Acórdão nº 1327/04-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Dezembro de 2004
Magistrado Responsável | FRANCISCO MARCOLINO |
Data da Resolução | 06 de Dezembro de 2004 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Nos autos de processo comum singular n.º 867/99.3TABRG, do 2º Juízo Criminal de Braga, foi pronunciado o arguido: "A", casado, Advogado, a exercer então as funções de Presidente da Câmara de ..., nascido a 14 de Dezembro de 1930, natural de ..., Terras do Bouro, filho de António D... e de Olívia F..., residente na Av... em Braga, Pela prática, em autoria material, de dois crimes de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, nº 1 e 183º, n.º 1, al. a) ambos do Código Penal, com a agravante prevista no artigo 30º, n.º 2 da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro.
Os assistentes "B" (Empresa ..., S. A.) e "C" deduziram pedido de indemnização civil, pedindo a condenação do arguido/demandado a pagar à primeira o montante de 1.500.000$00; e ao segundo o montante de 6.000.000$00, ambas a título de danos não patrimoniais, e acrescidas de juros de mora a contar da citação e até efectivo e integral pagamento.
O arguido/demandado apresentou contestação concluindo pela improcedência de ambos os pedidos de indemnização e a sua consequente absolvição.
Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, que assim decidiu: 1. Condenou o arguido "A" pela prática em autoria material e concurso real de um crime de difamação previsto e punido pelos art.º 180º, nº 1 e 183º, n.º 1, al. a) e de um crime de ofensa a pessoa colectiva p. e p. pelos artigos 187º e 183º, n.º 1, al. a), todos do CP, na pena única de 250 dias de multa à taxa diária de €7,50 o que perfaz a pena global de €1875,00; 2. Condenou o demandado civil a pagar à lesada “"B"” a quantia de €2.493,99; e ao lesado "C" a quantia de €4.987,98, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora desde a citação do demandado, calculados à taxa de 7% até efectivo e integral pagamento.
Inconformado, o arguido interpôs recurso tendo extraído da sua motivação as seguintes conclusões: 1. As expressões constantes do escrito de fls. 42 e 43 que serviu de base à notícia (parcialmente deturpada) não podem ser consideradas objectivamente injuriosas; no contexto sócio-cultural nacional nunca se poderá sancionar criminalmente expressões como, nomeadamente, “investidor de coisa nenhuma” ou “agiu por vingança”, que não violam o mínimo ético.
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Há deturpação jornalística na elaboração da notícia de fls. 22, relativamente ao escrito que lhe serviu de base (de fls. 42 e 43). É notório, no confronto daqueles escritos, uma pessoalização manifestamente mais intensa do que a subjacente ao escrito.
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A sentença não valorou a diligência feita junto do Director do Minho, imediatamente após a publicação do escrito e o “esclarecimento” de fls. 44, datado de 27/05/1999, onde se alude, expressamente, ao responsável ou responsáveis da empresa, à data de 1974.
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Nada tem de difamatório imputar a outrem uma “fuga” para o Brasil, considerado o contexto político do 25 de Abril de 1974. É facto público e notório que o período que se viveu após essa data se caracterizou por uma perseguição ao Patronato e, em geral, aos detentores do grande capital, o que nada tem de axiologicamente negativo, não abalando aqueles bens jurídicos da honra, sendo certo que o Administrador da Assistente EAG efectivamente se retirou longos anos para o Brasil, por tais razões. (Tal prova resultou - nomeadamente - das declarações do Assistente "C" (VZ), a instâncias do Digníssimo Procurador-Adjunto (MP) - cassete n.º 4, lado A, rotações 394 (*24).
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O escrito de fls. 42 e 43, subjacente à notícia traduz uma resposta política a uma posição do Partido Socialista difundida na imprensa (cfr. notícia de fls., publicada no “Diário do Minho” de 07/05/1999), acusando, nomeadamente, o Arguido de impedir, activa e dolosamente, vultuosos investimentos por parte da Assistente EAG.
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A tutela da honra e consideração dos Assistentes implica uma conduta merecedora da mesma, não sendo indiferente a postura prévia dos mesmos, o que a sentença ignorou. A sentença recorrida não deu como provadas - nem valorou de todo em todo - os elementos juntos aos autos (cfr. docs. de fls. 1227 a 1229) dos quais se deveria considerar provada uma provocação manifesta e um prévio tratamento desprimoroso e difamatório do Assistente "C" em relação ao Arguido.
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Ao considerar, no art.º 23º da matéria de facto dada como provada, que “ao longo dos anos o património da Assistente EAG entrou em degradação exterior, carecendo à data da publicação da notícia de urgentes obras de conservação e remodelação”, a sentença legitimou o essencial das expressões do Arguido.
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Pois, tal significa que a Assistente EAG não cumpriu o contrato de concessão que vigorou até 1998, pelo qual estava obrigada a “manter sempre o estabelecimento e suas dependências e acessórios em bom estado de conservação (cfr. doc. de fls. 128 a 130), o que traduz contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada no art.º 23º e a matéria constante do art.º 14º e 16º.
