Acórdão nº 2500/04-1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Fevereiro de 2005

Magistrado ResponsávelANTÓNIO PRIRES HENRIQUES DA GRAÇA
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2005
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Relação de ÉvoraA- Nos autos de processo comum (tribunal singular) com o nº …, da comarca de…, foi proferida sentença que condenou o arguido A, id. nos autos, pela prática de um crime exploração ilícita de jogo, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 1º, 3º n.º 1 e 108º, nº 1 do Dec-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na pena de 3 meses de prisão e 50 dias de multa à razão diária de 4€, o que perfaz a quantia total de €200, sendo substituída a pena de prisão por 90 dias de multa, à mesma razão diária, o que perfaz a quantia total de 360€; Procedendo ao cúmulo material desta pena de multa com a que lhe foi directamente aplicada, foi condenada a arguida na pena única de multa de 140 dias de multa, á razão diária de 4€, o que perfaz a quantia total de 560€; Foi declarado perdido a favor do Fundo de Turismo todo o equipamento de jogo apreendido, nos termos do disposto no art. 117º do Dec.Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro; e, perdido a favor do Fundo de Turismo o dinheiro apreendido nos autos - cfr. art. 117º do Dec.Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro; Foi condenado ainda o arguido nas custas do processo, fixando-se a procuradoria pelo mínimo.

Ordenou-se o demais de lei.

  1. Inconformado recorreu o arguido, concluindo: 1- De acordo com o Assento 2/2003, de 30/1/2003, o ónus da transcrição para suporte papel do conteúdo dos registos magnetofónicos está a cargo do Tribunal de 1ª Instância e não do recorrente.

2 - Nem tal poderia ser outra a solução, caso contrário estaríamos perante uma duplicação de transcrições, já que teria por um lado teria o recorrente de transcrever e depois mandaria o Tribunal de 1ª Instância transcrever de novo...

3 - ... para quê(?) duas transcrições em suporte de papel sobre os mesmos registos magnetofónicos.

4 - Assim sendo, o recorrente limita-se a transcrever o que lhe parece essencial para as presentes motivações de recurso.

5 - O D. L. 422/89 na redacção do D. L. 10/95, constitui a lei Base dos Jogos de Fortuna ou Azar, e caracteriza este tipo de máquinas (fortuna ou azar) como máquinas que pagam directamente prémios ou fichas e as que apresentam jogos dependentes da sorte.

6 - Nos termos desse diploma, "não é permitida a exploração de quaisquer máquinas cujos resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da perícia do jogador e que atribuam prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, mesmo que diminuto, salvo o prolongamento gratuito da utilização da máquina, face à pontuação obtida...".

7 - Não está assim claramente definida a fronteira entre o conceito legal de máquinas de fortuna ou azar e aquelas que o não são.

8 - A utilização na lei do termo "fundamentalmente" a par da expressão "exclusivamente", introduz uma grande indeterminação normativa, fonte de discricionariedades.

9- Pelo D. L. n. 316/95, de 28/11 foi introduzida a possibilidade de máquinas que permitem a apreensão de objectos cujo valor económico não exceda 3 vezes a importância despendida pelo utilizador.

10 - Não existe no nosso país um quadro regulador de acesso claro dos tipos de máquinas, acabando por prevalecer o critério administrativo da IGJ..

11 - Existem apenas regras sobre os registos e licenças das máquinas, materializadas no D. L. n. 293/81 de 16/10.

12 - O regime legal em vigor assenta num conceito de máquinas de diversão que exclui as máquinas que desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusivamente ou fundamentalmente da sorte.

13 - Por maioria de razão são excluídas as máquinas que pagam prémios em fichas ou moedas.

14 - Em termos de Direito comparado, vigoram na maior parte dos países da União Europeia um regime em que é permitida a prática de jogos de fortuna ou azar.

15 - A produção, importação e a exploração de máquinas de jogo preenche o conceito de actividade económica subjacente aos artigos 2. e 3. do tratado de Roma e da Jurisprudência Comunitária.

16 - A formação e o funcionamento do mercado interno (mercado comum) dependem de 2 regras: a livre circulação de mercadorias e a livre concorrência.

17 - Só assim será possível o cumprimento dos objectivos enunciados no artº 20º do Tratado de Roma, se dignamente a realização de "um desenvolvimento harmonioso e equilibrado das actividades económicas no conjunto da Comunidade".

18 - O princípio da liberdade de estabelecimento (para a indústria e para o comércio) está previsto no art. 52. do Tratado de Roma.

19 - O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) criou uma orientação jurisprudencial, considerando que o direito de livre estabelecimento enunciado no art. 52. do tratado de Roma se tomou de aplicação directa e imediata em toda a Comunidade, mesmo que nenhuma directiva de liberalização tenha sido adoptada em relação à actividade em causa.

