Acórdão nº 2222-L/1996.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Junho de 2007
Magistrado Responsável | TELES PEREIRA |
Data da Resolução | 05 de Junho de 2007 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.
O Liquidatário Judicial da Massa Falida de “A... ” (A. e neste recurso Apelado), intentou, no Tribunal (então designado de Círculo) da Anadia, contra A...
(1ª R. e aqui Apelante), B...
(2ª R. e aqui Apelante) e C...
(3ª R. e aqui Apelante), acção declarativa de condenação com processo ordinário, visando o exercício da impugnação pauliana relativamente ao acto de renúncia, por parte da 1ª R., ao exercício do direito de preferência no trespasse, realizado pela 2ª R (B...) para a 3ª R. (Inducertoma), do estabelecimento desta 2ª R.
[1] , local este do qual a 1ª R., enquanto proprietária/locadora, era senhoria [2] . Referiu-se tal renúncia [3] a um preço de trespasse de 4.000.000$00, sendo que o valor real desse trespasse seria, então, de 40.000.000$00, pelo menos. Esta renúncia ocorreu cerca de 1 mês antes da 1ª R. ser declarada falida, por impossibilidade de pagamento de mais de um milhão e trezentos mil contos de dívidas, e teve como único objectivo, comum às três RR., o de subtrair a posse plena do referido “Complexo industrial” à possibilidade de alcance pelos inúmeros credores da 1ª R.
Formula o A., em função destes factos, o seguinte pedido: “[…] [S]erem as RR. condenadas a reconhecer a ineficácia do acto de administração da 1ª R. – A..., SA – o qual renunciou ao exercício do direito de preferência no trespasse efectuado pela 2ª R. – B..., SA – em favor da 3ª R. –C..., SA – com as legais consequências.
[…]” [transcrição de fls. 13] Contestaram as três RR. em termos absolutamente idênticos [4] (respectivamente a fls. 111/116, 118/124 e 125/130), excepcionando a ilegitimidade do A.
[5] e alegando, no mais: corresponder o valor declarado do trespasse ao valor do estabelecimento em causa; que do trespasse apenas resultou a transmissão da posição passiva no arrendamento que já onerava a propriedade da 1ª R.; que esta não dispunha dos 4.000.000$00 acordados como valor do trespasse; que nenhum dos RR. actuou com o intuito de prejudicar qualquer credor da A..., desconhecendo as 2ª e 3ª RR. a existência das dívidas da 1ª R. mencionadas na petição inicial.
1.1.
No Despacho Saneador proferido a fls. 208 foi omitida qualquer referência à questão da ilegitimidade do A.
[6] , tendo as 1ª e 2ª RR. recorrido a fls. 208 dessa parte do Despacho, sendo tal recurso admitido a fls. 226 vº (como agravo a subir com o primeiro que viesse a subir imediatamente), constando as alegações respectivas de fls. 238/240.
1.2.
Entretanto, antecedendo a fase de instrução do processo, após a prolação do Despacho de fls. 208/210 contendo a especificação e o questionário (que foram elaborados por remissão para os articulados), apresentou a 1ª R. o respectivo rol de testemunhas (fls. 220), no qual incluiu uma testemunha (D...
) residente no Canadá, requerendo a expedição de carta rogatória para a sua inquirição.
Expedida a carta, foi a mesma devolvida sem cumprimento pelo Canadá, pelas razões indicadas no ofício de fls. 344 (destas avulta a deficiente tradução da mesma realizada pela 2ª R.), requerendo esta R. a fls. 355 o seguinte: “[…] A... […], tendo sido notificada da devolução da carta rogatória expedida para o Canadá, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte: A ora requerente procedeu à tradução da carta rogatória, conforme consta dos autos a fls….
Constitui entendimento da ora requerente não se verificar qualquer dos fundamentos de recusa de cumprimento da carta rogatória previstos nos artigos 184º e 185º do Código de Processo Civil.
Face ao supra exposto requer-se a V. Exa. se digne proceder à expedição da carta rogatória, prorrogando o prazo para o seu cumprimento, nos termos do artigo 181º do Código de Processo Civil.
[…]” [transcrição de fls. 355] Incidiu sobre este requerimento o seguinte Despacho: “[…] Este Tribunal não pode coagir qualquer Tribunal rogado a cumprir cartas rogatórias.
Alguns dos motivos alegados para o não cumprimento (designadamente a invocada deficiência de tradução) não são imputáveis ao rogante, nem a este incumbe directamente a sua eventual correcção.
Encontra-se largamente ultrapassado o prazo para o cumprimento da carta rogatória (artigo 181º, nº 2 do Código de Processo Civil).
Os factos a que é indicada a testemunha deverão ser provados pelo A. e não pela R. que ofereceu a testemunha, face às regras vigentes sobre ónus da prova.
A reexpedição da carta corre sério risco de terminar por nova recusa de cumprimento.
A demora no cumprimento da carta protela intoleravelmente o julgamento da acção.
Por todos os motivos expostos, decido indeferir a reexpedição da carta rogatória, sem prejuízo da apresentação da testemunha na audiência de julgamento ou da sua inquirição por teleconferência (se esta se revelar viável).
