Acórdão nº 70/05.5IDAVR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Março de 2011

Magistrado ResponsávelÉLIA SÃO PEDRO
Data da Resolução23 de Março de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal 70/05.5IDAVR.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1.

Relatório O Ministério Público junto do Tribunal Judicial de Castelo de Paiva, inconformado com o despacho proferido na acta de audiência de julgamento de 29/09/2010, que (conhecendo de “questão prévia”) declarou extinto o procedimento criminal contra todos os arguidos nestes autos, recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1. Vem o presente recurso interposto da decisão judicial, lavrada em acta, a qual e como questão prévia e que antecedeu o julgamento, ordenou o arquivamento dos autos quanto a todos os arguidos, por si e em representação das sociedades que legalmente representavam e pelo cometimento do crime de fraude fiscal qualificada da previsão do art. 104°, n.º1 als. a) e e) e n.º 2, do RGIT, por cuja prática estavam acusados, por se entender que as condutas destes arguidos foram descriminalizadas, com a consequente declaração de extinção do procedimento criminal; 2. Em virtude de entender que o art. 103°, n.º 2 do RGIT, face à redacção dada pela Lei n.º 60-A/2005 de 30 de Dezembro, que atribuiu a não punição dos factos desde que a vantagem patrimonial ilegítima seja inferior a 15.000,00 euros e sendo a vantagem patrimonial um elemento típico deste crime fiscal, não deverá ser punível, mesmo na forma mais gravosa de fraude fiscal qualificada em face do disposto no art. 103°, n.º 3, do citado diploma; 3. A razão da nossa discordância prende-se com o facto de se tratar de crime agravado em relação àquele outro simples, porque ocorreu com uma conduta especialmente censurável, com recurso a facturação falsa, pelo que o disposto no art. 104° do RGIT não se submete a uma qualificação meramente de valor, como o entretanto previsto na lei da aprovação do OE, para o transacto ano de 2009; 4. Interpretação esta que se nos afigura ter sido a intenção do legislador, tanto mais que do ponto de vista literal e sistemático, não o referiu, bastando ter acrescentado uma alínea ou um novo número ao art. 103º do RGIT; 5. Tanto mais que e ainda que se possa considerar a vantagem patrimonial um elemento típico deste crime de fraude fiscal, a fixação de um determinado limite para a sua penalização terá de ser sempre entendida como uma condição objectiva de punibilidade; 6. Aliás, os crimes de fraude fiscal simples e qualificada, das previsões dos artigos 103° e 104° do RGIT comportam duas diferentes realidades, como se vem constatando em várias decisões dos tribunais superiores; 7. Por outro lado também se poderá constatar e como argumento de autoridade, o decidido superiormente em data recente, no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, a sublinhar a diferença entre: a conduta de comunicar a existência de negócio simulado; daqueloutra, de maior gravidade, de fabricar documentos para convencer que o negócio existiu; 8. Referindo-se também o último acórdão de fixação de jurisprudência com o nº. 8/2010, de 23 de Setembro, que uniformizou e quanto a este último tipo de ilicitude, ainda que baseando-se noutros valores de natureza penal, entendeu-se não relevar o critério do valor patrimonial; 9. Como fez este douto Tribunal recorrido, que violou, assim, o disposto nos arts. 104º, nº.1, als. a) e e) do RGIT e 103° deste mesmo diploma; 10. Decisão esta que deverá ser revogada, substituindo-se por uma outra que determine o prosseguimento dos autos, nesta parte e quanto a este tipo legal de crime, relativamente a todos os arguidos (singulares e colectivos), com a realização de audiência de julgamento.

O arguido B… respondeu à motivação do recurso interposto pelo MP, concluindo (transcrição): O Douto Despacho recorrido, proferido pelo Tribunal recorrido, não merece qualquer censura, porquanto: A) Se verifica a falta de um dos requisitos exigidos no ilícito criminal pelo qual os Arguidos estão acusados; B) Que implica a descriminalização das suas condutas; C) Considerando o teor da Acusação Pública, ressalta que as alegadas vantagens patrimoniais ilegítimas no caso dos Autos se cifram em montantes sempre inferiores a €15.000,00 (quinze mil euros).

D) É patente que as prestações em causa, respectivamente de €5.635,00 (IRC: 2002/2003), €3.339,89 (IVA: 4.º trimestre 2002) e de €14.373,00 (IVA: 3.º trimestre 2003), por reporte a cada uma das respectivas referidas declarações a apresentar à administração tributária, são de montante inferior a €15.000,00; E) Pelo que dúvidas não há que não está verificado, no caso dos Autos, o requisito da vantagem patrimonial ilegítima ser de valor pelo menos igual a €. 15.000,00, que pressupõe o crime de fraude qualificada; F) Claro que se pode colocar a questão de saber se a punição da fraude qualificada depende, como a fraude simples, de a vantagem patrimonial ilegítima ser de valor pelo menos igual a €. 15.000,00; G) O artigo 104º do RGIT nada refere a este respeito; H) Sendo certo que, modestamente, entendemos que o legislador quis manter a exigência do valor mínimo de vantagem patrimonial ilegítima para a fraude qualificada; I) Pois que, se não o quisesse, em vez da expressão "factos previstos no artigo anterior", o Legislador teria escrito no n.º 1 do Art.º 104.º do RGIT "factos previstos no número um do artigo anterior"; J) Perfilha o Recorrido, humildemente, a melhor orientação doutrinária existente a propósito de tal matéria; K) Nomeadamente a orientação explanada por Isabel Marques da Silva (in Regime das Infracções Tributárias", Cadernos IDEFF, n.º 5, Almedina, Ed. 2006, p. 156); L) Considerando que a exigência do valor mínimo de vantagem patrimonial ilegítima decorre da própria definição do crime como de "fraude qualificada", isto é, como mera qualificação do crime fiscal base de fraude, exigindo pois a verificação de todos os elementos essenciais deste e ainda de circunstâncias especiais (cfr. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral II, Teoria do Crime, p. 227 e 228), que têm por efeito a agravação da penalidade aplicável; M) Portanto, para existir crime de "fraude qualificada" devem estar, primeiramente, preenchidos todos os elementos do crime de "fraude simples", incluindo a exigência da vantagem patrimonial ilegítima ser de valor pelo menos igual a €. 15.000,00; N) A verificação do crime de fraude fiscal qualificada depende, primeiramente, do preenchimento de todos os elementos do crime de fraude fiscal simples, incluindo o da obtenção de vantagem patrimonial ilegítima de valor superior a €15.000,00; O) O que não sucede no presente caso, dado que as alegadas vantagens patrimoniais ilegítimas foram de montante inferior a €15.000,00, por reporte às respectivas declarações a apresentar à administração tributária.

P) Reiterando-se que não está previsto o requisito da vantagem patrimonial ilegítima ser de valor pelo menos igual a eis. 000, 00, que pressupõe o crime de fraude qualificada.

Q) Assim, atenta a falta de um dos requisitos exigidos no ilícito criminal pelo qual os Arguidos estão acusados, que implica a descriminalização das suas condutas, impunha-se declarar extinto o procedimento criminal contra o aqui Recorrido e contra os demais Arguidos; R) Como muito bem fez o Tribunal recorrido; S) Por todo o exposto, não há que censurar o Douto Despacho proferido pelo Tribunal recorrido, não se mostrando violados os normativos legais invocados no Recurso em apreço; T) Devendo improceder o presente Recurso, mantendo-se a Decisão recorrida.

Nesta Relação, o Ex.º Procurador-geral-adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2 do CPP, não houve resposta.

Colhidos os vistos, foi processo submetido à conferência, para julgamento.

  1. Fundamentação 2.1 Matéria de facto Com interesse para o julgamento do presente recurso, consideramos relevantes os seguintes factos e ocorrências processuais: a) Em 15/12/2009 o MP deduziu acusação contra os arguidos neste processo, imputando-lhes: “1. B…, C… e E…, na qualidade de legais representantes da firma “F…, Lda.” e enquanto utilizadores, em co-autoria material e na forma consumada, a prática de um crime de fraude fiscal qualificada, da previsão dos art. 104º, n.º1 als. a) e e) e n.º 2 da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, atento o Acórdão n.º 3/2003, de 7 de Maio, in DR nº.157, I-A Série, de 10 de Julho, com referência ao art. 26º do C. Penal; 2. G…, na qualidade de legal representante da empresa arguida “H…, Unipessoal Lda.” e enquanto emitente, em autoria material e na forma consumada, a prática de um crime de fraude fiscal...

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