Acórdão nº 2050/03 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Novembro de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDR. IN
Data da Resolução12 de Novembro de 2003
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Recurso n.º 2050/03-4 Processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 88/00.4GAOLR, do Tribunal Judicial da Comarca de Oleiros *** Acordam, em audiência, os juizes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra: No processo supra identificado, foi o arguido, BB julgado pela prática de quatro crimes de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 272.º, nº. 1, al. a), do Cód. Penal, tendo sido condenado, pelo acórdão de fls. 548 a 563, por três crimes dessa natureza, nas penas parcelares de prisão: de 3 anos e 4 meses; 3 anos e 2 meses e 3 anos e 6 meses.

Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 5 anos de prisão.

Do acórdão interpôs recurso o arguido, circunscrito à nulidade da valoração da prova, que assentou em declarações do arguido que em audiência se remeteu ao silêncio, pugnando assim pela sua absolvição e subsidiariamente, quando assim se não entender, ao reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art. 426.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal ou em último caso de condenação deverá haver subsunção dos factos à prática de um crime na forma continuada.

Conclusões da motivação do recorrente: 1.ª - O tribunal "a quo" assentou a decisão condenatória, como se refere expressamente na respectiva motivação do douto acórdão ora em recurso, na credibilidade que deu á versão das autoridades, ou seja, baseou a sua convicção unicamente nos depoimentos da testemunha Farinha, capitão da GNR, que, em conversa informal com o arguido, disse que este lhe confessou a autoria dos quatro incêndios, bem como o local e o modo como ateou os mesmos, tendo as testemunhas CC, soldados da GNR, referido que o DD lhes disse nessa altura que o arguido confessara a autoria dos mesmos.

  1. - Face a tal confissão informal, ou seja, fora de auto, o DD e as testemunhas CC, foram aos locais dos incêndios, tendo o arguido explicado a forma como fizera para atear os incêndios, referindo onde deixou o veiculo estacionado, até onde entrou na mata a pé e que acendia os incêndios com uma caixa de fósforos que trazia no bolso.

  2. - Entende o recorrente que o tribunal" a quo" não podia valorar o depoimento das referidas testemunhas, Farinha, capitão da GNR e CC, soldados da GNR, pois, relativamente á testemunha Farinha, capitão da GNR, temos que as declarações informais prestadas pelo arguido a tal testemunha, agente da autoridade o foram antes da sua constituição como arguido, pois, como resulta dos autos, só posteriormente a tais declarações e, inclusive, só posteriormente à ida aos locais dos incêndios e posteriormente a serem tiradas as fotografias de tis. 11 a 21 dos autos, o arguido foi constituído como tal. -Cfr., nomeadamente, fls. 3 e 9 dos autos.

  3. - De acordo com o preceituado no art. 59.°, n° 1 do CPP, se, durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido, a entidade que procede ao acto, suspende-o imediatamente e procede à comunicação e à indicação referidas no n.° 2 do art. 58.° do CPP, ou seja, procede-se à comunicação de que o inquirido passa a ser arguido.

  4. - Não tendo sido observado o n.° 1 do art. 59.° do CPP, então, as declarações do arguido prestadas antes de ser constituído como tal não podem ser usadas como prova contra si, por força do n.° 3, do art.59.°, que remete para o n.° 4 do art. 58.°, todos do CPP, quer se trate de declarações em auto, quer se trate, como foi o caso, em declarações informais, ou seja, fora de auto.

  5. - Acresce que, neste caso em concreto, antes de se deslocarem ao local onde ocorreram os incêndios com um fotógrafo e porque o então suspeito já se encontrava detido, igualmente sempre seria obrigatória, desde logo, a sua constituição como arguido, nos termos do disposto na alínea c) do n.° 1 do art. 58.° do CPP, razão pela qual as declarações aí prestadas pelo então suspeito e detido, nomeadamente, indicando os, locais onde ocorreram os incêndios e o modo como actuara, também não poderão ser usadas como prova contra si.

  6. - Pelas mesmas ordens de razões, relativamente às testemunhas CC. Soldados da GNR, igualmente as declarações por estes prestadas não poderão ser valoradas no sentido de se obter umas sentença condenatória, até porque, conforme resulta da respectiva motivação, estas testemunhas só referem que o DD lhes disse, na altura, que o arguido confessara a autoria de quatro incêndios, pois tais depoimentos sempre serão depoimentos indirectos e, portanto, não podem servir como meio de prova.

  7. - Sem prescindir do acima exposto, mesmo que assim não seja considerado, o certo é que nenhuma outra prova se fez de que o arguido tenha sido o autor dos incêndios, pois de acordo com a respectiva motivação e como inclusive, aí é referido" o tribunal deu credibilidade á versão das autoridades ".

