Acórdão nº 648/07-1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelJOÃO GOMES DE SOUSA
Data da Resolução05 de Junho de 2007
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, precedendo audiência, os Juízes que compõem a Secção Criminal da Relação de Évora: A - Relatório: Nos autos de processo comum, perante tribunal colectivo, com o nº 60/05, do Tribunal da Comarca de V, foi proferido acórdão, em 30 de Novembro de 2006, que julgou procedente, por provada, a acusação pública contra A L, solteiro, desempregado, ……………….., actualmente detido preventivamente à ordem destes autos no Estabelecimento Prisional de C, e o condenou na pena de 15 (quinze) anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º. e 132º., nº.s 1 e 2, alínea a) do Código Penal e no mais legal.

*Inconformado, recorreu o arguido do acórdão proferido, pedindo que o recorrente seja declarado inimputável, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição):

  1. O presente recurso vem interposto do douto acórdão que condenou o arguido A. ... a uma pena de quinze anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º do Código Penal.

  2. O Digníssimo colectivo de juízes, entendeu, considerar o arguido, apenas com imputabilidade diminuída.

  3. Baseou essencialmente a sua decisão, no que diz respeito a estes factos, no relatório psiquiátrico, chegado ao tribunal no próprio dia do julgamento.

  4. Não teve em conta o primeiro relatório do exame ao arguido, elaborado a quando do inquérito, relativamente próximo da prática do homicídio.

  5. Pelo que se entende, que deveria ser outro, o entendimento do colectivo.

  6. As características da esquizofrenia paranóide de que sofreu o doente encaixam perfeitamente na prova produzida.

  7. O Arguido manifestamente não reconhece a utilidade da pena que lhe foi aplicada, manifestando apenas interesse em ser tratado da sua doença.

  8. A sua inimputabilidade, absoluto no momento da prática do crime é evidente, e nada diz que não volte a praticar actos violentos contra si ou contra terceiros, tal como o refere um dos relatórios, se voltar a ver um novo episódio psicótico.

  9. Considera-se e consequência desajustada da pena a que foi condenado, porquanto um estabelecimento prisional não é, apesar do tratamento que lhe continuam a ministrar, o local ideal para a J) Deveria o tribunal ter determinado o internamento compulsivo do Arguido.

    Assim neste termo e nos mais definido deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente: AB -- Considerar que o arguido inimputável por anomalia psíquica, nos ter termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 20° do Código Penal.

    AC - Decretar o internamento compulsivo do arguido, por considerar que podem surgir novos episódios psicóticos que podem por em perigo a integridade física do arguido ou de terceiros.

    AD - Considerar como fundamental o relatório médico elaborado durante o inquérito, tendo em conta as conhecidas características da esquizofrenia paranóide, que aponta para a inimputabilidade do agente ao momento da prática dos factos.

    *O Ministério Público junto do tribunal de V, pugnando pela manutenção na íntegra da decisão recorrida, produziu doutas conclusões na sua resposta:

  10. O douto Acórdão recorrido não merece qualquer reparo ao dar como provado que "Em tudo o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei, se bem que apresentasse alguma diminuição de capacidade para avaliar a ilicitude dos seus actos, por força de patologia do foro psicótico - provavelmente psicose esquizofrénica - de que padecia, apresentando-se descompensado no período em causa": B) Com efeito, fez uma apreciação dos dois relatórios das perícias psiquiátricas juntos aos autos, que continham conclusões distintas quanto à imputabilidade do arguido, acabando por concluir pelo segundo relatório como sendo o que apresenta conclusões mais conformes à realidade, tendo em conta o discurso coerente e lógico que o arguido apresentou na audiência, e o depoimento de alguns amigos, que nunca repararam que o arguido padecesse de algum tipo de anomalia psíquica e sobretudo um maior suporte factual do segundo relatório; C) O art. 163º do CPP consagra uma excepção ao princípio da livre apreciação da prova, ficando ao abrigo desta norma os juízos técnicos e não já as opiniões meramente conclusivas, sem suporte fáctico e de valor opinativo, que não constituem juízos técnicos, mesmo que se encontrem inseridos em "relatórios pericial" (Ac STJ 20/10/99, CJ, STJ, 99, t II); D) Quando duas peritagens com o mesmo objecto cheguem a conclusões contraditórias, o julgador pode optar por um dos relatórios, fundamentando a divergência com o resultado da outra, o que também decorre do teor dos artigos art. 158º do CPP e a L 45/04 de 19/08., que não estabelecem prioridades entre a primeira e segunda perícia, pelo que as partes que têm legitimidade podem pedir esclarecimentos, ficando o juiz legitimado a fundar a sua convicção na perícia que se afigurar mais sólida (neste sentido RC 10/05/06. C.J III, 43): E) De acordo com estas considerações, resulta da lei que o julgador, em face de duas perícias divergentes, pode fundar a sua convicção na que se mostra mais sólida, pelo que resulta claro, numa primeira análise, que era licito o tribunal optar por dar mais relevo a uma delas; F) É lícito ao tribunal controlar o processo lógico imanente "às premissas facticas em que forçosamente hão-se estribar-se as conclusões dos relatórios periciais", como se escreve no douto acórdão recorrido.

