Acórdão nº 2053/03 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Outubro de 2003 (caso NULL)
Magistrado Responsável | DR. OLIVEIRA MENDES |
Data da Resolução | 01 de Outubro de 2003 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Recurso n.º 2053/03 *** Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra.
No processo comum singular n.º 369/01, do 3º Juízo da comarca de Alcobaça, após a realização do contraditório foi proferida sentença que condenou o arguido M...
, com os sinais dos autos, como autor material, em concurso real, de um crime de homicídio por negligência previsto e punível pelo art.137º, n.º1, do Código Penal, e de uma contra-ordenação prevista e punível pelo art.13º, n.ºs 1 e 3, do Código da Estrada, na pena de 12 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 18 meses e na coima de 200 €.
Interpuseram recurso Ministério Público e arguido.
É do seguinte teor a parte conclusiva da motivação apresentada pelo Ministério Público: 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença a quo na parte em que, não obstante ter condenado o arguido M... pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, de 1 (um) crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art.137º, n.º1, do Código Penal e de 1 (uma) contra-ordenação, p. e p. pelo art.13º, n.ºs 1 e 3, do Código da Estrada, não o condenou na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, p. e p. pelo art.69º, n.º1, al.
b), do Código Penal, pois foi essa a intenção do legislador.
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É inconcebível, inaceitável e intolerável entender que o Legislador tivesse desejado, contrariamente ao que sucede na prática de crimes abstractos ou na prática de contra-ordenações graves e/ou muito graves (nos quais o resultado não faz parte do tipo de crime) que o agente fosse punido, respectivamente, com a sanção acessória de proibição de conduzir, p. e p. pelo art.69º, n.º1, al.
a), do Código Penal, ou na inibição de conduzir veículos motorizados, p. e p. pelo art.139º, n.º 2, do Código da Estrada, enquanto que o agente que pratica um crime de resultado, v.g.
no caso sub judicie, o crime de homicídio por negligência, dissociado da prática de um contra-ordenação grave ou muito grave, pudesse ser “isento” da punibilidade na referida sanção acessória, p. e p. na al.
b), do primeiro preceito legal citado.
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A ser assim, nenhum agente condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência – apenas cometido, em concurso efectivo, com a prática de uma contra-ordenação simples – seria punido com tal sanção acessória, facto que, sem quaisquer dúvidas a mens legis e a mens legislatoris, sobretudo em matéria de sinistralidade automóvel, verdadeiro flagelo nacional, como é o caso dos autos.
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A alteração legislativa (Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho), às disposições conjugadas dos arts.69º, 291º e 292º, todos do Código Penal, impõe que o âmbito da interpretação e de aplicação e, em especial, da al.
b), do n.º1, do art.69º, do Código Penal, tenha necessariamente de ser outro, tenha necessariamente de no contextualizado face a todo o Sistema Penal e, no caso sub judice, aos crimes rodoviários, sob pena de quebra de harmonia e concordância prática na sua aplicação, face às fortes exigências de prevenção especial e, sobretudo, de prevenção geral que, neste campo, se fazem sentir.
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A factualidade dada como provada na douta sentença a quo impõe que o arguido seja condenado na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados p. e p. pelo art.69º, n.º1, al.
b), do Código Penal, quer na redacção vigente na altura dos factos, quer depois da alteração legislativa efectuada pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, uma vez que a redacção daquele preceito legal permaneceu inalterada com a entrada em vigor da referida lei, desta feita tendo em conta o novo quadro legislativo, onde não é permitido ao aplicador da Lei distinguir o que o legislador não quis fosse distinguido.
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Encontra-se sobejamente provado e é incontroverso que o arguido conduziu o veículo automóvel e que este foi o instrumento do crime, uma vez que a sua condução/utilização esteve estruturalmente ligada à comissão do crime de homicídio por negligência pelo qual o arguido foi condenado, pelo que se encontra preenchida a primeira parte da previsão normativa do referido art.69º, n.º1, al.
b), do Código Penal – punido por crime cometido com utilização de veículo.
