Acórdão nº 1424/2004-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 30 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelANA SEBASTIÃO.
Data da Resolução30 de Março de 2004
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.

1- Nos Autos de Inquérito n.º 218/03.4JELSB a correr termos pelo 2º Juízo-A do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, após 1º interrogatório judicial levado a cabo em 26 de Setembro de 2003, foi determinada a medida de coacção de prisão preventiva ao arguido F..

Por requerimento datado de 14 de Dezembro de 2003, o arguido veio aos autos solicitar a revogação da medida de prisão preventiva e a sua audição por forma a que fossem respeitados os seus direitos de defesa, nomeadamente, quanto às "circunstâncias do tempo, modo e lugar" que levaram à sua detenção e aplicação da medida de coacção.

O Ex.mo juiz indeferiu ao requerido.

2- O arguido não se conformou com tal indeferimento, dele interpôs o presente recurso que motivou extraindo as seguintes conclusões: I - O Mm. Juiz ao decidir (despacho de fls. 793 com remissão para a fundamentação do despacho de fls. 395 a 398) não fornecer à defesa os elementos que constituem a fundamentação táctica do despacho impugnado, absolutamente indispensáveis para efeitos de esta poder impugnar a justeza da aplicação e manutenção da medida de coacção da prisão preventiva, efectua uma interpretação inconstitucional do art. 86°., n°s. l, 5 a 7 e 9 e 89°., n°. 2, do CPP, violando assim, na interpretação concreta que deles faz, esses preceitos, tomando-os materialmente inconstitucionais, por violação dos princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade, da garantia do contraditório e da igualdade de armas, da presunção da inocência e do acesso à Justiça, consagrados nos artigos 20°., n°.l, 27°., n°. 4, 28°., n°.l e 32°., n°s. l, 2 e 5, da CRP; II - O mesmo despacho, ao assim decidir, viola também o artigo 5°. §2°. e §4°. Da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que prevalece sobre o direito interno, nos termos do artigo 8°., da CRP; III - O despacho ora recorrido, ao manter a prisão preventiva do arguido após efectivação do reexame da subsistência dos pressupostos em 18.12.2003, seis dias antes do término do prazo de três meses, e por iniciativa do Arguido, contrariamente ao estatuído no art. 213°., do CPP, que terminava em 24.12.2003, violou, por errada interpretação e aplicação, aquele preceito legal, o qual, na interpretação concreta que dele fez o despacho recorrido, sofre de manifesta ínconstitucionalidade material, pêlos princípios constitucionais da legalidade, da subsidariedade e da presunção da inocência, previstos nos artigos 28°., n°. 2 e 32°, n°s. l, 2 e 5, da CRP; IV - Na verdade, conforme orientação unânime da jurisprudência, plasmada no Acórdão n°. 3/96, para uniformização da jurisprudência, tirado pelo pleno das Secções Criminais do STJ (DR, I Serie-A, n°. 63, de 14.03.96), o reexame antecipado do art. 213°., n°.l, do CPP, não serve para manter a prisão preventiva, mas sim para a substituir ou revogar; V - Não tendo sido indicados nem fornecidos ao arguido - não obstante ter por ele sido formulado pedido nesse sentido - outros elementos que não os constantes dos documentos n°s. l a 3, que se juntam com a presente motivação, têm que se haver por inexistentes quaisquer outros que, abstractamente invocados, não possam concretamente ser conhecidos pelo arguido; VI - Também no acto da detenção do arguido não lhe foram comunicadas as provas que fundamentaram tal detenção, nem lhe foram expostos ou concretizados, em todas as suas circunstâncias, os factos que lhe são imputados, a fim de ele poder elaborar a sua defesa em toda a sua plenitude, designadamente com a elaboração fundamentada de recurso com vista à revogação da medida, pelo que continua o despacho recorrido a violar, como já o primeiro violou, o teor do art°. 141°., n°s. l e 4, do CPP, os quais, na concreta interpretação que deles foi feita pelo despacho recorrido, padecem do vício de Ínconstitucionalidade material por violação do princípio constitucional da legalidade e da proporcionalidade previsto no art. 28°., n°. l, da CRP.

