Acórdão nº 1868/06 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Julho de 2006

Magistrado ResponsávelH
Data da Resolução11 de Julho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: A...

, viúva, residente na Rua General Humberto Delgado, Ribeira de Frades, Coimbra, propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra B..

. e esposa, C...

, residentes em Miranda do Corvo, pedindo que, na sua procedência, seja revogada a procuração outorgada pela autora, a favor do réu marido, cancelado o registo de hipoteca, a favor dos réus, sobre o prédio descrito, e declarada perdida, a favor da autora, a quantia recebida como sinal, no montante de 49879,79€, alegando, para o efeito, e, em síntese, que, em 2 de Julho de 2001, a autora subscreveu um documento de confissão de dívida, nos termos do qual se considerava devedora, para com o réu marido, da quantia total de 112.229,52€, sendo certo que, apesar dessa declaração, apenas recebeu o montante de 49879,79€, obrigando-se o réu a destinar o restante, no quantitativo de 42397,82€, para entrega na Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra (CCAM), com vista ao pagamento de uma dívida de e sua ex-mulher a essa instituição, e 19951,92€, para entrega à autora, na data da outorga da escritura pública de hipoteca do prédio que, na mesma data, foi objecto de contrato promessa com vista a garantir o valor da confissão de dívida ao ora réu.

Prossegue a autora, alegando que, com a promessa de constituição de hipoteca, constituiu o réu como seu procurador, conferindo-lhe os poderes necessários para, em nome dela e a seu favor, constituir hipoteca sobre o prédio, para garantia do empréstimo, sendo certo, porém, que este não efectuou o pagamento da dívida à CCAM, como, também, não entregou à autora o valor do remanescente a que se obrigara.

Ora, o réu, munido da procuração, registou a seu favor a hipoteca do imóvel, vindo, no processo de execução instaurado pela CCAM, a reclamar um crédito, no montante da suposta dívida, não tendo, contudo, cumprido a promessa de mútuo, o que confere à autora o direito a fazer sua a quantia que recebeu, a título de sinal.

Na contestação, os réus alegam, além do mais, que o débito do réu para com a autora é de apenas 49879,79€, quantia esta que o réu marido pagou, acrescentando que, depois de um longo processo negocial com a CCAM, quando se aprestava para pagar a dívida, foi surpreendido pela informação de que um terceiro, em nome da autora, liquidara aquilo que o réu estava para pagar, acompanhando o réu o desenvolvimento da execução, inexistindo, assim, qualquer risco de venda do bem penhorado, tendo a autora dito ao réu para fazer a escritura, quando quisesse, pois que tinha procuração para o efeito.

O réu pagou ainda, por conta do devido à autora, para além dos 49879,79€, mais 11420,81€, tendo cumprido os pagamentos, propondo-se satisfazer o restante, não fora a autora ter entrado, injustificadamente, em litígio consigo.

A reclamação de créditos, na acção executiva, ocorreu por mera cautela, com a concordância da autora, para evitar que outros credores pudessem colocar-se à frente do réu.

Que a procuração já cumpriu o seu fim, não se entendendo qual o efeito útil pretendido, tendo sido a autora quem impediu o réu de cumprir o prometido, concluindo no sentido da improcedência da acção.

A sentença julgou a acção, improcedente por não provada e, em consequência, absolveu os réus do pedido.

Desta sentença, a autora interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com o pedido da sua revogação, formulando as seguintes conclusões: 1ª – Não se conformando a ora apelante com a estrutura decisória ínsita na sentença de mérito proferida nos presentes autos, 2ª - Interpôs recurso ordinário de apelação à luz do comando normativo circunscrito no artigo 691°/1 do Código de Processo Civil (CPC).

  1. - Considera a ora apelante que o douto Tribunal a quo, ao decidir-se pela improcedência da acção, absolvendo os réus do pedido, não relevou convenientemente quer a dinâmica dos factos dados como provados, quer ainda o sistema jurídico enquanto complexo de normas, valores e princípios.

  2. - Temos de afirmar, em conformidade com o lastro doutrinal em matéria processual civil elaborado pelo conceituado autor Crisanto Mandriou, Corso di Diritto Processuale Civile, II, 1997, pág. 359 que estamos perante uma decisão injusta, uma vez que há na sentença ora recorrida uma referência inexacta dos factos ao direito.

  3. - Atenta a dinâmica factual do caso sub iudice considerou o Tribunal que o acordo firmado a 2 de Julho de 2001 consubstanciava "um contrato final, definitivo (misto de mútuo e de obrigação por parte do réu de pagamento de quantia a terceiros)". Porém, salvo o devido respeito, 6ª - Considera a ora apelante que esta tese é, atenta a moldura fáctica que informa o presente caso, insustentável. Isto porque, 7ª - No caso em apreço não estamos perante um só negócio jurídico, cujos elementos essenciais respeitam a tipos contratuais diferentes, mas face 8ª - A uma verdadeira e insofismável união ou coligação de contratos.

