Acórdão nº 1242/04 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Maio de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDR. AGOSTINHO TORRES
Data da Resolução26 de Maio de 2004
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes em conferência na Secção Criminal da Relação de Coimbra I-RELATÓRIO 1.1-No processo de Inquérito supra identificado, foi indeferido por despacho judicial de 6.1.2004 (TJ de Oliveira de Frades) o pedido de constituição como assistente por parte do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social ( IGFSS) Trata-se ali de processo crime onde se investigam ilícitos de abuso de confiança contra a segurança social.

Tal despacho entendeu, basicamente, que não havia norma expressa que conferisse a legitimidade para tal constituição àquele Instituto, após revogação do artº 46º do RJIFNA pelo RGIT aprovado pela lei 15/2001 de 5 de Junho e que ele não era “ofendido” para os efeitos do artº 68º do CPP, seguindo orientação jurisprudencial firmada no Ac Rlxa de 25.02.2003 que considerou que o interesse protegido nestee tipo de infracções não é próprio do requerente mas antes um interesse próprio do Estado.

1.2- Inconformado recorreu o IGFSS formulando as conclusões seguintes: 1ª-O facto de não existir no novo regime jurídico das infracções tributárias , aprovado pela Lei nº 15/01 de 5/6, uma norma que expressamente preveja a possibilidade de a administração tributária se constituir como assistente, não inviabiliza por si só a possibilidade de a segurança social se constituir como tal.

  1. -A legitimidade da segurança social provém directamente da disposição do artº 68º, nº 1 al. a) do CPP, uma vez que é representada pelo Instituto de Gestão Financeira da segurança Social(IGFSS) – instituto público dotado de autonomia administrativa e financeira , com personalidade jurídica e património próprio – artº 1º do D.L. nº 260/99 de 7/6, e titular de interesses patrimoniais que a lei quis proteger com a incriminação.

  2. -O nosso ordenamento jurídico parte de um conceito restrito de ofendido na determinação do circulo de pessoas com legitimidade para intervir como assistente em processo penal (Figueiredo Dias – Direito Processual Penal, Vol. I , 1996 pags. 512 e 513).

  3. -Com efeito , e de acordo com o estabelecido no referido artº 68º, nº 1 al. a) para efeitos de constituição como assistente, não é ofendido qualquer pessoa prejudicada com a prática do crime , mas sim o titular do interesse que constitui objecto imediato do crime.

  4. -O bem jurídico tutelado pela incriminação do abuso de confiança em relação à segurança social tem um carácter patrimonial , assente na satisfação dos créditos contributivos de que a segurança social é titular que integram o seu património.

  5. -Pelo que se verifica, ainda que de forma indirecta , que os fins a que se encontra afecto o património de segurança social beneficiam da tutela da norma jurídica , já que o bem jurídico tutelado é o direito de crédito da segurança social.

  6. -Por outro lado ,o IGFSS, enquanto instituição da segurança social , é um instituto público , dotado de autonomia administrativa e financeira com personalidade jurídica e património próprio – artº 1º dpo D.L. nº 260/99 de 7/6.

  7. -Nessa medida , o IGFSS reponde pelos seus actos, agindo em nome próprio e não em nome do Estado.

  8. -Assim , forçoso se torna concluir que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social é o titular do interesse que constitui objecto imediato do crime de abuso de confiança contra a segurança social, pelo que lhe assiste toda a legitimidade para se constituir como assistente no âmbito dos presentes autos.

  9. -Decidir em contrário implica a violação da disposição do artº 68º, nº 1 al. a) do CPP” bem como as disposições conjugadas do nº 4 do artº 7º do DL nº 316-A/2000 de 7 de Dezembro, do DL 260/99 de 7 de Julho e do artº 16º alª K) da Portaria nº 409/2000 de 17 de Julho.

Deve a decisão recorrida ser revogada e ser substituída por outra que admita o recorrente a intervir como assistente.

* 1.3- O Ministério Público na 1ª instância respondeu no sentido de o despacho ser mantido e de igual modo emitiu parecer idêntico nesta Relação.

Também os arguidos emitiram idêntica posição.

1.4- O Sr Juiz manteve o despacho nos seus precisos termos.

II- ANALISANDO 2.1- O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das conclusões extraídas, pelos recorrentes , da respectiva motivação, sem prejuízo, no entanto, das questões que sejam de conhecimento oficioso , cfr se extrai do disposto no artº 412º nº 1 e no artº 410 nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal (c.p.p.) Tais conclusões visam permitir ou habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância dos recorrentes em relação à decisão recorrida vide ,entre outros, o Ac STJ de 19.06.96, BMJ 458, págª 98 e o Ac STJ de 13.03.91, procº 416794, 3ª sec., tb citº em anot. ao artº 412º do CPP de Maia Gonçalves 12ª ed; e Germano Marques da Silva, Curso Procº Penal ,III, 2ª ed., págª 335 2.2-Em debate nos presentes autos está a questão de saber se o IGFSS, em processo crime por abuso de confiança contra a segurança social, tem ou não legitimidade para se constituir assistente.