VII - Por outro lado, não pode fundamentar-se a verificação do mesmo conceito (fortes indícios, para efeitos do disposto no art.º. 202°., n°.l, alínea a), do CPP), como faz o douto despacho recorrido.

VIII - Também os próprios elementos de prova indicados no douto despacho recorrido e conhecidos da defesa, ou são completamente vazios e inócuos para o fim pretendido, ou são insuficientes, ambíguos, vagos, dubitativos e contraditórios, sempre absolutamente inadequados para fundamentar a evidência do conceito de fortes indícios e, consequentemente, a aplicação da medida de prisão preventiva; IX - Pelo que, e concluindo nesta parte, não pode deixar de considerar-se que o douto despacho recorrido, por errada interpretação e aplicação, viola claramente o disposto no art. 202°., n°. l, ai. a), do CPP, por fazer funcionar tal preceito prescindindo da base de sustentação segura que o seu texto e o seu espírito exigem; X - Também não existem quaisquer elementos que permitam vislumbrar sequer a possibilidade de existência dos perigos consagrados nas alíneas b) e c) do art°. 204°., porquanto a actuação do arguido, ao contrário do que conclui o douto despacho recorrido, sempre se disponibilizou a colaborar com a Justiça, na descoberta da verdade.

XI - E com base neste manifesto erro de facto e com base nas conversas de terceiros - a que o arguido é completamente alheio e que, aliás, nenhuma relevância têm para os autos - que se considerou haver o perigo por parte deste (?), de perturbação do inquérito ou da tranquilidade pública, apesar de se encontrarem reconhecidamente excluídos, no caso concreto, tanto o perigo de fuga como o da continuação da actividade criminosa; XII - Quanto à prova referenciada de fls. 308 a 320 - a que o arguido não teve acesso, onde se poderão incluir escutas telefónicas, diga-se que nunca as escutas possivelmente invocadas poderiam funcionar ou serem utilizadas para fundamentar a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, por a tal se opor o disposto no art°. 187°., n°. l, do CPP, que só prevê a sua excepcional utilização como meio de aquisição de prova com vista à averiguação da verdade material e não para quaisquer outros fins, mesmo que instrumentais; XIII - Pelo que, na interpretação concreta que lhe foi dada pelo despacho recorrido (e pelo primeiro pelo qual pende recurso), sofre aquele preceito (art°. 187°., n°.l) do vício de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da presunção de inocência previstos nos artigos 28°., n°. 2 e 3 e32°., n°s. l e 2, da CRP; XIV - Assim, e por tudo quanto atrás se deixa exposto e factualmente o douto despacho recorrido reconhece, não existe, no caso vertente, fuga ou perigo de fuga (art°. 204°., alínea a), do CPP); não há perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova, porque ela se encontra protegida nos autos (art°. 204°., ai. b), do CPP), não podendo por isso haver perturbação do inquérito ou da instrução do processo por parte do arguido, já que este é alheio a actos de terceiros; XV - Assim, e face a tudo quanto se deixa alegado, verifica-se também que o douto despacho recorrido, ao aplicar a medida de prisão preventiva, violou claramente o princípio da adequação e proporcionalidade previstos no art°. 193°., n°. l, do CPP, por as exigências cautelares do caso afastarem completamente a necessidade de tal medida; XVI - E, com a aplicação de tal medida cautelar, viola claramente, por errada interpretação, não só aquele princípio de adequação, mas também o princípio da subsidariedade consagrado no art°. 193°., n°. 2, e 202°., n°. l, ambos do CPP, pois que sendo a prisão a extrema ratio das medidas de coacção, qualquer outra medida menos gravosa, nomeadamente as que são previstas nos artigos 196°., 197°., 198°. e 200°., do CPP, estariam em condições de defender os mesmos interesses com que aquela se visa proteger, sendo mesmo o douto despacho a reconhecer expressamente que a medida por ele adoptada não acautela totalmente os interesses em jogo, o que constitui mais uma razão...

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