Acórdão nº 405/06 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Abril de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução26 de Abril de 2006
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: A...

e mulher, B...

propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra a Herança ilíquida e indivisa, aberta por óbito de C...

, representada pelos seus herdeiros, D...

, E...

, F...

e G...

, todos residentes na Av. Mendes Silva, nº 605, em Coimbra, e H...

e mulher, I...

, residentes na Rua Eduardo Viana, nº13, 1º Esq., em Almada, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados a eliminar as obras que, ilicitamente, efectuaram nas partes comuns, nomeadamente, as janelas abertas nos alçados laterais e as janelas basculantes instaladas no telhado, repondo a situação anterior, a eliminar as obras efectuadas nos sótãos que permitem uma ocupação das fracções contrária ao consentido pelo título constitutivo, que são ilegais e não licenciáveis, por forma a que tais dependências assumam a configuração que consta do projecto aprovado pela Câmara Municipal de Coimbra (CMC), alegando, para tanto, e, em síntese, que são donos e legítimos possuidores da fracção autónoma, designada pela letra “L”, do prédio constituído em propriedade horizontal, infra-discriminado, e os réus são proprietários das fracções, designadas pelas letras “P” e “Q” do mesmo prédio, sendo certo que consta da escritura de constituição da propriedade horizontal que as mesmas são constituídas, por “um sótão amplo em toda a largura das fracções”.

Porém, continuam os autores, sucede que os réus transformaram os sótãos daquelas fracções, em habitações independentes, rasgando a placa do telhado, para aí colocarem telhas de vidro, e abriram vãos nos alçados laterais, colocando janelas, realizando ainda obras no interior dos sótãos, que passaram a ter uma divisão central, quatro quartos e uma casa de banho, tendo sido abertas entre quatro e seis janelas basculantes, alterações estas a que procederam, logo após a vistoria da CMC, sem qualquer projecto, nem licença municipal.

Muito embora os sótãos façam parte integrante das fracções que constituem o quarto andar, as aludidas obras alteraram, substancialmente, o telhado e as paredes laterais, que são partes comuns do edifício, e, também, a estética deste, tratando-se de inovações que dependem da aprovação da maioria qualificada dos condóminos, mas cuja autorização nunca foi concedida.

Por outro lado, essas obras, ao permitirem que os sótãos sejam habitados por um número de pessoas que ronda as dezasseis ou mais, causam prejuízos a todos os condóminos, porquanto tais pessoas provocam um uso e desgaste nos equipamentos e partes comuns que não ocorreriam se os réus as não tivessem efectuado.

A isto acresce que a referência realizada pelo título constitutivo de que as fracções são compostas por despensa e sótão amplo, a toda a largura da fracção, prescreve uma ocupação ou destino, somente, compatível com aqueles que são dados aos arrumos, pelo que tais obras só poderiam ser efectuadas se aquele título tivesse sido modificado, o que não aconteceu.

Na contestação, os réus H... e mulher concluem pela improcedência da acção, invocando, para tanto, e, em suma, que, quando o prédio foi submetido ao regime da propriedade horizontal, já o sótão se encontrava dividido, tendo-a os anteriores proprietários da fracção “Q”, hoje dos réus contestantes, adquirido ao construtor, no estado de nova, sendo certo que, desde a data da compra até à actualidade, nunca nela foram feitas quaisquer obras, encontrando-se o sótão, exactamente, como foi vendido, em 1987, e tal como foi construído, desde 1985/86.

Por outro lado, prosseguem estes réus, as paredes existentes no sótão destinam-se a suportar a estrutura do telhado e a dividir as fracções, pelo que a sua demolição colocaria em risco a estrutura do prédio e do telhado.

E que do título constitutivo nada consta sobre o destino da fracção “Q”, sendo que, no projecto de licenciamento municipal, todas as fracções foram destinadas à habitação, com excepção das fracções constituídas pelas garagens, tendo as obras internas de divisão dos sótãos sido efectuadas pelo construtor e enquanto único proprietário de todo o edifício.

A isto acresce que não há qualquer prejuízo para os demais condóminos com a utilização que vem sendo dada ao sótão, onde, apenas, dorme uma pessoa, para além de que já passaram, desde a data das alegadas obras, mais de dezasseis anos, o que importaria a prescrição ou caducidade do eventual direito dos autores.

Na contestação da ré Herança, ilíquida e indivisa, aberta por óbito de C..., diz-se que o sótão é parte integrante da fracção “P”, sendo omisso o título constitutivo da propriedade horizontal, quanto ao destino da fracção “P” ou das demais fracções, ainda que no projecto de licenciamento municipal de construção do prédio todas as fracções tenham sido destinadas à habitação.

