Acórdão nº 0644795 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Janeiro de 2007

Magistrado ResponsávelCUSTÓDIO SILVA
Data da Resolução24 de Janeiro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acórdão elaborado no processo n.º 4795/06 (4ª Secção do Tribunal da Relação de Porto)**Relatório Consta da sentença de 28 de Abril de 2006, no dispositivo, o seguinte: "Tudo visto e ponderado, atentas as disposições legais citadas e as considerações expendidas, decide-se:

  1. Condenar o arguido B…………, como autor material de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180º, n.º 1, do C. Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 6, o que perfaz um total de € 600; ..." O arguido veio interpor recurso, tendo terminado a motivação pela formulação das seguintes conclusões: "1ª - Da análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com os documentos que integram os autos e as regras da experiência comum, resulta claro que o arguido não praticou o crime de difamação.

    1. - A conduta do arguido não integra o ilícito tipificado no n.º 1 do art. 180º do C. Penal, pelo que foi incorrectamente qualificada na douta sentença recorrida.

    2. - Mal andou o tribunal recorrido ao condenar o arguido recorrente pela prática do crime de difamação, p. e p. pelo art. 181º, n.º 1, do C. Penal.

    3. - A sentença recorrida enferma de grave erro na qualificação jurídica dos factos. Há contradição entre a fundamentação de facto e a decisão.

    4. - Da factualidade dos autos, na sua plenitude, não resulta, objectivamente, que a conduta do arguido tenha constituído qualquer ofensa à honra ou consideração do assistente.

    5. - Ao julgar como provados os factos insertos nos pontos L., M., N. e O. dos factos provados, conjugados com os documentos juntos aos autos, nomeadamente o de fls. 53, o tribunal recorrido teria que julgar como provado que o assistente havia vendido ao arguido a carrinha Passat ..-..-XI.

    6. - Ao julgar este facto como não provado, o meritíssimo juiz a quo violou, entre outros, os arts. 874º, 875º, 879º, 885º e 886º, n.º 2, do C. Civil.

    7. - Do mesmo modo, da globalidade da prova produzida, nomeadamente dos factos provados referidos na conclusão 6ª e, ainda, do ponto P. dos factos provados, resulta evidente que o assistente furtou o veículo ..-..-XI ao arguido.

    8. - Ao não qualificar a conduta do assistente, descrita em O. dos factos provados, como ilícita - crime de furto qualificado - o tribunal recorrido violou os arts. 202º, 203º e 204º, n.º 2, al. a), do C. Penal.

    9. - Como resulta do descrito nos pontos P. e Q. dos factos provados, o arguido dirigiu-se a C……….., pedindo-lhe a mediação para o contacto com o assistente, para obter a restituição do veículo por este furtado. Ao dizer-lhe ‘o Zé roubou-me o Passat', no contexto em que proferiu esta expressão, estava o arguido a imputar ao assistente um facto verdadeiro e visava alcançar um interesse legítimo.

    10. - Porque a imputação do facto ilícito (furto) ao assistente era verdadeira e fora proferida num contexto específico, visando alcançar um interesse legítimo, a conduta do arguido não é punível ( art. 180º, n.º 2, als. a) e b), do C. Penal ).

    11. - Acresce que da prova testemunhal em que o meritíssimo senhor juiz a quo fundamentou a matéria de facto provada resultam duas versões contraditórias, que encerram uma dúvida muito forte, perante a qual o tribunal deveria, sempre, absolver o arguido. Ao condenar o recorrente, nas descritas circunstâncias, violou o princípio in dubio pro reo.

    12. - O recorrente é primário, de modesta condição socioeconómica e tem a seu cargo um filho maior, estudante.

    13. - Os factos já ocorreram em Junho de 2004. Quer antes, quer depois desta data, o recorrente teve conduta social correcta, constituindo o evento que lhe é imputado um facto excepcional e isolado.

    14. - O tribunal recorrido não aplicou correctamente os critérios legais previstos para a determinação da medida das penas, nomeadamente o disposto no art. 71º do C. Penal.

    15. - Verificam-se circunstâncias que diminuem de forma acentuada a necessidade da pena, devendo o tribunal atenuá-la especialmente, conforme dispõe o art. 72º, n.ºs 1 e 2, al. d), do C. Penal, normativo a que tribunal recorrido não atendeu.

    16. - Em consequência da atenuação especial da pena e da moldura penal prevista no n.º 1 do art. 180º do C. Penal, o seu limite máximo - multa de 240 dias - será reduzido a um terço (1/3), conforme dispõe o art. 73º, n.º 1, al. c), do C. Penal, mostrando-se ajustado sancionar o recorrente Celestino Barreira com 1/4 (um quarto) daquele limite, ou seja, na multa de vinte (20) dias, à taxa diária de € 4 (quatro euros).

    17. - Porque se verificam os pressupostos previstos nos arts. 74º e 186º, n.º 2, do C. Penal, deverá o arguido ser dispensado da pena, com a condição de demonstrar nos autos, num prazo curto, o pagamento da indemnização que vier a ser fixada pelo tribunal.

    18. - Ao condenar o arguido na pena de multa de 100 dias e à taxa diária de € 6, o tribunal a quo violou os critérios estabelecidos nos arts. 71º, 72º e 73º do C. Penal".

