Acórdão nº 4021/2004-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Maio de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFILOMENA CLEMENTE LIMA
Data da Resolução11 de Maio de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5 ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. No processo de inquérito n.º 101/03.3 PDL do 4º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, em que é arguido L., iniciado com base na iniciativa processual do MºPº nos termos do art.º 178º, n.º4 CPP, conforme resulta do despacho de fls. 8 e ss. do processo em causa, foi proferido, no seguimento dos requerimentos de desistência de queixa apresentados por S. e M., despacho que julgou válidas e relevantes as referidas desistências de queixa e declarou extinto o procedimento criminal contra o arguido, relativamente aos crimes de acto sexual com adolescente p.p. pelo art.º 174º CP, abuso sexual de criança p.p. pelo art.º 172º, n.º1 CP e acto homossexual com adolescente p.p. pelo art.º 175º CP.

Inconformado com esta decisão, interpôs recurso o MºPº junto do Tribunal "a quo" motivando-o com as conclusões: - Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual previstos no CP têm, em regra natureza semi-pública, uma vez que o procedimento criminal depende de queixa do ofendido ou de outras pessoas ; - É o caso dos crimes de abuso sexual de criança e actos sexuais e homossexuais com adolescentes p.p. pelos art.ºs 172º, n.º1, 174º e 175º CP de que se encontra acusado o arguido Luís Arruda ; - Quando os crimes forem praticados contra menor de 16 anos de idade pode o MºPº dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser (art.º 178º, n.º4 CP); - No caso presente foi o MºPº que, depois de ter tomado conhecimento dos factos pela imprensa e, depois através de uma participação da Comissão de Protecção de Menores e Jovens de Lagoa, deu início ao procedimento criminal contra o arguido L. e outros, ao abrigo do disposto no art.º 178º, n.º4 CP, invocando o interesse das vítimas, menores de 16 anos de idade e fundamentando a sua posição (cfr. fls 8 e ss.); - Não podem pois relevar as desistências de queixa dos menores S. e M.; - É que, nos termos do art.º 116º, n.º2 CP, só o queixoso, isto é quem tenha legitimamente exercido o direito de queixa, pode desistir dela; - Tendo o processo sido iniciado, oficiosamente, pelo MºPº, no interesse das vítimas, o respectivo procedimento criminal deixou de estar na disponibilidade dos ofendidos, isto é da S. e do M. ou dos seus representantes legais ; - Nesta conformidade, as desistências de queixa apresentadas são irrelevantes; - A Mm.ª Juiz de instrução não podia considerara as desistências válidas e relevantes declarando extinto o procedimento criminal contra o arguido sem ter em atenção a forma como foi iniciado o processo e sem ter atenção se tais desistências iam ao encontro dos interesses dos menores como fundadamente o MºPº referiu no despacho em que se opôs à sua homologação; - O despacho recorrido interpretou erradamente a lei violando o disposto nos art.ºs 178º, n.º1, 116º, n.º2 e 113, n.º6 CP; - Pelo que deve nessa parte ser revogado requerendo-se que sejam consideradas irrelevantes as desistências de queixa dos menores S. e M..

Admitido o recurso com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo, respondeu o arguido pugnando pela improcedência do recurso por as desistências de queixa em causa terem sido apresentadas após a maioridade penal dos ofendidos e face ao disposto no art.º 178º, n.º1 CP.

Neste Tribunal, o Exm.º Sr. Procurador Geral Adjunto apôs visto nos autos, sufragando as motivações de recurso da Exm.ª Magistrada do MºPº recorrente.

Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência.

  1. O objecto do recurso, tal como se mostra configurado pelas conclusões da motivação, reporta-se a uma única questão : a definição da natureza dos crimes em causa, imputados ao arguido, com efeitos na decisão de apreciação da validade e relevância processual das declarações de desistência de queixa dos ofendidos.

  2. 3.1. Mostra-se definida, perante a acusação proferida já nos autos a base indiciária, que irá definir a factualidade em que assentará a presente decisão posto que, quer no âmbito do recurso, quer perante a resposta ao mesmo, não se suscitam questões a apreciar nessa sede. Assim, a factualidade imputada ao arguido e que respeita aos ofendidos S. e M. são os acima referidos crimes de de abuso sexual de criança e actos sexuais e homossexuais com adolescentes p.p. pelos art.ºs 172º, n.º1, 174º e 175º CP que se imputa ao arguido como praticados entre 2001 e Novembro de 2003.

    Tal como resulta dos autos, o que também não foi posto em causa pelos intervenientes processuais do recurso, a presente investigação teve início em Abril de 2003, com a comunicação dos factos ao MºPº pela Comissão de Protecção de Menores e Jovens de Lagoa e do conhecimento que lhe adveio ainda da notícia dos mesmos através de órgãos da comunicação social.

    É o MºP quem o diz, ao justificar a iniciativa processual nos termos do art.º 178º, n.º4 CPP e 113º, n.º6 CPP.

    No que ao caso interessa, tratava-se de factualidade susceptível de integrar crimes de abuso sexual de criança, de actos homossexuais com adolescente e de actos sexuais com adolescente, crimes sexuais que envolviam os ofendidos S. e M., então com idades inferiores a 16 anos, relativamente aos quais se entendeu estar em causa o interesse das vítimas, susceptível de legitimar a intervenção do MºPº, com vista à investigação das situações de pedofilia, dada a gravidade dos crimes e o eventual desconhecimento dos representantes legais das vítimas.

    Não foi até ao momento posta em causa a legitimidade processual do MºPº para impulsionar o inquérito, sem que os menores ou seus representantes legais manifestassem qualquer intenção nesse sentido ou sem que tivessem formalmente deduzido as suas queixas.

    Resulta dos autos que foram juntas aos mesmos, com datas respectivamente de 23.2.2004 e 25.2.2004, declarações assinadas pelos referidos ofendidos S. nascida a 11.12.87) e M.(nascido a 18.2.88) em que dizem renunciar às queixas contra o arguido L., declarações apresentadas depois de os menores terem completado 16 anos de idade.

    3.2. Na versão original do CP 1982, os crimes sexuais que tivessem por vítima menor de 12 anos possuíam natureza pública (art.º 211º, n.º2 CP) podendo o MºPº desencadear oficiosamente o procedimento criminal e exercer com total autonomia a acção penal.

    Tal como refere o MºPº, na actual legislação penal, os crimes sexuais têm em regra natureza semi...

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