Acórdão nº 0742535 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Junho de 2007

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução27 de Junho de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I. 1. O MP., datada de 3.10.2005, deduziu acusação, em processo comum com a intervenção do Tribunal singular de B………., Lda., bem como de C………. e D………., por factos alegadamente integradores do tipo leal de crime de abuso de confiança fiscal, então. P. e p pelo artigo 24º/1, 2 e 5 do RJIFNA e, hoje, p. e p. pelo artigo 105º/1 e 5 do RGIT, sendo a responsabilidade da sociedade, ao abrigo, então dos artigos 7º e 9º/2 RJIFNA e hoje, do artigo 7º/1 e 3 e 12º/2 do RGIT.

Aí consta entre o mais, que (…) por sentença de 29.1.2002, transitada em julgado, foi a sociedade arguida declarada falida, passando a ser representada pelo Liquidatário Judicial indicado a fls.

(…) a sociedade arguida após ter efectuado o apuramento do respectivo IVA a entregar aos cofres do Estado, enviou apenas algumas declarações nas quais fez constar o valor deste imposto a entregar ao Estado e por si cobrado.

A acusação foi recebida, nos seus precisos termos e designado dia para julgamento.

Posteriormente foi declarado extinto por prescrição o procedimento criminal, no tocante ao arguido D………. .

No dia designado para o julgamento, que veio a ser adiado, com fundamento na ausência do arguido C………., foi ordenada a solicitação de informação sobre o estado dos autos de falência, nomeadamente, se os mesmos já se encontram findos e, nesse caso, solicitado, o envio do despacho que determinou a extinção do apenso de liquidação, bem como foi ainda, solicitado à Conservatória do Registo Comercial, o envio de certidão das inscrições em vigor em relação à arguida.

Posteriormente à satisfação do solicitado, veio a ser proferida a seguinte decisão: "por despacho de fls. 115 e ss. foi a arguida B………., Lda. acusada pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p.p. pelo 24º/1, 2 e 5 do Decreto Lei 20-A/90, de 15/1, na redacção do Decreto Lei 140/95, de 14/6 e artigos 7º e 9º/2 do mesmo diploma, actualmente, p.p. pelos artigos 7°, 105°/1 e 5 do RGIT.

A arguida sociedade foi declarada falida por sentença de 29-01-2002, já transitada em julgado.

Por sua vez, e conforme consta da certidão que antecede, o apenso de liquidação do activo da empresa já se extinguiu.

Da certidão da Conservatória do Registo Comercial de Santo Tirso, não resulta, por certo por mero lapso, o registo da extinção da liquidação.

Decidindo: a declaração de falência não extingue de per si a sociedade, mas tão só priva-a do poder de administrar e de dispor de bens que, a partir daquele momento, passam a integrar a massa falida que é administrada pelo liquidatário judicial, artigo 147°/1 do CPEREF.

Há como que uma inibição desses poderes mas não a extinção da pessoa colectiva, nomeadamente para efeitos de responsabilidade criminal.

Com efeito, dispõe o artigo 146º/2 do CSC que" A sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e salvo quando outra coisa resulte das disposições subsequentes ou da modalidade da liquidação, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas." Assim, conclui-se que as sociedades comerciais após a declaração de falência, mantém a personalidade judiciária.

Assim, a sociedade só se extingue com o registo do encerramento da liquidação, artigo 160°/2 do CSC.

Durante a liquidação e, conforme o preceituado no artigo 134°/4 alínea a) do CPEREF, cabe ao liquidatário judicial a representação activa e passiva da massa falida, bem como a administração e disposição dos bens que a compõem.

Resulta porém das certidões juntas aos autos que a liquidação já se extinguiu por ter insuficiência dos bens que compunham a massa falida.

Quid iuris? Ora, sendo certo que devia tal extinção ter sido registada para efeitos de extinção da sociedade, o que não deve ter acontecido por mero lapso, o que é certo é que o processo de liquidação encontra-se totalmente findo, ou seja a sociedade ora arguida não tem mais bens.

No âmbito do presente processo, submeter-se a sociedade falida, despojada de quaisquer bens, a julgamento para assacar da sua eventual responsabilidade criminal e eventual aplicação de uma pena de multa, é como submeter uma pessoa singular que já está morta, mas em relação à qual não foi passada certidão de óbito, a julgamento.

Na realidade, mesmo que viesse a ser condenada, não há massa falida para liquidar a pena de multa.

Acresce ainda dizer que encontrando-se os autos de liquidação, extintos, a representação jurídica da massa falida - que não existe - pelo liquidatário judicial, nos termos do disposto no artigo 134° e 147° do CPEREF, cessou.

Para ter personalidade judiciária, na qualidade de massa falida, é pressuposto, antes de mais, a sua verificação, a fim de, assim poder responder criminalmente.

De modo que não havendo liquidação e representação da massa falida, porque esta nem sequer existe, não faz sentido manter um "nada" na qualidade de arguido.

