Acórdão nº 4840/2004-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Junho de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelPULIDO GARCIA
Data da Resolução15 de Junho de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, na secção criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: No Processo, da 3ª secção do 3º Juízo Criminal de Lisboa, por não se conformar com o despacho de 9-3-2004 (fls.27-28), que lhe indeferiu requerimento de constituição de assistente que apresentara, do mesmo interpôs recurso o IGF da Segurança Social.

Na motivação apresentada são formuladas as seguintes, e muito longas, conclusões (cfr. fls.2-26; transcrevem-se): «1 - O facto da Lei n.º 15/2002 de 5 de Junho não prever a possibilidade da administração tributária se poder constituir como assistente, não inviabiliza essa possibilidade.

2 - A questão no essencial reside justamente em saber quem é o ofendido no âmbito do crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social.

3 - Temos para nós, que para efeito da constituição como assistente, não é ofendido qualquer pessoa prejudicada com a prática do crime, mas sim o titular do interesse que constitui objecto imediato do crime - é aliás o que resulta da lei.

4 - Na verdade, o bem jurídico que é tutelado pelos crimes contra a Segurança Social, fraude e abuso de confiança, têm um carácter patrimonial, assenta na satisfação dos créditos contributivos de que a Segurança Social é titular e que integram o seu património.

5 - O IGFSS enquanto instituição da Segurança Social é um instituto público dotado de autonomia administrativa e financeira, com personalidade jurídica e património próprio - artigo 1.º do DL n.º 260/99 de 7 de Julho.

6 - É NECESSÁRIO UMA ACÇÃO CONFORMADORA DO SENTIDO DA DECISÃO FINAL - com efeito, na sequência do defendido pelo Prof. FIGUEIREDO DIAS, - uma autêntica protecção da vítima consiste em conferir-lhe voz autónoma logo ao nível do processo penal.

7 - O artigo 50.º do RGIT deve ser interpretado no sentido de reforço dos direitos da Segurança Social - dito por outras palavras, mesmo nos casos em que a Segurança Social não tenha requerido a constituição como assistente, sempre poderá designar para cada processo um agente da administração ou perito tributário, que tem sempre a faculdade de consultar o processo e ser informado da sua tramitação.

8 - Pergunta-se: se o IGFSS não for assistente no processo, quem é que assegura a reacção processual aos despachos de arquivamento do MP? quem recorre dos despachos ou das sentenças que no nosso entender não assegurem os direitos e interesses da Segurança Social? 9 - A não ser assim, é violado o direito constitucional de recurso das decisões judiciais - e o de fiscalizar e contrariar as decisões do MP.

10 - O IGFSS é o titular do interesse que constitui o objecto imediato do crime, e o artigo 50.º do RGIT é de certa forma, o reconhecimento da complexidade e especificidade das matérias referente à Segurança Social por parte do legislador.

11 - O titular do interesse que constitui o objecto imediato do crime são as instituições de Segurança Social - e não propriamente a Segurança Social - que só por si não actua juridicamente.

12 - Mas mais. De acordo com o preceituado no artigo no 107.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, ( Lei N.º 15 / 2001 de 5 de Junho ) as contribuições têm que ser entregues às instituições de Segurança Social, note-se bem, às instituições de Segurança Social - leia-se, no caso vertente ao IGFSS.

13 - O legislador deu como absolutamente certo que a Segurança Social ( Através do IGFSS ) pode ser assistente no âmbito dos crimes cometidos contra aquela, aplicando-se normalmente o artigo 68.º do CPP.

14 - Os Institutos Públicos serão, pois, entidades juridicamente distintas do Estado e os seus órgãos dirigentes são em princípio, órgãos do Instituto Público e não órgãos do Estado, o seu pessoal é privado do instituto público, não é funcionalismo do Estado; as suas finanças são para - estaduais, não são finanças do Estado; O SEU PATRIMÓNIO É PRÓPRIO, NÃO É PATRIMÓNIO DO ESTADO.

15 - O IGFSS é um ente susceptível de direitos e de obrigações - enquanto pessoa colectiva tem liberdade de para poder com plena independência decidir sobre a actividade processual que em defesa dos seus próprios direitos e interesses, e desenvolver em juízo por intermédio de um seu representante voluntário ( mandatário ) os seus pontos de vista.

16 - O recorrente já não é Estado, já não pertence ao Estado, já não é incorporado no Estado - TRATA-SE DE UM ENTE COM PERSONALIDADE JURÍDICA PRÓPRIA - apesar de estar sempre em causa a prossecução de fins ou atribuições do Estado - mas não por intermédio do próprio Estado, uma vez que no caso vertente a prossecução do interesse público será feita pelo IGFSS - pessoa colectiva distinta do Estado.

17 - A jurisprudência Constitucional, tem entendido de forma reiterada que no seio do processo penal, está generalizado o direito ao recurso, porque compreendido nos artigos 20.º e 32.ºn.º 1 da Constituição. Vejam-se desde logo, os Acs. do TC n.º 163/90 ( BMJ 397, pág. 77 ) e 210.º / 92 ( BMJ 418.º, pág. 335 ).

18 - Por outro lado, poder-se-á perguntar - qual o preceito legal no qual se baseia o despacho judicial ora em crise, quando se afirma que a Segurança Social passou a ser representada pelo Ministério Público após a entrada em vigor do RGIT? Em conformidade com o previsto na Lei n.º 143/99, de 31 de Agosto ( Estatuto do Ministério Público ) n.º 1 a ) do artigo 3.º - compete especialmente ao Ministério Público ..." representar o Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais,... ".

19 - Além do Estado, a lei atribui competência ao Ministério Público para representar duas pessoas colectivas de direito público: as Regiões Autónomas e as autarquias locais - mas nunca a pessoa colectiva de direito público - Instituto Público.

20- Quer isto dizer, que até mesmo no domínio da competência do MP no que diz respeito às pessoas colectivas de direito público - Regiões Autónomas e autarquias locais - aquela intervenção passa a acessória se for constituído mandatário próprio.

21 - Não cabe ao Ministério público por inexistir preceito legal que expressamente atribua competência para representar a Segurança Social e as suas instituições ( cfr. n.º1 a) do artigo 3.º e n.º 2 do artigo 5.º do Estatuto do Ministério Público.

22 - O Ministério Público só intervém como parte principal, quando a lei, designadamente o Estatuto do IGFSS lhe atribuir competência ( cfr. neste sentido acórdão do TC n.º 1/ 96 de 5 de Janeiro).

23 - Desta sorte, gozando o IGFSS, enquanto instituição da Segurança Social - de autonomia administrativa, financeira, patrimonial e personalidade jurídica - a representação em juízo daquela entidade não cabe ao Ministério Público.

24 - O mesmo se passou com a entrada em vigor do Dec. Lei n.º 287/93...

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