  8. Entende o arguido e ora recorrente, que nunca os depoimentos das testemunhas, elementos da GNR, poderão ser valorados, no sentido de se obter, como se obteve, uma sentença condenatória, pois de acordo com o disposto nos art. 356.°, n.° 7 e 357.° n.° 2, ambos do CPP, os órgãos de policia criminal que tenham recebido declarações cuja leitura não for permitida, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas. Tal proibição estende-se, igualmente, aos órgãos de policia criminal que tenham participado na sua recolha.

  9. - As testemunhas referidas, elementos da GNR, só têm conhecimento dos factos resultantes das declarações que receberam ou em que participaram na sua recolha, o DD por "em conversa" com o arguido este lhe ter confessado a autoria dos quatro incêndios e as testemunhas CC, por o DD lhes ter dito que o arguido confessara a autoria dos quatro incêndios.

  10. - É certo que estas normas se referem a declarações que tenham sido reduzidas a escrito, mas a razão de ser da proibição é a mesma para as declarações que foram feitas constar de auto e para as que não foram, pois a circunstância de a lei não falar em declarações não reduzidas a auto só significa que tudo se passa como se elas não existissem.

  11. - Aliás, as declarações que o arguido tenha feito aos elementos da GNR, se tivessem sido feitas constar de auto como impunha o art. 275°, n° 1, do CPP visto respeitarem aos factos em investigação, não podiam ser lidas, por não se verificar qualquer das situações a que alude o n.° 1 do art. 357.° do CPP.

  12. - As declarações não reduzidas a auto não podem ser valoradas, sejam quais forem as formas que assumam desde que não tenham assumido os procedimentos de recolha admitidos por lei e por ela sancionados. Haveria fraude à lei se se permitisse a valoração de conversas informais entre o arguido e os elementos da GNR, não documentadas e fora de qualquer controle.

  13. - De qualquer forma, estaríamos sempre perante depoimentos indirectos, pois de acordo com o disposto no art. 128 do CPP a testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constitua objecto de prova, razão pela qual igualmente não poderiam servir, como serviram, como meio de prova.

  14. - O mesmo se diga do depoimento da testemunha Lurdes, mulher do arguido que na parte em que foi considerado, se baseou em conversas que teve com o seu marido, ora arguido pois sempre tal seria igualmente um depoimento indirecto, não podendo, nessa parte servir como meio de prova. Alias, não se compreende como se pode considerar o depoimento desta testemunha numa parte e não se considerar noutra.

  15. - Assim, pelas razões expostas, o depoimento de tais testemunhas não podem ser valorados ou tidos em conta, ou seja, não podia o douto tribunal" a quo" basear a sua convicção nos depoimentos de tais testemunhas, como foi o caso, ao dizer que deu credibilidade á versão das autoridades assentando a condenação do arguido somente no depoimento de tais testemunhas.

  16. - Pela mesma ordem de razões, a ida dos elementos da GNR, com o arguido aos locais dos incêndios, tendo aí o mesmo explicado a forma como fizera para atear os incêndios, referindo onde deixou o veiculo estacionado, até onde entrou na mata a pé e que acendia os incêndios com uma caixa de fósforos que trazia no bolso, e porque tal diligência de indicação dos locais e da forma como o fizera, se baseia, evidentemente nas declarações do arguido, sendo uma prova que assenta num complemento das suas declarações, ou seja que assenta na sua confissão, entendemos que, pelas mesmas razões, igualmente não poderá ser atendida ou valorada.

  17. - Em face do exposto, não podiam os factos constantes dos pontos 2.1.1., 2.1.3., 2.1.5., 2.1.6., 2.1.10. 2.1.11., 2.1.12., 2.1.14., 2.1.15. dos Factos Provados terem sido, como foram, dado como provados, uma vez que o arguido em audiência de julgamento usou do direito legitimo de não falar, e o douto Tribunal a quo assentou a sua convicção para dar tais factos como provados, unicamente no depoimento dos elementos da GNR, como refere na respectiva motivação.

  18. - Assim sendo, como se expôs, resulta do próprio texto do douto acórdão ora recorrido que a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão condenatória, violando-se, assim, o disposto no artigo 410.º, n° 2, al. a), do C.P.P.

  19. - Mesmo que assim se não considere, por mera cautela e sem prescindir, diremos que vinha o arguido acusado pela prática de quatro crimes de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 272.º, n.° 1, al. a) do CP, sendo que, no douto acórdão ora recorrido foi o arguido condenado pela prática de três crimes de incêndio e não quatro, uma vez que" se considerou que relativamente aos incêndios dos dias 25 de Fevereiro, 16 de Julho e 19 e 20 de Julho de 2000 houve diversa resolução criminosa. Porém, os dois focos dos dias 19 e 20 de Julho e atendendo á proximidade de cada um deles e á forma como foram ateados, afigura-se-nos que terá o arguido tido uma única resolução criminosa, por essa razão, pensamos que o arguido terá praticado três crimes de incêndio e não quatro." 21.ª - Ora, sendo verdade que as diversas acções do arguido são susceptíveis de se reconduzirem ao mesmo tipo legal...

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