    **Fundamentação O objecto do recurso é parametrizado pelas conclusões (resumo das razões do pedido) formuladas quando termina a motivação, isto em conformidade com o que dispõe o art. 412º, n.º 1, do C. de Processo Penal - v., ainda, o ac. do S. T. J., de 15 de Dezembro de 2004, C. J., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 179, ano XII, t. III/2004, Agosto/Setembro/Outubro/Novembro/Dezembro, pág. 246.

    **Há, então, que definir quais as questões que se colocam para apreciação: 1ª - Há pontos de facto incorrectamente julgados, maxime aqueles que integram o tipo objectivo e o tipo subjectivo do crime de difamação (art. 180º, n.º 1, do C. Penal)? 2ª - No caso de assim não ser, demonstra-se o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, previsto no art. 410º, n.º 2, al. b), do C. de Processo Penal? 3ª - Em caso negativo, tem lugar a não punibilidade da conduta por força do disposto no art. 180º, n.º 2, als. a) e b), do C. Penal? 4ª - Face a uma solução negativa, tem lugar a atenuação especial da pena, a coberto do art. 72º, n.ºs 1 e 2, al. d), do C. Penal? 5ª - A determinação da medida da pena obedeceu ao requisitório vazado no art. 71º, n.º 1, de C. Penal? 6ª - A quantia correspondente a cada dia de multa foi fixada de acordo com o determinado no art. 47º, n.º 2, do C. Penal? 7ª - Deve ser aplicada a dispensa de pena ( art. 186º, n.º 2, do C. Penal )? **Consta da sentença sob recurso, em termos de enumeração dos factos provados e dos factos não provados, bem como da exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, o seguinte: "1. Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: A. No dia 23 de Junho de 2004, dia de feira na cidade de Chaves, da parte da manhã, no armazém da empresa D……….., sito na ……….., em Chaves, o arguido afirmou em voz alta, na presença de várias pessoas, que o assistente lhe tinha furtado uma carrinha Passat e que era um ladrão.

    1. O arguido agiu de forma livre e consciente, com o propósito conseguido de, ao formular tais juízos sobre a pessoa do assistente, o ofender na sua honra e consideração, como ofendeu.

    2. Bem sabia o arguido que a conduta que empreendeu era proibida e punida por lei.

    3. O arguido é agricultor, trabalhando terras suas, auferindo um rendimento médio mensal de € 750,00.

    4. É casado, sendo a esposa é doméstica.

    5. Tem um filho a seu cargo, estudante universitário na cidade do Porto.

    6. Vive em casa própria.

    7. Tem como habilitações literárias a 4ª classe.

      I. Não tem antecedentes criminais.

    8. Em consequência das expressões proferidas pelo demandado, o demandante sentiu vexame, humilhação e angústia.

      L. O assistente é comerciante de automóveis usados e no mês de Maio de 2004 negociou com o arguido a venda a este de uma carrinha de marca Volkswagen, modelo Passat de matrícula ..-..-XL.

    9. O assistente entregou a viatura ao arguido em ……., junto à residência deste, com as chaves e respectivo duplicado, bem como a declaração aduaneira junta a fls. 53, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

    10. O arguido usou o veículo durante cerca de quinze dias.

    11. Decorrido tal lapso de tempo, quando a viatura se encontrava estacionada numa rua da cidade de Chaves, o assistente, em virtude de o arguido não ter pago o respectivo preço, munido de um duplicado da chave, introduziu-se na mesma e levou-a para destino que não se logrou apurar.

    12. O arguido participou criminalmente o desaparecimento da viatura na PSP, o que deu lugar à instauração do inquérito n.º …./04.6 PBCHV, em curso nos Serviços do Ministério Público do Tribunal de Chaves.

    13. Na data referida em A., o arguido pediu a mediação de C…………, funcionário da empresa D…………, para obter a restituição do veículo, tendo-se ambos deslocado a casa do pai do assistente.

      1. Factos não provados: Com relevo para a decisão da causa, não se provou que: a) No interior do café E………, sito no ………, em Chaves, em data não apurada, o arguido tivesse-se dirigido a F…………., afirmando que o assistente era um ladrão porque lhe tinha roubado uma carrinha Passat.

  2. O assistente tivesse vendido ao arguido uma carrinha Passat.

  3. Após ter sido constituído arguido nos autos referidos em P., o assistente tivesse telefonado ao arguido, vociferando ameaças de morte e injúrias.

  4. No dia 28 de Junho de 2004, o assistente tivesse endereçado para a residência do arguido, via correio azul, os documentos de identificação deste.

  5. Fazendo uso do bilhete de identidade e do número de identificação fiscal do arguido, o assistente operou a transmissão da titularidade do veículo para terceiro.

    1. Provas que serviram para formar a convicção do tribunal: O tribunal fundou a sua convicção na análise crítica das declarações prestadas em sede de audiência de julgamento pelo arguido e dos depoimentos das testemunhas inquiridas, conjugados que foram com a exegese dos documentos juntos aos autos.

    O arguido negou a prática dos factos que lhe são imputados, confirmando, porém, ter estado na empresa D………… na data em apreço, tendo conversado com a testemunha C…………...

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