Acórdão nº 350/06-3 de Tribunal da Relação de Évora, 18 de Janeiro de 2007
Magistrado Responsável | MARIA ALEXANDRA SANTOS |
Data da Resolução | 18 de Janeiro de 2007 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
"A" intentou contra "B" e "C" a presente acção com processo ordinário, alegando, em resumo, o seguinte: A 1ª Ré é proprietária do empreendimento turístico denominado "Hotel Apartamento …", tendo a 2a Ré que é Notária no Cartório Notarial de … realizado no dia 18/05/2001, escritura de constituição do direito real de habitação periódica relativamente àquele empreendimento turístico.
Tal escritura está porém ferida de nulidade por violar direito cogente, a saber: omite a existência de contratos-promessa de constituição e de transmissão de direito real de habitação periódica, constitui este direito sobre mais de 70% (96%) do total do empreendimento, consigna como pertencentes aos apartamentos mobiliário e equipamento pertencentes a terceiro, ignora a inexistência de licença de habitação (que aliás, fora recusada), sem referir sequer a licença de construção e bem assim ignora a ausência de classificação turística definitiva do empreendimento, que estava aberto havia mais de seis anos.
A A. é titular de hipoteca sobre o imóvel objecto da escritura, cuja eficácia prejudica a realização do seu crédito, subjacente à dita hipoteca, visto que o acto escriturado envolve disposição do bem, tal como oneração dele.
Termina pedindo se declare a nulidade do acto de constituição do direito real de habitação periódica consubstanciado pela escritura pública referida, por violação de normas imperativas relativas à constituição daquele direito e se ordene o cancelamento do registo da constituição do mesmo e bem assim de qualquer registo de transmissão de tal direito.
Contestou a Ré "C", nos termos de fls. 490 e segs., excepcionando a ilegitimidade da A. e dela própria para ser demanda na presente acção e impugnando os factos alegados pela A. como fundamento do direito invocado.
Conclui pela procedência das excepções invocadas e pela improcedência da acção.
Contestou também a Ré "B" nos termos de fls. 539 e segs., concluindo pela improcedência da acção.
Houve réplica.
Foi realizada audiência preliminar e proferido o despacho saneador onde decidindo sobre a invocada ilegitimidade da A. e da Ré "C", foi a primeira declarada parte legítima e a segunda parte ilegítima, tendo em consequência, sido absolvida da instância.
Foram seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória, sem reclamação.
Realizada a audiência de julgamento, o tribunal respondeu à matéria de facto pela forma constante de fls. 703, que não foi objecto de reclamação.
Foi, por fim, proferida a sentença de fls. 711 e segs. que julgando a acção improcedente absolveu a Ré "B", do pedido contra ela formulado.
Inconformada apelou a A. alegando e formulando as seguintes conclusões: 1 - Não podem ser celebradas escrituras públicas que envolvam transmissão de propriedade sobre imóveis sem que se faça perante o notário prova da existência da correspondente licença de utilização.
2 - A apresentação da licença de utilização, caso tenha sido requerida e não emitida, pode ser substituída pela exibição do alvará de licença de construção, uma vez feita prova de que foi requerida a licença de utilização e feita a declaração que o pedido de licença de utilização não foi indeferido, deu entrada há mais de 50 dias e que não houve notificação para pagamento de taxas devidas.
3 - Tal obrigatoriedade decorre de lei imperativa - art° 2° do D.L. 231/99 de 26/07.
4 - Da certidão da D.G.T. não há qualquer referência à existência de licença de construção ou utilização.
5 - Na escritura pública em causa foi feita referência à exibição do pedido de emissão de licença de utilização turística com a data de 28/12/2000, mas não foi feita a declaração prevista no nº 2 do art° 2° do D.L. 281/99.
6 - O D.L. 281/99 encontrava-se em vigor à data da celebração da escritura e tem plena aplicação à constituição do direito real de habitação periódica, razão pela qual é a própria Notária a fazer referência ao requerimento da emissão da licença de utilização.
7 - Aliás, tal obrigatoriedade decorre ainda do disposto no art° 5 al. f) do D.L. 180/99.
8 - É o acto de constituição do direito real de habitação periódica que permite a transmissão (venda) das respectivas vendas temporais, razão pela qual é na escritura de constituição que deve ser feita prova da existência de utilização tendo em vista a situação que o legislador pretendeu acautelar.
