Acórdão nº 332/10.0 GCPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelBR
Data da Resolução04 de Maio de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório. 1.1. O arguido RP...

, já mais devidamente identificado, depois de submetido a julgamento, sob a aludida forma de processo comum singular, e porquanto acusado pelo Ministério Público da prática de factualidade indiciadora do cometimento, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido através das disposições conjugadas dos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, acabou condenado por tal autoria na pena principal de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), bem como, ainda, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados durante o período de 18 (dezoito) meses.

1.2. Inconformado com a decisão referida, dela recorre o arguido o qual rematou a motivação do requerimento de interposição respectivo, com a formulação das seguintes conclusões: 1.2.1. O Tribunal a quo validou a recolha de sangue e subsequente relatório pericial da mesma, a qual foi obtida ilegalmente.

1.2.2 É proibida e consequentemente nula a recolha de sangue efectuada ao arguido no Hospital de Pombal, para efeitos de determinação da taxa de álcool no sangue do arguido.

1.2.3. O arguido sabia que quem intervém num acidente de viação é sujeito a exame para pesquisa de álcool, a que ele foi sujeito.

1.2.4. Pelas regras da experiência comum seria muito improvável que o arguido soubesse que lhe havia sido efectuada a dita recolha de sangue para efeitos de determinação da taxa de álcool.

1.2.5. Da prova produzida resultou que não se verificou qualquer impossibilidade de o arguido ser sujeito ao exame de pesquisa do álcool no ar expirado, o que lhe foi feito no Hospital.

1.2.6. Não se pode afirmar que o arguido se conformou com a recolha ou a tenha permitido tacitamente, porque nem sabia que lhe tinha sido colhido sangue.

1.2.7. O arguido não tinha perante si toda a informação para poder concluir que estava a ser realizada uma recolha de sangue apenas e exclusivamente para fins de detecção do teor de álcool no sangue.

1.2.8. A lei processual penal considera nulas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa à integridade ou moral da pessoa.

1.2.9. Em direito processual apenas são admissíveis as provas que não sejam proibidas por lei (artigo 125.º, do Código de Processo Penal).

1.2.10. Os métodos proibidos de prova estão previstos no artigo 126.º do mesmo diploma.

1.2.11. A recolha de sangue para exame como procedimento de prova, implica necessariamente uma violação da integridade física da pessoa.

1.2.12. A recolha de sangue para efeitos de determinação da taxa de álcool, não tem objectivo terapêutico, razão pela qual tem que ser consentida pelo arguido, e se assim não for, a recolha é proibida, e consequentemente é nula a prova obtida e a sua valoração para condenação de um arguido é inconstitucional.

1.2.13. O exame de álcool através de colheita de sangue encontra fundamentação legal nos artigos 152.º, 153.º e 156.º, todos do Código da Estrada.

1.2.14. Daqueles normativos resulta que aparentemente, nada obsta à recolha de sangue para efeitos de determinação do grau de alcoolemia.

1.2.15. Porém, foi recentemente sufragado em Acórdão da Relação do Porto, publicado no site www.dgsi.pt que “ I – Para o suprimento do direito de o condutor/sinistrado poder livremente recusar a colheita de sangue para efeitos de análise ao grau de alcoolemia do condutor, na medida em que esta alteração legislativa tem um conteúdo inovatório, necessitava o legislador governamental da autorização legislativa, pois que a decisão normativa primária cabia à Assembleia da República, por força da alínea c) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP. II – A colheita de sangue para aqueles fins, ao abrigo dos actuais artigos 152.º, n.º 3; 153.º, n.º 8 e 156.º, n.º 2, todos do Código da Estrada, na redacção dada pelo DL 44/2005, de 23 de Fevereiro – sendo este último preceito já desde a redacção dada pelo DL 265-A/2001, de 28 de Setembro – sem possibilitar ao condutor a sua recusa, está ferida de inconstitucionalidade orgânica.” 1.2.16. Portanto, a inconstitucionalidade a que se refere o acórdão supra referido advém do facto das normas aí indicadas, mostrando-se inovadoras, ao não possibilitarem ao condutor a recusa, provirem de órgão sem competência constitucional para produzir tal normatividade.

1.2.17. A diferença relevante para efeitos constitucionais (ou de inconstitucionalidade) decorre do facto de a citada alteração legislativa deixar de prever a possibilidade do condutor recusar a colheita de amostra de sangue para a realização de exame para apurar a taxa de álcool.

1.2.18. O mencionado Acórdão incidia sobre a seguinte situação: recolha de amostra de sangue para análise, a condutor sinistrado, transportado a estabelecimento de saúde, ao qual foi diagnosticado a impossibilidade de realizar teste de álcool por ar expirado, o qual se encontrava consciente, mas que não foi informado da colheita, nem lhe foi solicitado qualquer consentimento para a sua recolha.

