Acórdão nº 0120899 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Junho de 2001

Magistrado ResponsávelAFONSO CORREIA
Data da Resolução26 de Junho de 2001
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na Relação do Porto Maria Teresa....., Francisco....., Filipe S..... e Maria João....., residentes na Rua....., ....., intentaram acção declarativa, sob a forma sumária, contra A....., S.A., com sede na Rua...., ...., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de Esc. 50.444.890$00, sendo 50.444.890$00 por danos patrimoniais e 7.500.000$00 por danos não patrimoniais, pedido mais tarde (fs. 201 a 203) ampliado com actualização baseada na taxa de inflação ano a ano publicada pelo INE entre a data do sinistro e a data da apresentação da petição inicial, acrescida de juros a contar do início da instância até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alegam, em síntese, que no dia 5 de Junho de 1991, na estrada espanhola que liga Portugal a Burgos, o veículo segurado na companhia de seguros ora R. e em que era transportado o Filipe...., marido e pai dos AA, sem que nada o fizesse prever, invadiu a hemifaixa contrária; e que a condutora do veículo, quando se apercebeu do facto, guinou abruptamente para a direita, travou, guinou abruptamente para a esquerda e depois novamente para a direita, perdendo, nessa altura, o controlo do veículo, que saiu fora da estrada e capotou, o que causou a morte daquele seu passageiro, Filipe....., marido da 1 A. e pai dos 2° a 4 ° AA.

Contestando, a R. invocou a incompetência internacional do Tribunal português para conhecer do pleito, a prescrição do direito de indemnização e alegou que a condutora do veículo foi absolvida por sentença de 11 de Dezembro de 1991 proferida em procedimento criminal; que a vítima era transportada gratuitamente no veículo; e que, contra o pagamento de oito milhões de pesetas, a 1ª A., por si e em nome dos seus filhos, considerou-se totalmente indemnizada. Acrescentou desconhecer boa parte dos factos e que sempre seriam exagerados os montantes pedidos.

Os AA. apresentaram resposta à contestação, alegando que só tiveram conhecimento da sentença de absolvição em Junho de 1993; que a 1ª A. requereu, a 7 de Julho de 1993, que fosse ditado Auto de Quantia Máxima mas nunca mandatou José..... para considerar os AA. completamente indemnizados.

Foi julgada improcedente, com trânsito, a invocada excepção de incompetência do Tribunal português - fs. 61-63.

No saneador relegou-se para final o conhecimento da excepção peremptória da prescrição. A condensação operada não foi objecto de reclamação.

Aquela ampliação do pedido não foi admitida (fs. 230) por despacho de que os AA agravaram (fs. 260), recurso recebido para subir em diferido e com efeito meramente devolutivo (fs. 261) devidamente alegado (fs. 274 e ss) e contra-alegado (fs. 288 e ss), parcialmente reparado por forma a manter o decidido na parte que não admitiu a actualização entre a data do acidente e a propositura da acção, mas admitindo o pedido de juros (fs. 299).

Notificada desta reparação, a Seguradora Ré fez uso do disposto no n° 3 do art. 744° do C PC, requerendo que o agravo subisse tal como está e passando ela a ocupar a posição de Agravante relativamente ao (admitido) pedido de juros (fs. 308), o que foi deferido (fs. 312).

Procedeu-se a julgamento com intervenção do Tribunal Colectivo que respondeu à matéria perguntada no questionário, sem reclamações, após o que o Ex.mo Juiz proferiu sentença que, considerando não haver culpa da condutora do veículo e vista a redacção, ao tempo, do art. 504°, n° 2, do CC, julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.

