, pág. 31), “...o agente da infracção, quando desencadeia o elemento intencional de apropriação, pouco se importa com a exacta determinação do verdadeiro proprietário da coisa. O que ele quer, intencionalmente, é fazer sua – e que sabe que não é sua – aquela coisa de que se apossou.”.
« 17 - No caso concreto, parece óbvio que o recorrente nunca teve a consciência de que a coisa de que se pretendia apropriar era alheia (até porque esta lhe pertencia).
« 18 - Pelo contrário, todas as declarações prestadas em julgamento – designadamente as prestadas pelos arguidos e pelos soldados da G.N.R. - e documentos juntos aos autos demonstram claramente que o arguido apenas se dirigiu à habitação do ofendido e daí retirou a moto 4 pois estava convencido, como ainda está hoje, que esse bem era propriedade sua e que a posse do ofendido, relativamente à moto 4, era abusiva e ilegal.
« 19 - No caso sub judice o recorrente actuou claramente com a plena convicção de que a moto 4 era sua. Sendo certo que nunca teve, em momento algum, a intenção de se apropriar de coisa alheia.
« 20 - Factualidade que, como já foi demonstrado, foi inteiramente confirmada pelas declarações prestadas em sede de julgamento e pelos documentos juntos aos autos.
« 21 - Aliás, da habitação do queixoso, o recorrente, apesar de na garagem onde estava a moto 4 estarem estacionados 3 veículos automóveis de grande valor com as respectivas chaves na ignição, apenas retirou a moto 4. Sendo certo que, caso a sua intenção fosse a de fazer seu um bem que sabia ser alheio, certamente que o recorrente teria retirado algum dos veículos automóveis, de muito maior valor do que a moto 4, que lá estavam.
« 22 - Relativamente à alegada transformação da moto 4 por forma a torná-la irreconhecível para dificultar a detecção pelas autoridades policiais (matéria que foi dada como provada no ponto 4 da “Matéria de facto provada”), o recorrente declarou que tal nunca foi seu propósito, apenas tendo mandado reparar a moto 4 uma vez que esta não estaria em perfeito estado. O que...
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