Acórdão nº 2864/05-1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Novembro de 2006

Magistrado ResponsávelJOÃO GOMES DE SOUSA
Data da Resolução14 de Novembro de 2006
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, precedendo audiência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.

A - Relatório: No âmbito do processo comum n.º …do Tribunal Judicial de … foi o arguido A. …, por sentença de 21 de Junho de 2005, na procedência parcial da acusação, absolvido da prática dos dois crime de actos exibicionistas, previstos e puníveis, pelo art. 171º do Código Penal e condenado, para além do mais, pela prática de dois crimes de coacção sexual, previstos e puníveis, pelo artigo 163º n.º 2 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa por cada um deles, à razão diária de € 4,00 (quatro euros) e, em cumulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de 320 (trezentos e vinte) dias de multa, à razão diária de € 4,00 (quatro euros), ou seja, na multa global de € 1.280,00 (mil duzentos e oitenta euros), tendo-se, desde logo, fixado a prisão subsidiária em 213 (duzentos e treze) dias.

- Na procedência parcial dos pedidos cíveis deduzidos, mais foi condenado a pagar a B. …, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) e a pagar a C. .., a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescidos de juros à taxa legal, desde a notificação até efectivo reembolso.

***O arguido não se conformando com a decisão, interpôs o presente recurso formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1ª - Do depoimento das assistentes, no confronto com a demais prova produzida, constata-se que a matéria factual dada provada não tem suporte suficiente.

  1. - Houve, na verdade, erro notório na sua apreciação.

  2. - E, depois, ainda assim houve um errado enquadramento jurídico, porquanto não se vislumbra que tais factos constituam actos sexuais de relevo e, menos ainda, que as assistentes tenham a eles sido submetidos com prejuízo da sua liberdade de determinação.

  3. - As assistentes, encabeçando o movimento a B.., tinham dificuldades em aceitar as críticas do arguido, com a 4ª classe apenas.

  4. - E tomaram a iniciativa que as cartas consubstanciam, crendo, certamente, que com isso obteriam o único resultado desejado - a demissão do arguido.

  5. - A queixa que este apresentou levou-as à defesa por via do contra-ataque, deduzindo elas, depois, também queixa crime, razão de ser deste processo.

  6. - O qual levou, em audiência, às contradições que resultam do depoimento testemunha H… ("cassette" 3, lado A, 1725 e lado B 593) que referiu ter a assistente procurado, até Janeiro de 2005, esconder as ocorrências, com o que resulta da afirmação não só da assistente ("cassette" 1, lado A, 290 a lado B, 167) que contava ao marido e à filha.

  7. - Como pelas testemunhas A. C. e A. I. - "cassette" n.º 4, lado A, 2529 a lado B, e mesma "cassette", lado B, 889 a 1347 - que referiram desde sempre saber.

  8. - E do que a mesma assistente se referiu, acerca do episódio "das calças em baixo", assumindo uma maior confiança com o arguido para repreender, o que foi confirmado pela assistente C..

  9. - Resultando, também, de no carro, "várias" vezes o arguido ter passado as mãos pelas pernas das assistentes, quando é certo que se isso tivesse acontecido lascivamente uma vez que fosse, seria suficiente para as assistentes se porem de sobreaviso.

  10. - E, ainda, a afirmação que consta da carta da assistente B. …, de que lhe "tocou" 2 vezes.

  11. - Também é relevante o facto da testemunha A. I., cunhada da assistente, ter procurado, com a intermediação da assistente C…, integrar o quadro de trabalhadores da Associação, sabendo, segundo afirmou, que a C… era "assediada".

  12. - Como não pode deixar de relevar o facto de a assistente C… ter guardado o sabonete e os versos que o acompanhavam durante anos.

  13. - Como não pode deixar de ser relevante o facto de a assistente C. … não ter contado o que se passava à anterior presidente da direcção, figura matriarcal, com idade, experiência e formação para a ter ajudado; 15ª - E como não pode deixar de ser relevante o facto de o actual presidente da direcção se limitar a ir à Associação apenas para "assinar de cruz", dando corpo à pretensão das assistentes.

  14. - Enfim, todo um rol de contradições que tomam pouco verosímil o constrangimento das assistentes, a sua sujeição a actos sexuais de relevo com prejuízo da sua liberdade de determinação sexual.

  15. - Houve, como se disse, por parte da Exma Juíza, um notório erro na apreciação da prova e, ainda assim, um errado enquadramento jurídico dos factos que entendeu provados.

  16. - Foram violados, não só o artigo 163º, do CP, como o art.º 483º do CC, uma vez que não havia lugar à condenação civil.

    Concluiu pedindo a procedência do recurso e, em consequência, ser revogada a sentença que condenou e substituída por outra que, fazendo jus à prova produzida, o absolva.

    ***Notificado da interposição de recurso e da sua admissão (cfr. fls. 275), a Digna Procuradora-Adjunta respondeu ao mesmo, pugnando pela sua improcedência, tendo concluído: 1ª - O presente recurso foi interposto da sentença que condenou o arguido A… pela prática de dois crimes de coacção sexual, p. e p. pelo art. 163°, n.º 2 do Cód. Penal, na pena de 200 dias de multa por cada um deles, fixando-se cada dia de multa à razão diária de € 4,00 e, em cúmulo jurídico, na pena única de 320 dias de multa à razão diária de € 4,00, perfazendo a multa total de € 1.280,00, a que correspondem 213 dias de prisão subsidiária.