20 - As normas nacionais relativas ao Estado-membro de "importação" ou de "exportação" que dificultem o exercício da livre prestação de serviços, vendas e exploração de uma actividade comercial ou industrial, cabem no âmbito de aplicação do Tratado. Neste sentido o Ac. T JCE no processo Comissão/França, Proc. n. C 381/93.

21 - O art. 30. do tratado de Roma dispõe que "... são proibidas entre Estados-membros as restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeito equivalente".

22 - A noção de "efeito equivalente", não vem expressa no tratado, no entanto a Comissão emitiu a directiva n. 70/50 CEE de 22/12/69, onde construiu essa noção, e onde se inclui a noção de uma qualquer norma que condicione ou constitua um obstáculo à importação, exportação, venda e exploração ( entre outras actividades comerciais), de produtos provenientes de um Estado-membro.

23 - O TJCE na interpretação dos art.s 30, 34. e 36. do tratado de Roma, elabora uma noção comunitária de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas; o julgamento do Tribunal a propósito do art. 30. do tratado é extensivo aos art.s 34. e 36. do tratado, destacando-se especialmente dois acórdãos sobre esta matéria, o Ac. Dassonville e o Ac. Cassis de Dijon.

24 - Da orientação jurisprudencial destes 2 acórdãos, resulta que a regulamentação nacional não deve em caso algum constituir uma medida discricionária, não podendo ter por objecto (ainda que camuflado) ou por efeito impedir ou dificultar a comercialização dos produtos importados.

25 - A regulamentação nacional deverá ser considerada como uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, proibida pelo art. 30. do Tratado de Roma se tal medida entravar a importação e a sua comercialização noutro Estado-membro.

26- O art. 100-A do Tratado de Roma, aditado pelo Acto Único Europeu, visa criar um espaço sem fronteiras interiores no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada.

27 - Do referido na conclusão anterior decorrem dois princípios, o da equivalência e do reconhecimento mútuo das regulamentações nacionais.

28 - Na sua Comunicação Interpretativa de 03/10/80, a Comissão considera que não será lícito a um estado recusar o acesso ao mercado nacional dos produtos importados de um outro Estado, sempre que tais produtos respondam de forma conveniente e satisfatória, Ou seja sempre que esses produtos estejam (fabricação) em conformidade com as regras técnicas do estado de destino.

29 - Na sua Comunicação Interpretativa de 24/10/89, a Comissão a propósito de produtos alimentares, abordou a questão do reconhecimento mútuo no domínio das regulamentações internas relativas à produção e comércio de determinados bens.

30 - Citando João da Mota Campos, verifica-se que "o esforço interpretativo da Comissão vai, no entanto, no sentido do estender até ao limite do possível o princípio da equivalência, restringindo tanto quanto seja permitido, no actual estádio de desenvolvimento do direito comunitário, a possibilidade de os estados interferirem na liberdade de trocas através de regulamentação interna de produção e comércio".

31 - Tal problemática deverá ainda ser analisada à luz dos monopólios comerciais, e sobretudo quando é o próprio estado que delimita esse monopólio.

32 - O art. 37. do Tratado de Roma refere que os estados adaptarão progressivamente os monopólios nacionais de natureza comercial de modo a que esteja excluída qualquer discriminação entre nacionais de Estados-membros.

33 - De acordo com o Ac. Manghera de 03/02/76, "a obrigação imposta no n. do art. 37. do Tratado de Roma visa assegurar o respeito da regra fundamental da livre circulação das mercadorias no conjunto do mercado comum, em particular mediante a abolição, nas trocas entre Estados-membros, de restrições quantitativas e medidas de efeito equivalente... ".

34 - " . . . assim, o direito exclusivo de importação pelo monopólio dos produtos manufacturados em causa constitui uma discriminação proibida pelo art. 37., n.1 do Tratado de Roma".

35 - O art. 36. do Tratado de Roma dispõe que "a interdição de restrições quantitativas a importações ou exportações intercomunitárias, ou medidas de efeito equivalente, prescrita nos art.s 30 e 34. não impede a adopção na ordem interna de disposições justificadas por razões de moralidade pública, ordem e segurança pública, de protecção da saúde e da vida das pessoas e animais ou de preservação das plantas: de protecção do património nacional de valor artístico, histórico ou arqueológico; ou de protecção de propriedade industrial e comercial".

36 - No caso concreto da ordem jurídica Portuguesa e no que respeita à matéria dos presentes autos, vigoram monopólios comerciais sobre a exploração de máquinas de fortuna ou azar, para além da proibição a menores de 18 anos, o que torna a invocação da moralidade pública infundada por incongruência.

37 - Só em áreas muito restritas e à luz da preservação de valores fundamentais da comunidade é legitima a invocação da moral pública.

38 - Neste sentido a proibição à luz da protecção da saúde "apenas é compatível com a ordem jurídica comunitária «na...

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