9 - A obrigatoriedade prevista no art° 2 do D.L. 281/99 consubstancia preceito de interesse geral e ordem pública e, portanto, imperativo, sendo que a sua ofensa implica nulidade, nos precisos termos do art° 294° do C.C ..
10 - As contra-ordenações - art°s 5° e 6° - mencionadas na sentença recorrida, referem-se não à consequência atinente ao próprio acto relativamente ao qual foi violada lei imperativa, mas única e exclusivamente às falsas declarações prestadas pelo transmitente, declarações essas que, aliás, no caso dos autos nem sequer existiram.
11 - A Câmara Municipal de … comunicou à Ré, por carta registada com A/R remetida em 10/04/2001, que o pedido de licença de utilização havia sido indeferido - alínea F) da especificação.
12 - A sentença recorrida violou o disposto no art° 2° do DL 281/99 - não o considerando aplicável ao caso dos autos - padece de erro de interpretação atinente à consequência da violação do citado art° 2°, padecendo ainda de erro na determinação da norma aplicável ao não aplicar o art° 294° do C.C. - art° 690 n° 2 als. a), b) e c), respectivamente, todos do CPC.
13 - No que se refere à violação do art° 4° al. b) do D.L. 180/99, entende a sentença recorrida que a mesma consubstancia simples contra-ordenação punível com coima, nos termos do art° 54° nº 1.
14 - O art° 54° nº 1 al. b) diz respeito à aplicação de coimas à entidade que explora o empreendimento, pelo simples facto de o explorar, seja a proprietária do mesmo ou qualquer concessionária.
15 - Tal facto não implica que o respectivo acto constitutivo não seja considerado inválido.
16 - Aliás, a comercialização de DRHP, não validamente constituído, constitui, ainda de per si, contra-ordenação - art° 54° n° 1 al. a) do D.L. 180/99 - o que igualmente, não implica que o próprio acto constitutivo, se o foi sob violação de lei, não possa ser considerado inválido.
17 - Não tem qualquer fundamento a interpretação dada pela sentença recorrida ao art° 54 nº 1 al. a) no sentido de que não pode ser comercializado DRHP enquanto não esteja validamente constituído.
Na verdade, 18 - Antes de mais, não é essa a interpretação que decorre do teor do mesmo, a qual, já de si, não levanta quaisquer dúvidas: não pode ser comercializado DRHP se não validamente constituído.
19 - A própria interpretação dada pela sentença recorrida ao citado preceito sempre se encontraria em frontal oposição com o art° 17° e 19° do D.L. 180/99, nos termos dos quais pode ser comercializado DRHP antes da celebração do respectivo título constitutivo.
20 - A sentença recorrida considera haver violação do art° 4° nº 1 al. b) o que expressamente se aceita e não foi objecto de recurso (ainda que subordinado).
21 - Ao não considerar que a violação do art° 4° nº 1 al. b) tem como consequência a nulidade prevista no art° 294º do C.C., mas simples contraordenação, padece a sentença recorrida de erro na interpretação do art° 54° nº 1 als. a) e b) e de errónea aplicação do art° 54° n° 1 al. b) - art° 690 n° 2 als. a) e c) do CPC.
22 - Os móveis e equipamento existente no imóvel sujeito ao regime de direito real de habitação periódica têm de constituir propriedade do proprietário do imóvel.
Com efeito, 23 - O conceito de unidade de alojamento previsto no DL 180/99 engloba não apenas o imóvel/fracção em si mesmo considerado (paredes, portas, janelas) mas todo o equipamento e recheio que permite que aquele mesmo imóvel possa afinal ser considerado e usufruído como "unidade de alojamento".
24 - Todo o equipamento e recheio declarado existir no imóvel aquando da celebração da escritura, é propriedade da sociedade "D" - al. E) da especificação.
25 - O facto de a lei impor deveres de administração e conservação sobre o equipamento e recheio não é incongruente com a exigência de ser proprietário do mesmo. Aliás, o próprio proprietário é incumbido desses mesmos deveres quanto às unidades de alojamento - art° 25°.
26 - O caso dos autos não é comparável a qualquer contrato de aluguer de móveis ou equipamento celebrado entre proprietário do imóvel e sociedade locadora, através do qual são atribuídos direitos de uso e fruição de bens, prevenindo, assim, a situação...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO