Acórdão nº 250/09.4JALRA de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA PILAR DE OLIVEIRA
Data da Resolução17 de Novembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

S Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: CONFIRMADA Legislação Nacional: ARTIGOS 274º DO CP, 147º ,148º, 150ºDO CPP Sumário: 1. A prova por reconhecimento vem prevista nos artigos 147º e 148º do Código de Processo Penal, referindo-se ao reconhecimento de pessoas e de objectos, já não ao reconhecimento de locais e dificilmente se pode vislumbrar que as regras específicas desses reconhecimentos pudessem ser transponíveis para o reconhecimento de locais da prática de crimes, na medida em que supõem, o reconhecimento de pessoas que a pessoa a identificar esteja a par de outras pessoas e o de objectos, no caso de deixar dúvidas, a exibição de objectos semelhantes.

2. O "reconhecimento de locais de crime" apenas se pode assimilar ao meio de prova denominado de reconstituição do facto que supõe precisamente a reprodução do acontecido da forma mais fiel possível, o que obviamente impõe a deslocação ao local onde o acontecimento a reconstituir se deu (cfr. artigo 150º do Código de Processo Penal).

3. Ainda que o respectivo auto tenha sido lavrado posteriormente, o momento a considerar para a prática do acto é aquele em que efectivamente foi praticado e não o momento em que foi objecto de formalização escrita através de auto.

4. Na medida em que supõe uma participação activa do arguido na reconstrução do ilícito, passa ser um facere que pode contrariar o privilégio contra a auto-incriminação, sendo certo que o mesmo se encontra na sua inteira disponibilidade.

5. No crime continuado apenas estão em causa circunstâncias não comuns mas de ocorrência excepcional que compelem o agente à prática do crime e, como tal, tornam a sua acção menos culpável e não circunstâncias pessoais da vida do arguido e especialmente o estado de alcoolizado (situação em que se coloca voluntariamente) possa qualificar-se como situação exterior que compele à repetição do crime.

Decisão Texto Integral: I. Relatório Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo com o nº 250/09.4JALRA do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém, o arguido V...

, devidamente identificado nos autos, foi submetido a julgamento acusado da autoria, em concurso real, de: - Dez crimes de incêndio florestal, consumados, cada um deles p. e p. pelo artigo 274º, nº1 do Código Penal; - Dois crimes de incêndio florestal, consumados, cada um deles p. e p. pelo artigo 274º, nºs 1 e 2, al. a) do Código Penal; - Um crime de incêndio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 274º, nº1, 22º, nºs 1 e 2, al. b) e 23º, nº1, todos do CP.

O ofendido J... deduziu pedido de indemnização contra o arguido, pedindo que o mesmo seja condenado a ressarci-lo dos prejuízos que lhe casou com o incêndio que ateou na sua propriedade e que estimou em 750,00 euros.

Por acórdão proferido em 19 de Julho de 2010 foi decidido, no que respeita à instância criminal, condenar o arguido V..., como autor material, em concurso real, de: - Um crime de incêndio florestal p. e p. pelo artigo 274º nº 1do Código Penal, com referência aos factos de dia 20 de Julho de 2008, descritos em 1. a 7., na pena de dezoito meses de prisão; - Um crime de incêndio florestal, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 274º nº 1; 22º; 23º e 73º do Código Penal, com referência aos factos de 3 de Agosto de 2008, descritos em 8. a 24., na pena de um ano de prisão; - Um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274º nº 1 do Código Penal, com referência ao incêndio de 12 de Julho de 2009, no Casal Castanheiro, a que se referem os pontos 25. a 35., da matéria de facto provada, na pena de um ano e três meses de prisão; - Um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nº 1 do Código Penal, com referência ao incêndio de 12 de Julho de 2009, no Casal Matos e Calços, a que se referem os pontos 36. a 42., na pena de um ano e três meses de prisão; - Um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nº 1 do Código Penal, com referência ao incêndio de 13 de Julho de 2009, em Valados Coroados, Seiça, a que se referem os pontos 43. a 51., na pena um ano e dez meses de prisão; - Um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nºs 1 e 2 al. a) do Código Penal, com referência ao incêndio de 13 de Julho de 2009, nas Louças, a que se referem os pontos 52. a 88., na pena de quatro anos e nove meses de prisão; - Um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274º nº 1 do Código Penal, com referência ao incêndio de 15 de Julho de 2009, em Coroados e Casal Touro, a que se referem os pontos 89. a 96., na pena de dois anos e quatro meses de prisão.

- Em cúmulo jurídico destas penas, condenam o mesmo arguido, na pena única de nove anos de prisão.

Inconformado, recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: DA MATÉRIA DE FACTO: 1º A matéria de facto constante dos pontos 1 a 6; 8 a 20 e 24; 25 a 29; 36 a 39; 43 a 48; 52 a 61 e 68, 74,76,78 e 81; 89 a 94, dos factos provados foi incorrectamente julgada como provada.

  1. Com efeito, nenhuma das testemunhas inquiridas declarou que viu o ora recorrente a atear os incêndios que lhe são imputados.

