Acórdão nº 262/06 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Julho de 2006

Data20 Julho 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juizes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra: I- RELATÓRIO 1.

A...

instaurou contra Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de B...

, representada pelos seus únicos e universais herdeiros C...

e Outros, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum[ Proc. nº 424/04.4TAAGD da Secção Única do Tribunal de Trabalho de Águeda ], pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 46 969,99, acrescida de juros vincendos à taxa legal de 4% ao ano que se vencerem desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Estriba a sua pretensão, em resumo, no facto de ter sido admitida ao serviço de B..., em 21.08.78, mediante contrato que caracteriza como de serviço doméstico, o qual cessou por caducidade com a morte deste em 19.07.2003.

Considera-se credora daquela importância global, a titulo de indemnização por férias não gozadas, férias e subsidio de férias não pagos, férias, subsidio de férias vencidos e não pagos, bem como os proporcionais a este titulo, retribuição de trabalho prestado em dias feriados e de descanso semanal, compensação por caducidade. Engloba ainda naquela verba o montante de € 31 416,29, a titulo de diferenças salariais daquilo que efectivamente lhe foi pago entre os anos de 1985 e o fim do contrato e aquilo que deveria ter recebido, o salário mínimo nacional em vigor, já que as refeições e o alojamento não faziam parte integrante da sua retribuição.

Contestaram os RR. C... e Outros, em representação da Herança aberta por óbito de B..., pedindo que a R. seja condenada como litigante de má fé.

Começaram por deduzir a excepção de incompetência em razão da matéria, invocando que não estamos perante um contrato de trabalho mas antes perante um contrato de prestação de serviços.

Depois impugnam a generalidade dos factos alegados pela A e insistem na alegação de que o contrato celebrado entre a A e o falecido era um contrato de prestação de serviços e que, a não se entender assim, é de considerar que a A, desde Junho de 1985, e por força do contrato passou a tomar as suas refeições e a dormir em casa do falecido, fazendo assim parte integrante da sua retribuição quer a alimentação quer o alojamento.

Concluem, finalmente, que o falecido sempre pagou, ao longo dos anos, a retribuição e demais créditos da A.

Na réplica a A. pugna pela improcedência das excepções deduzidas, quer a da incompetência material quer a excepção material do pagamento.

  1. Prosseguindo o processo os seus regulares termos, nomeadamente com despacho saneador que julgou improcedente a excepção dilatória de incompetência material, veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou “os réus, na qualidade de únicos e universais herdeiros da herança aberta por óbito de B..., a pagar à autora a quantia global de € 8 794,95 euros ...” 3. É desta decisão que, inconformados, os RR. vêem apelar, pretendo a alteração ou correcção da sentença, considerando-se o alojamento como retribuição e a ora recorrente a não ser obrigada a pagar o valor correspondente a tal alojamento, computado no montante de € 6 822,72.

    Alegando, concluem: O Código do Trabalho, como toda a legislação que ele revogou considera como retribuição (artigo 249° do Código do Trabalho) - “aquilo que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho”.

    E para melhor delimitação do conceito consagra o n°3 do mesmo artigo que - até prova em contrário, presume constituir retribuição toda e qualquer, prestação do empregador ao trabalhador’.

    Ora, sendo o contrato de serviço doméstico, também, um contrato sinalagmático e de carácter intuitus personae”, não colhe a teoria vertida na douta sentença recorrida de que a trabalhadora usufruía de alojamento em casa da entidade patronal por conveniência deste, porquanto: 1. O facto de a empregada doméstica ter instalações de alojamento na casa do empregador, implica para este, desde logo, uma limitação do direito de propriedade, pelo direito de uso que o empregado possa ter sobre as instalações que lhe estão reservadas.

  2. O empregador ao ceder instalações para alojamento da trabalhadora (quando mobiladas e com instalações sanitárias como era o caso) passa também a ter os gastos inerentes a essa cedência e seu uso, nomeadamente: - fornecimento de água quente e electricidade - fornecimento de consumíveis ( papel higiénico. etc.) - fornecimento de roupas de cama, lençóis, toalhas, etc.

    -manutenção das instalações em estado habitável 3. A vida social e familiar do empregador fica condicionada ao facto de uma pessoa extra familiar estar aí alojada, com a consequente falta de privacidade, nomeadamente dos filhos e netos do empregador que com a Autora não têm confiança.

  3. A própria Autora retira do facto de estar alojada na casa do empregador inegáveis vantagens, nomeadamente e desde logo: a) pela qualidade e comodidade do alojamento que lhe é fornecido pelo empregador b) pelo que deixa de consumir na sua própria habitação (água, electricidade. telefone, etc.) c) pelo facto de, com frio e com chuva, de noite e sozinha, não ter de se deslocar entre a sua casa e a habitação do empregador Os factos provados nos pontos 31, 32, e 33, apelando a este conceito de retribuição, não nos deixariam qualificar o alojamento, senão como retribuição Bem decidiu a Relação de Évora ( Ac. RE de 05.02.2002, CJ 2002, 1º, 289) quando refere que — “Não tem direito a diferenças salariais a empregada de serviço doméstico, que, habitando em casa fornecida pelos empregadores e pagando estes as despesas da habitação, incluindo água, luz, telefone, e, ainda, as despesas com produtos para a horta e criação de animais, auferia uma remuneração mensal e compreendida dentro dos 50% da retribuição mínima mensal garantida...

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