  4. - Como ensina o autor Ennecerus kipp Wolf, Tratado II, págs. 7 a 18 "Na união há uma pluralidade de contratos, mantendo cada negócio a sua autonomia".

  5. - A doutrina de João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, Vol. I, 10.a Edição, Almedina, pág. 282, de acordo com a qual "A união ou coligação de contratos trata de dois ou mais contratos que, sem perda da sua individualidade, se acham ligados entre si por certo nexo".

  6. - Esclarece este Autor, ob. citação, págs. 282 e 283 que o nexo que preside a muitos desses contratos é um nexo funcional: “trata-se de um vínculo substancial que pode alterar o regime normal de um dos contratos ou de ambos, por virtude da relação de interdependência que eventualmente se crie entre eles".

  7. - Dilucida o mesmo autor, ob. citação, pág. 283 que "A relação de dependência (bilateral ou unilateral) assim criada entre dois ou mais contratos pode revestir as mais variadas formas. Pode um dos contratos funcionar como condição, contraprestação ou motivo do outro; pode a opção por um ou outro estar dependente da verificação da mesma condição; muitas vezes constituirá um deles a base negocial do outro (cfr. arts. 252°/2 e 1437°,1), etc.

  8. - Os contratos celebrados entre a ora apelante e apelado porquanto à sua função económica, porquanto aos seus sujeitos, porquanto às suas vicissitudes, estão indissoluvelmente ligados, reflectindo-se a vigência de um na vigência do outro.

  9. - Parece indefectível que entre a ora apelante e o apelado se terá, desde logo, realizado um contrato de mútuo tal como o mesmo é configurado pelo artº 1045º, do CC, mas com a obrigação do réu de pagamento de quantia a terceiros.

  10. - Não podemos ignorar que ao lado do mencionado contrato de mútuo coabita um contrato-promessa de hipoteca sobre o prédio urbano sito em Outeiro de Cima, freguesia de Ribeira de Frades, concelho de Coimbra, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia de Ribeira de Frades sob o art. 601 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coimbra sob o n°688/19960411 da dita freguesia de Ribeira de Frades, propriedade da ora apelante.

  11. - Como se depreende do acordo firmado a 2 de Julho de 2001 tal contrato-promessa de hipoteca destinar-se-ia a garantir o valor do mencionado contrato de mútuo cuja clausula acessória, relembramos, consistia na entrega pelo ora apelado de parte da coisa mutuada (€42.397.821 à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra, instituição bancária perante a qual existia uma dívida em nome de D... e ex-mulher, E..., dívida essa garantida por hipoteca voluntária sobre o prédio urbano melhor descrito supra.

  12. - Não é pois de estranhar que, como se lê no referido acordo junto aos autos, só após o pagamento da dívida à citada Instituição Bancária podia o ora apelado outorgar a escritura de hipoteca sobre o mencionado prédio urbano.

  13. - Foi ainda celebrado um contrato de mandato nos termos do artigo 1770º do Código Civil (CC), através do qual a apelante constitui o ora apelado seu procurador para, em seu nome, constituir hipoteca sobre o imóvel referido.

  14. - Não podemos ignorar, e perfilhando as eloquentes palavras de Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, 1995, pág. 219 que "na base de todos estes contratos reside um nexo de carácter funcional que desempenha um papel tal que lhe podem ser imputados efeitos ou consequências jurídicas novas e diferentes que são próprias de cada um dos contratos unidos entre si, postulando a necessidade para as partes de recorrer à vinculação para alcançarem o efeito pretendido".

  15. - No caso dos autos, o apelado não só não efectuou o pagamento da dívida à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo (Cfr. ponto 10 dos factos dados como provados), como ainda, munido da procuração que a apelante lhe outorgara, registou a seu favor a de sua mulher a hipoteca do imóvel propriedade da autora (Cfr. ponto 5 dos factos dados como provados).

  16. - Não tendo sido paga a dívida, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Coimbra fez prosseguir a execução para pagamento da mesma (cfr. ponto 6 dos factos dados como provados).

  17. - E foi também no âmbito dessa execução que surpreendentemente veio o ora apelado com base na hipoteca entretanto constituída sobre o prédio da ora apelada reclamar créditos (cfr. ponto 8 dos factos dados como provados).

  18. - E tendo em conta o nexo funcional que ligava todos aqueles contratos, nunca o ora apelado deveria ter celebrado o contrato de hipoteca sem antes ter efectuado o pagamento da dívida junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, configurando esta conduta um exemplo clássico não só de má-fé como ainda de abuso de direito.

  19. - Atenta a moldura fáctica que informa o caso sub iudice e não tendo o ora apelado procedido ao pagamento da divida exequenda junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, afigura-se claramente contrário aos ditames da lealdade e probidade não...

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