  2. A convicção do Tribunal a quo assentou, essencialmente no "Auto de reconhecimento de locais de incêndios florestais" de fls 19 e ss, no "Relato de diligência externd' de fls 401 e ss, no "Relato de diligência externd' de fls 414 e ss e no depoimento das testemunhas que elaboraram e participaram na elaboração destes autos.

  3. Considera o recorrente que os supra referidos autos de fotografias não são autos de reconstituição dos factos, mas sim meros reconhecimentos dos locais onde o arguido cometeu os crimes de incêndio.

  4. Tais autos configuram uma mera visita guiada do arguido aos locais dos crimes, uma confissão da autoria dos factos efectuada, in loco, uma confissão ilustrada protagonizada pelo arguido no local, em vez de a mesma ter sido efectuada nos gabinetes da polícia judiciária.

  5. Tais autos não podiam ter sido lidos em sede de audiência, uma vez que o arguido se recusou a prestar declarações na mesma 7º Também não podiam ter sido inquiridos sobre o conteúdo daqueles autos de reconhecimento, os inspectores da Polícia Judiciária que participaram na sua recolha.

  6. Acresce que, a diligência efectuada em 16 de Julho de 2009 (fls 19 a 28 dos autos) padece ainda de outro vício que a impede de ser valorada pelo Tribunal a quo.

  7. Com efeito, de acordo com o depoimento das testemunhas P... e C..., quando o arguido é abordado no dia 16 de Julho de 2009, já havia fundada suspeita de que tivesse sido o autor dos crimes.

  8. Mais estas duas testemunhas asseveraram que o arguido foi verbalmente constituído arguido imediatamente antes da diligência de reconhecimento dos locais de incêndio, tendo-lhe sido transmitida "a situação de que ele era suspeito" e ''foram lidos os direitos" e mais tarde é que foi formalizado o auto de constituição de arguido.

  9. Ora, depois de surgir a fundada suspeita de que determinado indivíduo foi o autor de um crime, para que o mesmo possa validamente prestar declarações, formais ou informais, é necessária a imediata constituição como arguido no processo, cumprindo as formalidades previstas no mencionado nº 2 do art. 58°.

  10. Não tendo tais formalidades sido inteiramente cumpridas não podia o Tribunal a quo ter valorado o auto de reconhecimento do locais de incêndios.

  11. E, também os depoimentos daquelas duas testemunhas, quanto às declarações prestadas pelo arguido, durante aquela diligência, não podiam ter sido valorados para efeitos de condenar o arguido.

  12. O mesmo sucede quanto ao relato de diligência externa de fls. 400 e seguintes.

  13. No termo de consentimento referente a esta diligência refere-se que "neste acto, foi-lhe dito que se deve considerar arguido nos autos, tendo o mesmo dito que prescindia da presença de defensor".

  14. Contudo nada se refere quanto à leitura ao arguido, dos seus direitos e deveres processuais.

  15. Do depoimento das testemunhas que participaram nesta diligência, C... e L..., não resulta que tenham sido lidos ao arguido, os seus direitos e deveres processuais.

  16. Pelo contrário, a testemunha L... menciona que quando daquela diligência o ora recorrente ainda era suspeito.

  17. Contudo, no dizer destas duas testemunhas, já havia fundadas suspeitas de ter sido o arguido o autor dos crimes de incêndio.

  18. Assim, por força do disposto no art. 58°, nº 5 e dos nºs 7 e 8 do art. 356° do CPP, o auto diligência externa, bem como as declarações prestadas por estas duas testemunhas não podem ser validamente valoradas pelo Tribunal.

  19. Mais, nem sequer as declarações prestadas pela testemunha A... são suficientes para fundamentar uma decisão condenatória quanto ao crime de incêndio na forma tentada.

  20. Com efeito, apenas conseguiu identificar um indivíduo de calças cinzentas e um ciclomotor vermelho com as letras Stalkar.

  21. Ora, existem inúmeras calças cinzentas no mercado e as letras Stalkar referem-se ao modelo do ciclomotor, encontrando-se presentes em todos os exemplares da marca.

  22. Por outro lado, anote-se que, não obstante o arguido se encontrar na sala de audiências, esta testemunha não efectuou o reconhecimento do mesmo.

    Sem embargo, ainda que se entenda que foi efectuada prova bastante de que o arguido cometeu os crimes que constam da sentença, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que: DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA E DA MEDIDA DA PENA 25º Devia ter sido dado como provado o seu sincero arrependimento, em relação aos factos que lhe são imputados.

  23. Uma vez que do relatório pericial de 1487 e ss, resulta claramente que, no momento da entrevista mostra arrependimento quanto ao sucedido afirmando "Acho que fiz mal! Não devia ter jeito o que fiz: Nunca, mais faço", 27° A testemunha P... refere claramente que o arguido aquando do reconhecimento dos locais de incêndio, se mostrou arrependido, 28° E a actuação do arguido, ao indicar os locais de incêndio, participando activamente na investigação, segundo as regras da experiência comum, indica que o arguido está sinceramente...

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