Acórdão nº 871/06-1 de Tribunal da Relação de Évora, 04 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelALBERTO BORGES
Data da Resolução04 de Julho de 2006
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em audiência, os Juízes que compõem a Secção Criminal da Relação de Évora: 1. No Tribunal Judicial da Comarca de … correu termos o Proc. Comum Singular n.º … no qual foi julgado o arguido J (melhor identificado na sentença de fol.ªs 151 a 167, datada de 9.12.2005), pela prática - como autor material - de um crime de especulação, p. e p. pelo art.º 35 n.º 1 al.ª b) do DL 28/84, de 20 de Janeiro, e a sociedade B, enquanto criminalmente responsável, nos termos do disposto no art.º 7 do DL 28/84, de 20 de Janeiro, sendo punida nos termos do disposto no art.º 7 do mesmo diploma e, solidariamente, responsável pelo pagamento das multas ou coimas em que o arguido vier a ser condenado, de acordo com o disposto no artigo 2 n.º 3 do mesmo diploma.

Deduziu pedido de indemnização civil - contra o arguido e a sociedade supra identificada - o ofendido M, por danos patrimoniais sofridos, pedindo a condenação daqueles no pagamento da quantia de 73,38 euros.

A final veio a decidir-se: A - Convolar o crime de especulação imputado aos arguidos para o crime de especulação por negligência, p. e p. pelo art.º 3 n.ºs 1 al.ª b) e 3 do DL 28/84, de 20 de Janeiro, e art.º 15 al.ª b) do Código Penal, e condenar o arguido - pela prática de tal crime - na pena de dois meses de prisão, convertida em igual tempo de multa, isto é, 60 dias de multa, à taxa diária de 2,50 euros, e na pena de 50 dias de multa, à mesma taxa de 2,50 euros, ou seja, na pena única de 110 dias de multa, à taxa diária de 2,50 euros, perfazendo o total de 275,00 euros, e - solidariamente - quanto a esta pena, a sociedade B; B - Condenar a sociedade B, pela prática do crime de especulação por negligência, p. e p. pelo art.º 3 n.ºs 1 al.ª b) e 3 do DL 28/84, de 20.01, e art.º 15 al.ª b) do Código Penal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de dez euros e cinquenta cêntimos, perfazendo o montante global de 525,00 euros; C - Julgar o pedido de indemnização procedente, por provado, e condenar o arguido e a sociedade, solidariamente, no pagamento da quantia de 73,38 euros ao ofendido/demandante, acrescida de juros à taxa legal e anual de 7% desde 1.08.2002 até 30.04.2003 e à taxa de 4% desde 1.05.2003 até integral pagamento.

  1. Recorreu o Ministério Público daquela sentença, concluindo a motivação do seu recurso com as seguintes conclusões: a) Constata-se do dispositivo da sentença proferida que os arguidos foram condenados pela prática de um crime de especulação, p. e p. pelo art.º 3 n.º 1 al.ª b) e n.º 3 do DL 28/84, de 20.01, quando esse preceito respeita unicamente à previsão da responsabilidade criminal das pessoas colectivas e equiparadas, não prevendo em si qualquer dos tipos de ilícito tipificados no mencionado diploma, sendo que nesse preceito nem sequer existe a referida alínea.

    b) De acordo com o disposto no art.º 374 n.º 3 al.ª a) do CPP, é requisito da sentença que do dispositivo da mesma constem as disposições legais aplicáveis.

    c) Certamente por lapso, as disposições legais aplicáveis constantes do dispositivo da sentença condenatória não correspondem às normas aplicáveis no caso vertente e aos factos sub judice, pelo que importa que se proceda a tal correcção, em conformidade com as disposições legais aplicáveis, pese embora tal facto não consubstancie uma nulidade da sentença (art.º 379 n.º 1 al.ª a), a contrario, do CPP).

    d) Discorda-se da medida concreta da pena aplicada ao arguido, pelo facto de se considerar demasiado benévola em face da culpa do agente, das circunstâncias em que o crime foi cometido, das exigências de prevenção geral e especial, atendendo ao tipo de crime em causa, dos bens jurídicos que se visam proteger (bens jurídicos económicos e a confiança dos consumidores), à gravidade da violação dos deveres impostos ao agente e à conduta concreta do arguido, anterior e posterior à prática dos factos, no que concerne à reparação do dano causado.

    e) "A aplicação das penas e das medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" (art.º 40 do Código Penal), sendo que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa".

    f) "A determinação da medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção" (art.º 71 do mesmo código), devendo considerar-se, para o efeito, todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o agente, designadamente: - "O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; - A intensidade do dolo ou da negligência; - As condições pessoais do agente e a sua situação económica; - A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime".