Inconformados, apelaram os AA a pedir a revogação do decidido e condenação da Ré nos precisos termos formulados, como se vê da alegação que coroaram com as seguintes Conclusões A) - À data do sinistro a Directiva n° 90/232/CEE, de 14 de maio de 1990, porque plena e automaticamente recepcionada pelo nosso ordenamento jurídico, encontrava-se já a produzir efeitos na nossa ordem interna, nos termos do n° 3 do artº 8° da Constituição da República Portuguesa; B) - Pelo que, nos termos do artigo 1º daquela directiva comunitária, o seguro de responsabilidade civil atinente à circulação de veículos terrestres deve cobrir a responsabilidade por danos pessoais de todos os passageiros, com excepção dos sofridos pelo condutor; C) - Teria assim o juiz nacional, de acordo com o acórdão Simmenthal de 6 de Março de 1979, de afastar qualquer disposição contrária da legislação nacional, mormente o n° 2 do Código Civil, sem pedir ou sem esperar pela eliminação prévia desta pela via legislativa ou pelo processo constitucional apropriado; D) - Será assim tal regra nacional incompatível com o direito comunitário, tendo o tribunal recorrido obrigação de não aplicar o mencionado n° 2 do artigo 504°, sob pena de inconstitucionalidade; E) - Verifica-se assim in casu uma presunção de culpa da condutora do veículo sinistrado - nos termos do art. 503° do Código Civil; F) - A não ter decidido de tal forma, o tribunal recorrido aplicou uma norma - n° 2 do art 504° do Cód. Civil - que colidia com aquela norma comunitária, violando de tal forma não só a directiva n° 90/232/CEE de 14 de Maio de 1990, bem como o disposto nos art.s. 2°, 9° b), 8° n° 3, 12°, 16° e 204°, todos da C.R.P.; G) - Na apreciação das circunstâncias de tempo, lugar e sequência em que ocorreu o acidente sub judice há que atentar na matéria fáctica dada como provada nos pontos 1 a 6, bem como o teor dos documentos de fls. 106 a 109 e 216 a 223; H) - Donde se conclui ter tal acidente ocorrido em virtude da condutora do veículo sinistrado, sem que nada o fizesse prever, ter invadido a faixa de rodagem de sentido contrário, ultrapassando o risco contínuo que delimitava as faixas ali existentes; I) - Bem como do facto daquela condutora, apercebendo-se de tal facto (estaria distraída ???), ter guinado de forma abrupta para a direita, para a esquerda e novamente para a direita, perdendo o controle do mesmo, -saindo fora da estrada, capotando e imobilizando-se cerca de 24 metros fora da estrada; J) - Existe assim culpa da condutora do veículo sinistrado na violação das mais elementares regras de previdência, diligência e perícia, pelo que está a mesma obrigada a indemnizar o passageiro ainda que transportado gratuitamente - vide acórdão do S.T.J. de 6 de Julho de 1993 in C.J. 5 11-186; K) - Ao decidir como decidiu o tribunal recorrido não se socorreu, como lhe competia, das regras práticas da experiência, nos princípios da lógica, como lhe competia, decidindo peremptoriamente não haver qualquer acto humano como causa do acidente, violando, entre outros, o disposto no artº 349 do Cód. Civil e alínea c) do n° 1 do art. 668° do Cód. de P. Civil; L) - Verificam-se assim os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, existindo uma presunção de culpa da condutora do veículo sinistrado (presunção aquela que a ora apelada não logrou ilidir).

M) - Acresce que dos presentes autos nada resulta que o empréstimo do veículo sinistrado tenha sido a título gratuito conforme resulta da douta sentença recorrida, nem tão pouco se o foi mediante a celebração de um qualquer contrato; N) - Encontrando-se tal matéria de facto devidamente fundamentada, o que se requer seja ordenado nos termos do disposto no n° 5 do artigo 712° do Código de Processo Civil; O) - Por último sempre se dirá que a decisão recorrida violou o disposto na alínea d) do n° 1 do artigo 668° do citado diploma legal porquanto deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar .

Contra-alegou a Seguradora para afirmar a sem razão dos Apelantes porque: - à data do acidente ainda não estava esgotado o prazo para o Estado Português transpor a Directiva 90/232/CEE, de 19 de Maio de 1990, prazo que se estendia até 31 de Dezembro de 1995; daí que se não verificava, até ao limite deste prazo, o efeito directo pretendido; - não é possível alterar a decisão sobre a matéria de facto e desta não resulta que a saída da faixa de rodagem se tenha ficado a dever a conduta culposa ou anti-regulamentar da condutora; - provado que o veículo foi emprestado, é claro que o transporte era gratuito; - o conhecimento das restantes questões mostra-se prejudicado pela decisão proferida.

A fs. 394 vieram os AA esclarecer que a invocada omissão de pronúncia se referia às excepções da prescrição e extinção da obrigação pelo cumprimento, como decidido na parte final da sentença.

Temos, pois, para decidir o agravo do despacho que parcialmente reparou anterior indeferimento da ampliação do pedido e, em consequência, admitiu a ampliação quanto aos juros, recurso em que é agravante a antes agravada Seguradora (art. 744°, n° 3, in fine) também apelada. Só se conhecerá deste agravo se, interessando ele à decisão da causa, a sentença não for confirmada - art. 710°, n° 1, do C PC.

A decisão da Apelação supõe a resolução das seguintes questões: I - Inaplicabilidade do n° 2 do art. 504 ° do CC, na redacção vigente ao tempo do acidente, sob pena de inconstitucionalidade, antes devendo aplicar-se a Directiva n° 90/232/CEE, de 14 de Maio de 1990, que já então produzia efeitos na ordem interna, nos termos do n° 3 do art. 8° da Constituição - conclusões A) a D) e F); II - Culpa efectiva ou presumida da condutora do veículo - conclusões E), J), K) e L); III - Apreciação da decisão sobre a matéria de facto - conclusões G a I e N); IV - Gratuitidade do transporte - conclusões M) e N); V - Nulidade da sentença, nos termos das al. c) e d) do n° 1 art. 668° do CPC - -conclusões K) e 0).

Mas antes veremos que o Tribunal recorrido teve por assentes os seguintes Factos: 1- No dia 5 de Junho de 1991, pelas 21H15, ao Km 259,750 da Estrada n° 620, que liga Burgos a Portugal, ocorreu um acidente de viação (A).

2 - No dia e hora indicados, circulava pela referida estrada, no sentido Portugal - -Burgos, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula JI-..-.., conduzido por Maria José..... e pertencente a José..... (B).

3 - Inesperadamente, o veículo despistou-se, capotou e imobilizou-se cerca de 24 metros fora da estrada (C), apoiado sobre o capot e com as rodas voltadas...

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