Por seu turno, quando adquiriu a fracção, em 13 de Julho de 1987, o sótão já se encontrava dividido, tendo as respectivas obras sido efectuadas pelo construtor e proprietário do prédio, sendo certo que a sua compartimentação deixou de estar sujeita a prévio licenciamento municipal, a partir da publicação do DL nº 250/94, de 15 de Outubro, enquanto que, por outro lado, tais obras não alteraram, substancialmente, a forma do telhado, as fachadas, as cérceas, o número de pisos, as paredes laterais do edifício, nem a sua linha arquitectónica.

Por seu turno, as obras de substituição das telhas foram autorizadas pela assembleia de condóminos e as demais obras foram efectuadas pelo construtor e vendedor do prédio, há mais de quinze anos, verificando-se, também, há mais de quinze anos, ininterruptamente, o destino para habitação que vem sendo dado ao sótão.

Que cada quarto da fracção “P”, incluindo aqueles que se situam no sótão, é destinado a uma só pessoa, e que as obras em causa não foram efectuadas, em partes comuns do edifício, não dependendo da aprovação dos demais condóminos.

Na resposta à contestação, os autores mantêm, no essencial, a posição assumida na petição inicial.

A sentença julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição dos réus do pedido.

Desta sentença, os autores interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com uma série de conclusões donde se destacam as seguintes questões a decidir na presente apelação, em função das quais se fixa o objecto do recurso, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do Código de Processo Civil (CPC): I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.

II – A questão da legitimidade.

III – A questão da natureza das obras realizadas.

IV – A questão do abuso de direito.

Nas suas contra-alegações, que apenas a ré Herança, ilíquida e indivisa, aberta por óbito de C..., apresentou, esta sustenta que a sentença recorrida não merece qualquer reparo.

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

I DA ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO Pretendem os autores que os pontos da base instrutória com os nºs 10º [as obras internas de divisão dos sótãos foram todas executadas pelo construtor?], 11º [antes de ter vendido qualquer das fracções e enquanto dono único de todo o prédio?], 12º [mantendo-se o prédio sem quaisquer alterações desde o ano de 1985/86, ano da construção, com excepção da substituição de algumas telhas de barro por telhas de vidro, referida na resposta ao ponto 3], 18º [aquando das vendas referidas em H) e no ponto 17, os respectivos sótãos encontravam-se tal como hoje se apresentam, com excepção das telhas de vidro actualmente existentes no tecto do sala do sótão do 4º Esq. (fracção “P”)] e 7º [tais obras não foram autorizadas pelos restantes condóminos] deveriam, ao contrário do que aconteceu, conhecer a resposta de “não provado”, os pontos com os nºs 1º [a divisão do sótão referida em E) resultou de alterações efectuadas pelos 1ºs réus?], 5º [tais alterações foram feitas depois da vistoria da CM?], e 6º [sem qualquer projecto e subsequente licença municipal?] deveriam merecer a resposta de “provado”, o ponto com o nº 2º [a divisão do sótão referida em F) resultou de alterações efectuadas pelos 2ºs réus?], a resposta de “provado apenas que tal divisão resultou de obras efectuadas pelos anteproprietários dos 2ºs réus”, o ponto com o 3º [para tal, rasgaram a placa do telhado para aí colocarem telhas de vidro?], a resposta de “provado apenas que a placa do telhado foi rasgada para a colocação de clarabóias quer do lado da fracção P quer do lado da fracção Q”, o ponto com o nº 4º [e abriram vãos nos alçados laterais colocando janelas?], a resposta deveria ser a de “provado”, ou, em alternativa, “provado que os vãos de janelas foram abertos por alturas de finais de 1987 ou princípio de 1998, por referência às respostas aos pontos 1 e 2”, e o ponto com o nº 21º [as obras de substituição das telhas foram comunicadas e autorizadas pela assembleia de condomínio que teve lugar no dia 17.12.88?], a resposta de “provado apenas que a deliberação que aprovou a autorização só foi assinada por 3 condóminos”.

Resulta da audição da prova objecto de gravação, e bem assim como do complemento reduzido a escrito do depoimento da testemunha Libório Marques, no que contende com os pontos da matéria de facto em que os autores suscitaram a respectiva alteração, que a testemunha Olga Marques, que residiu na fracção da ré Herança, desde Outubro de 1987 até 1992, como a primeira hóspede do sótão do 4º andar esquerdo, disse que “o sótão estava dividido, em quatro quartos…que nunca viu o sótão amplo, e que sempre o conheceu mobilado e pronto a habitar”.

Por sua vez, a testemunha Helena Maria Coelho, que morou no 1º andar esquerdo do prédio, entre Fevereiro de 1997 e Agosto de 2004, disse que “os sótãos tinham porta independente dos 4ºs andares e que não havia interligação entre uns e outros”.

Por outro lado, a testemunha Armando...

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