2.2.1-Tanto quanto apurámos até agora, são os seguintes os argumentos em posição para resolução da questão: * A)-De um lado, pela denegação judicial da possibilidade de constituição de assistente por parte do IGFSS, dizendo-se que o mesmo não tinha legitimidade porque o interesse público protegido na norma incriminatória não é um interesse próprio do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, mas antes um interesse próprio do Estado .

É acompanhado este argumento por parte do MºPº afirmando-se que Instituto de Gestão Financeira da segurança Social mais não é que a corporização da organização administrativa do estado para assegurar o direito fundamental à segurança social previsto no artº 63º da Constituição, através dele se cumprindo a organização e coordenação do sistema da segurança social, tendo em vista a finalidade de protecção dos cidadãos na doença, velhice, invalidez,etc.

Em suma, basicamente, o argumento preponderante é o de que o interesse protegido não é um interesse próprio do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, mas antes um interesse próprio do Estado.

E de forma argumentativa mais desenvolvida, que: -Com a entrada em vigor da Lei no 15/2001, de 05/06, que aprovou o RGIT e nos termos previsto no art° 2°, al. b) da cita. Lei, foi revogado o RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei n° 20-A/90, de 15/01, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n° 394/93, de 24/11 e Decreto-Lei n° 140/95, de 14/06.

-Tal diploma, no que concerne as normas processuais do mesmo constantes, e de aplicação imediata, dado o disposto no art° 5° n° 1 do Código de Processo Penal.

Sucede, porém, que o RGIT não contém nenhuma norma idêntica a do revogado art° 46° e 51° do RJIFNA, que conferia a administração fiscal ou da Segurança Social a legitimidade para se constituir assistente no processo penal por crimes fiscais.

-Com a vigência do RGIT, prevê-se apenas que a Administração Fiscal ou a Segurança Social assistam tecnicamente o Ministério Público em todas as fases do processo, podendo inclusivamente designar agente da administração ou perito tributário a quem e conferida a faculdade de consultar o processo e de ser informado da sua tramitação.

-Donde resulta que foi intenção do legislador retirar a Administração Fiscal ou da Segurança Social a legitimidade para, na qualidade e com o estatuto de assistente, intervir no processo penal (cfr. nesse sentido Paulo José Rodrigues Antunes, in Infracções Fiscais e Seu Processo, Almedina, pp. 71).

* B)-De outro lado, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social dizendo ter legitmidade porque: O facto de não existir no novo regime jurídico das infracções tributárias , aprovado pela Lei nº 15/01 de 5/6, uma norma que expressamente preveja a possibilidade de a administração tributária se constituir como assistente, não inviabiliza por si só a possibilidade de a segurança social se constituir como tal.

A legitimidade da segurança social provém directamente da disposição do artº 68º, nº 1 al. a) do CPP, uma vez que é representada pelo Instituto de Gestão Financeira da segurança Social(IGFSS) – instituto público dotado de autonomia administrativa e financeira , com personalidade jurídica e património próprio – artº 1º do D.L. nº 260/99 de 7/6, e titular de interesses patrimoniais que a lei quis proteger com a incriminação.

O nosso ordenamento jurídico parte de um conceito restrito de ofendido na determinação do circulo de pessoas com legitimidade para intervir como assistente em processo penal (Figueiredo Dias – Direito Processual Penal, Vol. I , 1996 pags. 512 e 513).

Com efeito , e de acordo com o estabelecido no referido artº 68º, nº 1 al. a) para efeitos de constituição como assistente, não é ofendido qualquer pessoa prejudicada com a prática do crime , mas sim o titular do interesse que constitui objecto imediato do crime.

O bem jurídico tutelado pela incriminação do abuso de confiança em relação à segurança social tem um carácter patrimonial , assente na satisfação dos créditos contributivos de que a segurança social é titular que integram o seu património.

Pelo que se verifica, ainda que de forma indirecta , que os fins a que se encontra afecto o património de segurança social beneficiam da tutela da norma jurídica , já que o bem jurídico tutelado é o direito de crédito da segurança social.

Por outro lado ,o IGFSS, enquanto instituição da segurança social , é um instituto público , dotado de autonomia administrativa e financeira com personalidade jurídica e património próprio – artº 1º dpo D.L. nº 260/99 de 7/6.

Nessa medida , o IGFSS reponde pelos seus actos, agindo em nome próprio e não em nome do Estado.

Assim , forçoso se torna concluir que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social é o titular do interesse que constitui objecto imediato do crime de abuso de confiança contra a segurança social, pelo que lhe assiste toda a legitimidade para se constituir como assistente no âmbito dos presentes autos.

Decidir em contrário implica a violação da disposição do artº 68º, nº...

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