[…]” [transcrição de fls. 364] Reagiu a destinatária deste Despacho, a 2ª R., interpondo o recurso de fls. 365, que foi admitido, a fls. 366, como agravo, com subida diferida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo [7] , juntando a fls. 370/374 as alegações respectivas.
1.3.
Tendo o processo alcançado, finalmente – sete anos após a propositura da acção –, a fase de julgamento, realizou-se a audiência – procedendo-se nesta à gravação da prova testemunhal produzida –, finda a qual, apurados os factos provados por referência ao elenco constante do questionário (Despacho de fls. 717/718), foi proferida a Sentença constante de fls. 734/738 vº – a Decisão objecto do presente recurso de apelação –, culminando esta com o seguinte pronunciamento decisório, decorrente da consideração de estarem preenchidos todos os requisitos necessários à procedência da impugnação pauliana: “[…] [J]ulgo procedente a impugnação e em consequência condeno as RR. a reconhecer a ineficácia do acto da administração da A...: renúncia ao exercício do direito de preferência no trespasse efectuado pela B... em favor da C..., com a consequência do direito de preferência no trespasse do estabelecimento renascer no património da A... que o terá de exercer nos termos e com as consequências legais, ficando a R. C... condenada a apresentar o estabelecimento ao liquidatário dentro de 5 dias contados a partir do exercício do direito de preferência.
[…] [transcrição de fls. 738 vº] 1.4.
Inconformadas apresentaram-se a 3ª R. (Inducertoma), por um lado, e a 1ª e 2ª RR. (A... e B...), por outro, a recorrer (respectivamente a fls. 743 e 744), sendo os recursos admitidos a fls. 745, constando as alegações respectivas de fls. 745/777 (Inducertoma) e 785/810 (A... e B...) [8] .
Culminaram as alegações da 3ª R. com as seguintes conclusões: (………………..) A 1ª e 2ª RR (A... e B...) apresentaram, por sua vez, as seguintes conclusões conjuntas: (…………………………..) O A./Apelado, respondeu, pugnando pela integral manutenção da Sentença recorrida.
II – Fundamentação 2.
Importa consignar desde já, com interesse para toda a subsequente exposição, que as conclusões de um recurso – de qualquer recurso – operam a delimitação temática do seu objecto [artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)][9] .
. Assim, por referência às questões enunciadas nas conclusões, o recurso apenas pode prescindir de as apreciar quando a sua decisão esteja logicamente prejudicada pela solução dada a outras questões, e apenas pode ir além daquelas na medida em que a lei lhe permita, ou imponha, o conhecimento oficioso de qualquer outra questão, mesmo que não suscitada nas conclusões (artigo 660º, nº 2 do CPC).
Lembrado que está este pressuposto respeitante à intervenção do Tribunal de recurso, pressuposto relevante para qualquer dos recursos aqui em causa, cumpre notar que a existência de dois agravos interpostos pela 1ª e 2ª RR. (aqui Apelantes e, relativamente a eles, Agravantes), admitidos (respectivamente a fls. 226 vº e 366) com subidas diferidas, coloca agora a questão do seu conhecimento, seguindo a ordem estabelecida no artigo 710º, nº 1 do CPC [10]. É, pois, por estes agravos subsistentes no momento da subida da apelação que nos compete começar, sendo certo que a Agravante do segundo agravo – Apelante no recurso dominante – declarou (a fls. 955) manter interesse na sua apreciação (artigo 748º do CPC) e, relativamente ao primeiro agravo (o admitido a fls. 226 vº), tal interesse decorre implicitamente da circunstância de terem as respectivas Agravantes reeditado a questão que subjaz a esse agravo (ilegitimidade do A.) nas conclusões da respectiva apelação.
Cumpre, assim, apreciar, antes de mais, os dois agravos.
O agravo de fls. 218: 2.1.
Começando pela questão da legitimidade processual do A. – ou seja, do Liquidatário Judicial da Massa Falida de “A...” –, cumpre sublinhar que esta questão, não tendo sido resolvida em concreto pelo Despacho Saneador, que se limitou a uma referência genérica não direccionada sequer à legitimidade, não se tornou indiscutível dentro do processo, não assumindo a natureza de caso julgado formal, como decorre do disposto no artigo 510º, nº 3 do CPC [11]. E esta constatação vale, não obstante no Despacho de fls. 730, proferido já após o encerramento da discussão da causa, ter sido tratada especificamente tal questão. De facto, uma apreciação tão tardia e desfasada da normal sequência processual, não pode deixar de ser encarada em termos de deixar essa questão da legitimidade tão ausente quanto o estava no saneador de fls. 208. Cumpre, pois, apreciar a mencionada excepção de ilegitimidade do A., enquanto detentor da qualidade pessoal de Liquidatário Judicial da Massa Falida aqui em causa.
Como vimos, assenta a argumentação das Agravantes A... e B... no sentido da ilegitimidade do A., na circunstância de a acção ter sido proposta pelo Liquidatário Judicial em nome próprio, e não como representante da Massa Falida. Sucede, porém, que o Liquidatário, tratando-se aqui de uma impugnação pauliana apensa à falência, está pessoalmente legitimado para a propositura – sublinha-se, ele próprio – da acção com tal objecto, isto nos termos...
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