    g) Assim, a operação a efectuar na determinação da pena consiste na construção de uma moldura legal de prevenção geral de integração (em obediência à ideia de que o fim da punição reside na defesa dos bens jurídicos e das legítimas expectativas da comunidade com vista ao restabelecimento da paz jurídica) e cujo limite mínimo é dado pela defesa do ordenamento jurídico, o ponto abaixo do qual não é socialmente admissível a fixação da pena sem pôr em causa a sua função de tutelar bens jurídicos.

    h) Por outro lado, a culpa dar-nos-á o limite máximo inultrapassável das exigências de prevenção - a culpa como fundamento da pena e não como finalidade.

    i) Dentro dessa moldura de prevenção geral de integração, a medida concreta da pena é determinada em função das particulares e concretas exigências de prevenção especial (cfr. Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime, 114 e seguintes), visando promover a reintegração social do agente.

    j) A atender ainda que a aplicação de uma pena visa, igualmente, a punição do agente, por forma a dissuadi-lo de cometer novos crimes, ou seja, para que se possa assegurar uma correcta protecção dos bens jurídicos presentes e futuros é necessário que ao arguido seja aplicada uma pena que, dentro dos limites legais, represente um sacrifício para o mesmo.

    k) De acordo com o citado art.º 71 do CP, na aplicação da medida concreta da pena deve atender-se, além do mais, ao grau de violação dos deveres impostos ao agente.

    l) No que concerne a este aspecto, parece-nos inevitável concluir que o arguido violou de forma grave os deveres que lhe eram impostos; na verdade, o arguido estava ciente que a peça que veio a colocar no veículo do lesado era diferente da peça que inicialmente comprou ao …, sendo que o preço que veio a cobrar àquele era o da primeira peça solicitada e não o da efectivamente colocada.

    m) Então, como é que o arguido, apesar de estar ciente das diferenças entre as peças, cobrou ao cliente, sem qualquer pudor, o preço da primeira peça, sem sequer se certificar se era o mesmo preço da segunda (o que já por si era improvável, atentas as suas diferenças)? n) Quando falamos do comportamento do arguido temos que atender a que não estamos a falar num leigo na matéria. Na verdade, estamos a falar de um comerciante que tinha uma casa aberta ao público e ao qual é exigido rigor, quer no serviço que presta, quer no preço que cobra pelo mesmo.

    o) Assim, em face da prova produzida, e considerando o que qualquer homem médio faria, com os conhecimentos do arguido, e perante as circunstâncias do caso concreto, concluimos que o arguido violou de forma grave os deveres que lhe eram impostos, situação que não foi tida em conta na pena aplicada ao arguido, existindo, por isso - e quanto a nós - erro notório na apreciação da prova.

    p) Debrucemo-nos agora sobre a conduta do arguido anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime.

    q) A este propósito será de perguntar: porque é que não foi dado como provado - e em sede de medida da pena não foi considerado - o facto de o lesado ter, por diversas vezes, contactado o arguido para que este procedesse ao pagamento da diferença da peça que cobrou e efectivamente colocou no seu veículo e este sempre se tenha recusado a pagar? r) Na verdade, e pese embora tal factualidade não tenha sido dada como provada (como deveria), o certo é que a testemunha … disse que por diversas vezes contactou o arguido para que este lhe devolvesse a referida quantia e o arguido, mesmo ciente dos factos que havia cometido, sempre se recusou a fazê-lo, não aceitando reparar o dano que causou.

    s) Acresce que, ainda que o tribunal a quo não considerasse o depoimento da testemunha quanto a essa matéria (o que não se aceita, pois da sentença consta que tal testemunha depôs com seriedade e conscienciosamente), sempre teríamos os documentos juntos de fol.ªs 16 a 22 dos autos, de onde consta que o lesado tentou obter o pagamento daquela quantia junto do arguido, por diversas vezes, o que este sempre recusou fazer, ou seja, admitindo que o arguido agiu de forma negligente, mesmo após saber que havia errado e ofendido o património de um terceiro, ainda assim, ao contrário do que um homem médio de bem faria, o arguido sempre se recusou a pagar a quantia que ilicitamente lucrou.

    t) Perguntamos então: não deveria tal comportamento ter sido dado como provado e valorado em sede de aplicação da medida concreta da pena? Parece-nos, indubitavelmente, que sim. O que não aconteceu, existindo, mais uma vez, e quanto a nós, erro notório na apreciação da prova.

    u) Considerou-se ainda a favor do arguido o facto de se ter mostrado arrependido e ter colaborado com a descoberta da verdade - também nesta parte discordamos da decisão em crise; na verdade, o arrependimento alegado pelo arguido foi-o tão só por estar numa sala de audiências (fazendo o que, consciente ou inconscientemente qualquer cidadão que está a ser julgado faria, defender-se), pois que, a nosso ver, apenas se poderia considerar que o arguido está arrependido se com as suas acções (designadamente reparação do dano) o tivesse demonstrado, o que não aconteceu.

    v) Mais...

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