1.2.19. Concluiu tal aresto que a retirada do direito de o arguido poder recusar a colheita de sangue, padece de inconstitucionalidade orgânica e desse modo, o arguido podia ter recusado expressamente essa colheita, sem que praticasse qualquer crime de desobediência.

1.2.20. Considerou ainda que, para que o arguido pudesse recusar a colheita de sangue ou para se entender que o mesmo consentiu em tal recolha, o arguido tinha que saber, estar informado do fim a que se destinava tal colheita.

1.2.21. Tanto mais que é normal experiência e prática hospitalar, que em situações de internamento em consequência de acidentes, retirar sangue ao doente para efeitos de diagnóstico.

1.2.22. Acrescentou ainda que qualquer condutor ao ser submetido ao teste de pesquisa de álcool por ar expirado sabe perfeitamente a que se destina tal exame, o mesmo não se pode dizer quando se está internado num hospital e é feita uma colheita de sangue ao sinistrado. O sinistrado é um doente e é nessa qualidade que se deve presumir qualquer consentimento seu, ainda que tácito, quanto aos actos médicos.

1.2.23. E, como tal, tratando-se de um acto que viola a integridade física e tem como objectivo uma eventual incriminação do sinistrado, entenderam que o doente tem que estar devidamente esclarecido do fim a que se destina a recolha de sangue.

1.2.24. O arguido insurge-se ainda contra a decisão proferida da matéria de facto provada e na insuficiência para a decisão para a matéria de facto provada, a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal.

1.2.25. Era importante que o Tribunal a quo tivesse dado como provado ou não provado que o arguido havia sido informado da finalidade da recolha de sangue.

1.2.26. O Tribunal a quo para determinar a taxa de álcool no sangue do arguido baseou-se no exame pericial de fls. 20, sendo certo que a julgar-se procedente a alegada invalidade da prova de recolha de sangue, sobrevirá a invocada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

1.2.27. Sem a admissão e validação da recolha de sangue, não se poderiam dar como provados factos que serviram de base e fundamentação à condenação do ora recorrente.

1.2.28. Atenta a nulidade invocada, jamais se poderia dar como provado que o arguido apresentava a taxa de álcool no sangue de 2,26 gr/l.

1.2.29. Também não podia dar-se como provado que no momento do acidente viação/despiste, o arguido apresentava a mencionada taxa de álcool, uma vez que no local do acidente não foi realizado qualquer teste de álcool ao arguido, o que pode verificar-se no depoimento auto de notícia fls. 19.

1.2.30. Os factos provados a que se referem os pontos 2., 3. e 4. da sentença recorrida resultaram provados apenas pelas regras da experiência comum, da qual se socorreu o Tribunal, inexistindo qualquer outro elemento de prova que confirme que o arguido conduzia de forma imprudente, desatenta e descuidada, não estando em condições de conduzir por ter ingerido bebidas alcoólicas, razão pela qual devem tais factos ser dados como não provados.

1.2.31. Ao aceitar a admissibilidade da prova obtida através de recolha e análise de sangue ao arguido, que estava consciente, sem que lhe tivesse sido dado conhecimento e sem a sua autorização, o Tribunal violou igualmente o princípio da presunção de inocência e do contraditório e o princípio in dúbio pro reo.

1.2.32. A invalidade da prova de recolha de sangue a ser considerada, iria suscitar dúvidas sérias sobre a prática do crime em causa pelo arguido, desde logo porque nenhuma outra a confirma, porém, o tribunal a quo não lhe atribuiu qualquer relevância.

1.2.33. Impunha-se ao Tribunal a quo a aplicação ao caso presente do mencionado princípio in dúbio pro reo.

Terminou pedindo que seja declarada a nulidade da sentença prolatada pois que assente em prova ilegal e, em tal decorrência, alterando-se o acervo fáctico nos termos invocados, se determine a absolvição do arguido pela prática dos factos de que vinha acusado e por cuja autoria acabou condenado.

1.3. Cumprido o disposto pelo artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, seguiu-se resposta do Ministério Público pugnando pela manutenção do decidido e, logo, pelo improvimento do recurso.

1.4. Proferido despacho admitindo-o, foram os autos remetidos a esta instância.

1.5. Aqui, com vista respectiva, nos termos do artigo 416.º, do Código de Processo Penal, o Ex.mo Procurador-geral Adjunto emitiu parecer conducente a idêntica manutenção do veredicto da 1.ª instância.

Dado acatamento ao estatuído no n.º 2 do subsequente artigo 417.º, o arguido não respondeu.

1.6. Por sua vez, no exame preliminar a que alude o n.º 6 deste mesmo inciso, consignou-se não ocorrerem pressupostos determinantes à apreciação sumária do recurso, além de nada obstar ao seu conhecimento de meritis.

Daí que fosse ordenado o respectivo prosseguimento, com recolha de vistos e submissão à presente conferência.

Urge, pois, ponderar e decidir.

* II – Fundamentação...

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