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Ao afirmar que “nos últimos 50 anos a Assistente EAG não fez qualquer investimento” o Arguido pretendeu dizer, naquele contexto, que não se efectuaram investimentos dignos desse nome, notórios, visíveis e de monta, tomando-se, também, em atenção o exemplo de outras entidades. (Nesse sentido, veja-se as declarações do Arguido (A), tomadas a instâncias do Digníssimo Procurador-Adjunto (MP) - cfr. cassete n.º 1, lado D, rotações 142 (*5). Nesse sentido, também o depoimento de Álvaro P..., a instâncias do defensor - cfr. cassete n.º 15, lado A, rotações 268 (*6). E ainda, depoimento da testemunha António A... (AA) - cfr. cassete 11, lado A, rotações 346 (*7).
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Tanto mais que se verificava, ao tempo da notícia dos autos, sinais de degradação notórios (cfr. art.º 23º da matéria de facto provada), o que só por si indicia claramente falta dos investimentos adequados. (O que o próprio Assistente "C" reconheceu, a instâncias do Defensor - cfr. cassete n.º 6, lado A, rotações 187 (*6). Nesse sentido, também merece ser considerado o depoimento da testemunha Álvaro P... (AP), a Instâncias do Defensor (D) - cfr. cassete nº 15, lado A, rotações 150 (*9). Ainda, a este respeito - falta de investimentos visíveis e estado de degradação - o depoimento da testemunha Manuel A... (MAC), a instâncias do Defensor (D) – cfr. cassete n.º 15, lado A, rotações 011 (*10). Igualmente a testemunha António A... (AA), corroborou tal ideia, a instâncias do Insigne Mandatário dos Assistentes (MA) -cfr. cassete n.º 12, lado A, rotações 037 (*11). Mais, a testemunha António A..., noutro trecho - cassete n.º 11, lado A, correspondendo a última frase à rotação 334 (*12).
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Ao considerar que as imputações do Arguido eram falsas, deveria a sentença ter tomado em consideração e valorado as obrigações emergentes do contrato de concessão (cfr. doc. de fls. 128 a 130), relacionando-as com a realidade do terreno, o que não curou de fazer.
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Tendo em conta as competências tutelares do Instituto Geológico e Mineiro, e antecessores, bem como a situação real das termas (quanto mais não fosse, o “estado de degradação” que resultou provado), parece forçoso concluir que o termo “cumplicidade” para caracterizar a atitude dos sucessivos Governos até ao 25 de Abril (e não só) é adequado.
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Prova inequívoca da continuada “cumplicidade” da Administração Central é o confronto do teor dos documentos de fls. 505 e de fls. 1379 a 1383, 1399 e 1400 dos autos, juntas aos autos, traduzindo a informação de fls. 605 crime de falsificação praticada por funcionário, p. e p. pelo art.º 257º do Código Penal.
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Para valorar o relevo da expressão “investidor de coisa nenhuma” o Tribunal a quo ignorou que anteriormente à data do comunicado de fls. 822, já o Assistente "C" havia difundido junto de um universo indeterminado de pessoas a intenção de não efectuar qualquer investimento no Gerês enquanto o Arguido fosse titular do cargo de presidente da Câmara, do que este teve conhecimento. O que deveria ter dado como provado. (Sobre tal intenção de “não investimento” confirmou o Assistente "C", a instâncias do Digníssimo Procurador-Adjunto - cfr, cassete n.º 4, lado 8, rotações 232 (*26). Assim, o Arguido (A), a instâncias do Digníssimo Procurador-Adjunto (MP), que se referia ao comunicado datado de 13 de Maio de 1999, da Assistente EAG - cfr. cassete n.º 4, lado 8, rotações 240 (*27). Paralelamente, o Assistente "C" admitiu esse facto – cfr. cassete 4, lado B, rotações 169 (*28).
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À luz deste facto, a expressão “o tal investidor de coisa nenhuma” deverá ser julgada legítima, já que o Assistente "C" se auto-proclamava investidor no Gerês, ao mesmo tempo que se recusava a fazer investimentos, culpando a Câmara sem elementos bastantes para tal! ....
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Concluiu erradamente a sentença recorrida que o Arguido “tinha conhecimento de factos incompatíveis com as afirmações que produziu”, pois “sabia que a Empresa tinha vários projectos na Câmara para aprovação com vista à ampliação e melhoramento do património administrado pela empresa e que se iriam traduzir em investimento avultados, em montante que não foi possível apurar, sendo um deles a construção de um Hotel designado de “Hotel Maia”, cujo custo estava orçado em valores superiores a 500 mil contos”.
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Ora, por um lado, os investimentos no Hotel Maia não deverão ser considerados, já que os mesmos em nada se reportam à notícia dos autos, que se circunscreve à concessão e aos bens afectos à mesma, no qual aquele hotel não se inclui. (Nesse sentido, atenda-se às declarações do Arguido (A), tomadas a instâncias do Digníssimo Procurador-Adjunto (MP) - cassete n.º 1, lado B, rotações 141 (*29).
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Por outro lado, ao considerar provado que a Assistente EAG “tinha vários projectos na Câmara para aprovação”, a sentença decidiu contra a prova produzida, ignorando a prova documental dos autos, nomeadamente a fls. 119 a 126, que contêm um resumo das obras que a Assistente EAG anunciava querer realizar, até à data da notícia dos autos; compulsado tal resumo, verifica-se que as não aprovações em nada se relacionam...
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