  17. - Entende o recorrente que se verifica "in casu" erro notório na apreciação da prova, porquanto a Mma Juiz "a quo" efectuou errada apreciação da prova.

  18. - O Arguido confunde o vício a que alude o art. 410°, n.º 2, alínea c) do Cód. Proc. Penal com a impugnação da matéria de facto.

  19. - O Tribunal recorrido efectuou correcto julgamento da matéria de facto, apreciando a prova de acordo com a sua livre convicção, que motivou na sentença recorrida.

  20. - Os pontos descritos pelo recorrente em nada alteram a decisão da matéria de facto.

  21. - O recorrente não indicou, nas suas conclusões de recurso, os pontos que considera incorrectamente julgados, bem como as provas que impõem decisão diversa da recorrida, conforme estatui o art. 412º, n.º 3, alíneas a) e b) do Cód. Proc. Penal, pelo que o recurso deve ser rejeitado, atenta a natureza imperativa do art. 412º do Cód. Proc. Penal.

    ***A assistente C. … respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência, tendo concluído: 1º - A matéria dada como provada tem suporte bastante.

    1. - Não se verifica nenhum erro notório.

    2. - Não se provou nada que não pudesse ter acontecido.

    3. - As acusações feitas pelo arguido às assistentes não têm qualquer fundamento e base de sustentação.

    4. - Não há nenhuma prova que permita concluir que o arguido foi alvo de uma alegada conspiração.

    5. - Não há contradição entre o facto de a assistente C… ter feito confidências à cunhada e a duas amigas e só ter procurado apoio psicológico mais tarde.

    6. - O constrangimento, o sofrimento, a profunda dor de alma e as perturbações psicológicas que as assistentes sofreram ficaram provadas e foram bem patentes durante a audiência.

    7. - As conclusões do recorrente não fixam o âmbito do recurso e apresentam-se confusas e distorcidas.

    8. - A douta sentença não tem qualquer vício, não apresenta irregularidade ou nulidade e não merece censura.

    ***Nesta Relação, o Digno Procurador-geral-Adjunto, sufragando, no essencial, a resposta apresentada à motivação de recurso, pugna pela improcedência do mesmo.

    ***Observado o disposto no n.º 2 do art. 417º do Código de Processo Penal, o arguido não respondeu.

    Efectuado o exame preliminar, colhidos os vistos legais e realizada a audiência de julgamento cumpre apreciar e decidir.

    ***B - Fundamentação: B.1 - Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos: 1 - C. e B. eram trabalhadoras na Associação de Reformados Pensionistas e Idosos do concelho de Moura, sita na Rua de S. Lourenço, no 6, Moura, local onde a primeira ainda exerce funções; 2 - Em datas concretamente não apuradas, ocorridas a partir de Setembro de 2003, o arguido, ao tempo, Presidente da Direcção da sobredita associação, passou a tocar nas pernas de C. …, quando a mesma se encontrava o seu gabinete de trabalho; 3 - Com efeito, aproveitando a circunstância de tratar de assuntos de trabalho, aproximava-se de C. .. e apalpava-lhe as pernas; 4 - Tais contactos aconteceram por diversas vezes, em dias distintos, sempre nas instalações daquela Associação; 5 - Em data não apurada, mas naquele período de tempo, o arguido colocou-se junto à porta do gabinete de trabalho das assistentes e no momento em que C. … saía apalpou-a nas nádegas; 6 - Quando C. … e B. … se encontravam sentadas ao computador, por diversas vezes, o arguido debruçava-se sobre aquelas, encostando, ostensivamente, o seu corpo em C. …; 7 - Por diversas vezes, a partir de Janeiro de 2004, data em que a ofendida B. … começou a trabalhar na Associação, o arguido ofereceu-lhe boleia para o trabalho, no seu veículo, e no interior do mesmo, passou a mão nas suas pernas; 8 - No dia 17 de Fevereiro de 2004, pelas 14h00, C. … e B. … viram o arguido em cuecas, com as calças descidas, no seu gabinete de trabalho, quando ali chegaram; 9 - Por diversas vezes, dirigiu-se a C. … e disse-lhe "Fazia-te esporrar que nem uma preta"; 10 - Em data não apurada, o arguido ofereceu à ofendida C. … um sabonete numa caixa branca, entregando-lhe, com o mesmo, um papel onde escreveu "É com este sabonete que tu te deves lavar e depois ficas prontinha para te fazer sonhar"; 11 - O comportamento do arguido, supra descrito, causava nas assistentes humilhação e revolta; 12 - Nunca as assistentes aceitaram ou admitiram tais actos; 13 - Sempre se furtaram aos diversos contactos físicos com o arguido, e quando estes aconteciam, reagiam dizendo-lhe que não admitiam tais comportamentos e a ofendida C. …, empurrava-o; 14 - Por diversas vezes lhe disseram que iriam apresentar queixa na P.S.P.; 15 - No entanto, aquele, perante a reacção das ofendidas, dizia-lhes...

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