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No caso sub judice, o crime de homicídio por negligência pelo qual o arguido foi condenado, não poderia ter existido e/0u ter sido cometido, sem a condução, por parte daquele, do referido veículo automóvel e, por outro lado, a forma, o modo, as circunstâncias em que a condução do referido veículo foi efectuada pelo arguido – que circulou muito próximo da berma, em desconformidade com o preceituado no art.13º, n.º1, do Código da Estrada – foram, foram determinantes e foram essenciais para causar a morte da infeliz vítima, pelo que se encontra preenchida, cumulativamente, a segunda parte da previsão normativa do referido art.69º, n.º1, al.
b), do Código Penal – e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante.
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Fazendo apelo a critérios de justiça, adequação e proporcionalidade, atendendo à gravidade do crime, à ilicitude, à culpa e personalidade do arguido, à inexistência de circunstâncias que legitimem a atenuação especial da pena, atendendo a que a prevenção geral e especial, deveria a Mm.ª Juiz a quo ter condenado o arguido Manuel Maria Ferreira Sintra na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, p. e p. pelo art.69º, n.º1, al.
b), do Código Penal, por período não inferior a 6 meses.
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Não tendo assim decidido, violou a sentença a quo o disposto nos arts.40º, 69º, n.º1, al.
b), 70º e 71º, todos do Código Penal e no art.9º, n.º3, do Código Civil.
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Pelo que a douta sentença a quo deverá ser substituída, nesta parte, por outra que condene o arguido na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, p. e p. pelo art.69º, n.º1, al.
b), do Código Penal, por período não inferior a 6 meses.
Por sua vez, o arguido formulou as seguintes conclusões na sua motivação: 1. O art.13º, n.º1, do Código da Estrada diz o seguinte: “O trânsito deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes”.
Sendo certo que a via tinha 7,40 metros de largura e presumindo-se que cada faixa de rodagem tivesse 3,70 metros, não tendo ficado provado qual a dimensão do veículo e a que distância da berma circulava, em concreto, o arguido, não se pode concluir que o mesmo circulava próximo da berma ou se seria exigível ou não ao arguido circular mais distante da mesma.
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Apesar de ter ficado provado que a berma por onde circulava o Manuel Pinheiro tinha 2,50 metros de largura, não se provou a que distância caminhava ele da faixa de rodagem quando o veículo conduzido pelo arguido nele embateu.
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Ficado provado que o arguido circulava a uma velocidade não superior a 80 km/hora, com os médios ligados (luzes que, nos termos do art.60º, 1, b), do Código da Estrada, apenas iluminam a via a uma distância de 30 metros) e que a vítima não usava qualquer sinal luminoso ou reflector que assinalasse a sua presença, pelo que não era exigível ao arguido em especial dever de cuidado na medida em que não podendo ver a vítima e não infringindo qualquer regra de trânsito (pois não se provou a que distância em concreto distava o veículo da berma) o arguido confiava no cumprimento dos deveres legais de trânsito que se impõem aos outros condutores e peões.
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A ratio legis do art.13º, n.º1, do Código da Estrada, visa não só facilitar o trânsito de peões mas também “facilitar a manobra de ultrapassagem e o trânsito em sentido contrário” (in Código da Estrada Anotado, José da Costa Pimenta, Livraria da Universidade, Coimbra, 1995, p. 55 e 56).
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Pelo que deve o condutor circular mais próximo da berma direita que do eixo da via (o que fez o arguido), conservando da berma uma distância que permita evitar acidentes (distância essa que não ficou provada nos autos).
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De acordo com o Acórdão da Relação de Évora de 25.03.1976, “Os casos em que a estrada não tenha bermas (ou que não sejam transitáveis, ou que existam soluções de continuidade), pondo a possibilidade de o peão surgir licitamente na faixa de rodagem, ou em que este pode surgir para a travessia da via pública, criam um quadro previsível dos perigos de trânsito, a impor um cuidado de condução – distância da berma, que permite evitar qualquer acidente” (in BMJ, n.º 257, p. 204).
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Ora, no caso sub judice...
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