  11. Conforme cota a f1s. 310, antes do início da audiência de discussão e julgamento, o segundo relatório pericial foi notificado ao defensor do arguido e foram-lhe entregues cópias do mesmo e da acta da audiência resulta que a Defesa não requereu qualquer diligência de prova no que tange aos relatórios, nomeadamente esclarecimento dos peritos.

  12. Atentando no teor de ambas as perícias, conclui-se que a primeira, muito embora tenha tido lugar mais perto da data dos factos, é mais lacónica na avaliação que faz do arguido, já que o único momento em que se formula o juízo pericial que caracteriza este meio de obtenção de prova, é na conclusão do relatório, em que se diagnostica a anomalia psíquica de que o arguido padecerá e conclui que este não tinha capacidade para avaliar a licitude dos factos e de acordo com esta se determinar, sendo certo que no corpo do relatório não é verificável qualquer avaliação do seu nível de inteligência, afectividade e outras, apenas se fazendo o relato do seu percurso de vida: I) O segundo relatório oferece maior credibilidade por ser mais cuidadoso nas premissas fácticas dos juízos que formula, sendo certo que a avaliação conjunta de toda a prova torna mais consistente a sua credibilidade.

  13. Com efeito, o arguido (audível no lado A cassete 1 voltas 00 a 1543), descreveu de forma pormenorizada os factos, revelando muito boa memória e uma percepção real dos mesmos, na medida em que os descreveu com pormenor, como por exemplo a razão de ser da discussão (por causa de não ter almoçado) e a luta que se gerou e ainda que viu que estava a espetar a faca na jugular, esta escorregou e agudizou o corte: L) Mais adiante, a instâncias do Exmo. Magistrado do M.P., declarou que enquanto os factos ocorriam, não ouvia as vozes que diz por vezes ouvir explicou ainda porque lavou as facas (para ficarem lavadas, não para "fugir à policia"), porque saiu de casa e ainda se recordava que uma das facas tinha serrilha; M) Ademais, algumas das pessoas que depuseram, como MB (depoimento audível no lado A. Cassete 1 voltas 1543 a 1794). A C (depoimento audível no lado B. cassete 1. voltas 000 a 390), que conheciam o arguido há bastante tempo e que sempre o tiveram como uma pessoa pacata, sem qualquer problemas, referiram desconhecer que este padecesse de patologias deste tipo, tendo inclusive o primeiro se demonstrado muito surpreendido com os seus actos: N) Assim, em face dos elementos de prova referidos e do teor dos relatórios periciais, o Tribunal apreciou correctamente a prova, não só porque não violou o disposto no art. 163º do Código de Processo Penal, porque lhe era permitido optar pela perícia que lhe pareceu mais sólida, bem como também porque a apreciação que fez em relação às perícias resultou de uma análise critica e ponderada das mesmas, avaliada no conjunto da resposta: O) Deste modo, o Tribunal avaliou correctamente a prova, não incorrendo no vício previsto no artigo 410º, nº 1 al. c) do CPP: P) Em face da apreciação que fez da segunda perícia, o Tribunal a quo só podia ter considerado o arguido imputável, tendo em conta o que dispõe o art. 20° n.º 1 do CP: Q) Na formulação que a lei desenha da inimputabilidade, esta está ligada à "destruição da conexão objectiva do sentido do comportamento do agente, de tal modo que um tal comportamento pode casualmente explicado, mas não pode ser espiritualmente compreendido e imputado à personalidade do agente (neste sentido Maia Gonçalves - "Código Penal Português". Almedina. 15ª Edição): R) Em face do que ficou dito quanto aos relatórios periciais e à restante prova produzida, nomeadamente as declarações do arguido, tinha sentido considerar o arguido imputável, já que resulta que terá sabido avaliar a licitude da sua conduta e nada se provou no sentido de, no momento da prática dos factos, não ter podido agir de outra forma, por exemplo, por estar a ser compelido por um impulso que não dominava: S) Por outro lado, não resulta de maneira alguma a mencionada destruição da conexão objectiva de que se fala supra, já que ficou patente, que houve uma causa para o inicio da discussão e da luta que levou à morte de V L, ao que se alia a relação já...

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