Termos em que, pese embora não esteja registada a liquidação da sociedade ora arguida, declaro extinto o procedimento criminal contra a mesma instaurado.

Notifique.

No mesmo despacho, veio ainda a ser declarado contumaz o arguido C……….".

  1. 2. Inconformado com esta decisão, interpôs o Magistrado do MP. recurso para este Tribunal, sustentando as seguintes conclusões: 1. Ao contrário do afirmado na douta decisão recorrida e sem prejuízo da extinção a que se refere o nº. 2 do artigo 160º do CSC a personalidade jurídica da sociedade declarada falida mantém-se após o encerramento da liquidação falimentar e o seu registo; 2. Ainda que só para efeitos determinados, como sejam os relacionados com os seus créditos e débitos remanescentes e com a possibilidade de através de seus representantes vir a requerer a cessação dos efeitos da falência e a sua reabilitação, nos termos do disposto no artigo 2380 do CPEREF; 3. Reabilitação essa que pode ser obtida, com a reabertura para o efeito do processo falimentar, até data bem posterior ao encerramento normal efectivo do mesmo, ao fim da liquidação e ao trânsito em julgado da decisão que tiver apreciado as contas finais do liquidatário; 4. Com a recuperação pela falida da disponibilidade dos seus bens e da livre gestão dos seus negócios; 5. Pelo que, dada a reversibilidade eventual da situação em causa, inexistem razões para, como se fez no douto despacho recorrido na parte ora impugnada, se equiparar a aludida extinção nos termos do n" 2 do artigo 1600 do CSC à morte de uma pessoa física arguida; 6. Com uma consequente extinção do procedimento criminal como a declarada, por aplicação por analogia do disposto nos artigos 1270 e 1280 do Código Penal; 7. Uma solução como a adoptada no douto despacho recorrido acarretaria, para além de, em casos em que a arguida pessoa colectiva seja a única a submeter a julgamento; 8. A impossibilidade de aplicação judicial, na sequência de uma sentença condenatória transitada em julgado, de penas principais de multa e da perda de objectos, instrumentos ou vantagens de demonstradas práticas criminais; 9. Como de penas acessórias diversas (como privações do direito de receber subsídios ou subvenções, suspensões de benefícios fiscais e interdição de actividades dependentes de autorização ou homologação pública); 10. A possibilidade de, através da ulterior (a declarações de extinção do procedimento criminal como a produzida no douto despacho recorrido) reabilitação e cessação dos efeitos da falência; 11. A sociedade em causa injustificadamente retomar a disponibilidade dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios sem ser submetida àquelas sanções; 12. Pelo que pelo que, independentemente da existência ou não em casos como em apreço da possibilidade da obtenção do pagamento da concreta pena de multa a aplicar eventualmente à arguida após o termo normal do processo falimentar e das razões de prevenção geral atinentes; 13. Sempre se impõe a continuação do procedimento criminal por atenção às finalidades de tais sanções, que podem eventualmente alcançar plena aplicação no referido caso de reabilitação e regresso à actividade da sociedade declarada falida (e com património liquidado) no decurso (ou antes) do desenvolvimento do procedimento criminal; 14. Decidindo diversa e contrariamente, violou a Mª. Juiz "a quo" o disposto nos aplicados, por analogia e por remissão dos artigos 4°/1, do RJIFNA, e 3°, a), do RGIT, artigos 127° e 128°/1 do Código Penal; 15. Pelo que deverá a douta decisão impugnada ser revogada e ser substituída por outra que determine o normal prosseguimento dos autos contra a arguida em causa (com eventual aplicação do disposto no nº. 4 do artigo 335º C P Penal, face à verificada declaração de contumácia do arguido C………. e se data para a audiência de discussão e julgamento respectiva.

  2. 3. Respondeu a massa falida, através do Liquidatário Judicial, pugnando pela improcedência do recurso, sustentando as seguintes conclusões: 1. A personalidade jurídica da sociedade extingue-se com a liquidação de todo o seu património, distribuição da receita obtida pelos credores e encerramento do processo falimentar; 2. Não é possível reabilitar a falida porque todo o seu património foi apreendido e vendido. A própria contabilidade e livros de escrituração comercial foram apreendidos e serão guardados até à sua destruição, decorrido que seja o prazo de 10 anos de conservação prescrito na legislação fiscal. Nada há a reabilitar; 3. Se não existem quaisquer recursos materiais ou humanos, obviamente que a falida não pode recuperar a livre gestão dos seus negócios, contrariamente ao que defende o Ministério Público no ponto 3 das suas doutas conclusões. A falida foi afastada definitiva e irreversivelmente do comércio jurídico; 4. O Ministério Público nos pontos 7 e 8 das suas doutas conclusões, refere que a solução adoptada pela Senhora Juíza a quo "acarretaria (...) a impossibilidade de aplicação judicial (...) de penas principais de multa e da perda de objectos instrumentos ou...

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