Acórdão nº 0240099 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelTORRES VOUGA
Data da Resolução24 de Março de 2004
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam, em audiência, os juizes da 4ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: No processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, que correu termos sob o nº ..... no ... Juízo do Tribunal da Comarca de ...., A ............. foi submetido a julgamento, mediante acusação do MINISTÉRIO PÚBLICO, tendo sido, a final, condenado, como autor material de um crime consumado de homicídio por negligência, agravado pelo resultado, p. e p. pelo artigo 137º, nº 1, do Código Penal, na pena de quinze meses de prisão (declarada, todavia, suspensa na sua execução pelo período de três anos), bem como na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de doze meses (ao abrigo do disposto no art. 69º, nº 1, al. a), do Código Penal), sendo, porém, absolvido do crime de ofensa à integridade física por negligência p. e p. pelo artigo 148º, nºs 1 e 3, do Código Penal (que lhe era igualmente imputado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO).

Inconformado com tal condenação, recorre da respectiva sentença, formulando, a rematar a sua motivação, as seguintes conclusões: "1 - Da transcrição dos depoimentos registados magnetofonicamente supra feitos na motivação e ainda dos que estão registados nas restantes cassetes e a que a Mm.a Julgadora não deu qualquer relevo ou importância por os considerar contraditórios e não sérios, resulta ter havido uma apreciação da prova incorrecta e não conforme aos critérios estabelecidos no artigo 127º do C.P.P.; 2 - Para além disso, a prova que foi tida em consideração não se revela suficiente para suportar a decisão; 3 - Os depoimentos das testemunhas que não foram tidos em consideração pelo Tribunal "a quo" merecem tanta consideração e aceitação como aqueles que resultam das transcrições acima feitas, que aliás, são vagos, inconclusivos, confusos e hesitantes, em termos tais que não conseguem explicar o acidente; 4 - As três primeiras testemunhas de acusação têm laços de parentesco com a vítima, tal como o têm as pessoas que acompanhavam o arguido e depuseram na audiência de julgamento; 5 - No entanto, àquelas foi dado crédito e relevo e a estas atribuiu-se contradição e não seriedade; 6 - Todavia, salvo o depoimento confuso e inconsequente do B ........, ninguém mais, para além das acompanhantes do recorrente, viu o embate; 7 - Face às sérias dúvidas que tais depoimentos suscitam quanto ao modo como ocorreu o acidente, impunha-se a absolvição do arguido, em conformidade com o princípio in dubio pro reo; 8 - De qualquer modo, e em sede de matéria de direito, não se pode qualificar a conduta do arguido como integrando o elemento constitutivo do tipo de culpa negligente, tal como ele é traduzido pelo artigo 15º do Código Penal, pois tal conduta, tal como resulta da matéria de facto provada, não exprime uma personalidade leviana ou descuidada que não seria de esperar dele e que por isso não respondeu às exigências do cuidado objectivamente imposto e devido; 9 - Com efeito, a matéria de facto em causa não resulta clara e indubitavelmente que o arguido tenha agido com manifesta falta de atenção, de cuidado e destreza e revele negligência e inconsideração; 10 - É que, não se mostrando provado que o ciclomotor onde circulava a vítima tivesse as luzes acesas e não tendo sido possível apurar as circunstâncias que levaram o veículo conduzido pelo arguido a invadir a hemi-faixa de rodagem contrária, é legítimo questionar se o acidente se não poderia imputar quer ao próprio condutor do ciclomotor, quer a terceiro, quer a caso fortuito estranho ao funcionamento do veículo (encandeamento, pneu rebentado, etc.); 11 - À luz dos parâmetros estabelecidos nos artigos 69º, n.º 1, al. a), 70º e 71º do Código Penal e em face do apurado, deveria optar-se por uma pena pecuniária em detrimento da de prisão e nunca superior a 180 dias e respectiva taxa diária, sem qualquer pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pois aquela satisfaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e satisfaria as exigências de reprovação e prevenção do crime; 12 - Violou, portanto, a douta decisão recorrida os artigos 15º, 69º, n.º 1, al. a), 70º, 71º e 137º, n.º 1, do Código Penal, 3º, 13º e 24º do Código da Estrada e 127º do Código de Processo Penal.

Termos em que deve o recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que absolva o arguido do crime de que vem acusado ou, se assim não se entender, se condene o mesmo na pena de multa não superior a 180 dias e respectiva taxa diária, com a consequente revogação da condenação na proibição de conduzir veículos motorizados, tudo com as legais consequências".

O MINISTÉRIO PÚBLICO contra-alegou, ainda na 1ª instância, pugnando pela improcedência do recurso e concluindo do seguinte modo a sua contra-motivação: "1 - A douta sentença recorrida não violou qualquer disposição legal, fazendo uma correcta apreciação da prova resultante da audiência de julgamento.

2 - A tese propugnada pelo arguido ora recorrente não colheu nem pode colher, na medida em que, quer as declarações do arguido, quer as da sua esposa, cunhada ou irmã, bem assim como das testemunhas C ...... e D ....... se descredibilizam por si próprias, dada a forma contraditória e pouco credível como descreveram os factos e as incongruências que dela resultam.

3 - Por outro lado, a própria versão em si não é compatível com os dados e vestígios objectivos existentes no local do embate e recolhidos nos autos e, muito menos, com as regras da experiência comum.

4 - Acresce que, a versão descrita nos factos provados da sentença em apreço, tem acolhimento na prova produzida em audiência, não existindo contradições essenciais entre os depoimentos das testemunhas que fundamentaram a decisão de facto proferida, nem são contrários aos vestígios objectivos recolhidos e às regras da experiência.

5 - O arguido conduzia em infracção aos normativos que regem o trânsito rodoviário, designadamente os arts. , 13º e 24º do Código da Estrada em vigor à data dos factos, de forma desatenta e descuidada e, por tal facto, podia prever a possibilidade de provocar resultados danosos em terceiros.

6 - Tendo actuado, assim, de forma descuidada e negligente.

7 - In casu, exige-se a aplicação ao arguido de uma pena de prisão, dadas as fortíssimas exigências de prevenção geral que importa acautelar e a exigência da comunidade de uma punição mais severa para este tipo de crimes.

8 - De resto, no caso, também assinalamos exigências de prevenção especial acima da média, dada a postura de alheamento e desinteresse demonstrada pelo arguido na audiência, manifestando carências de re-educação para o direito.

9 - Por outro lado, as regras para a determinação da pena acessória são as mesmas da pena principal, embora existam factores que devem ser mais valorados numa que noutra.

10 - Esta pena acessória tem como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução e como pressuposto material a circunstância de, ponderados todos os aspectos relativos ao facto e à personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável, pelo que essa circunstância vai elevar o limite da culpa pelo facto.

11 - Atenta a gravidade dos factos praticados e as suas gravíssimas consequências, o elevado grau de ilicitude e da culpa do agente pelo facto e as exigências de prevenção geral e especial, a medida da sanção acessória afigura-se nos mui doutamente determinada.

12 - Não foi desrespeitado por qualquer forma o estatuído nos artºs 15º, 69º, nº 1, al. a) 70º, 71º e 137º, nº 1 todos do Código Penal e bem assim os artºs 3º, 13º e 24º do Código da Estrada e 127º do Código de Processo Penal.

Também o Assistente E ......... contra-alegou, ainda na 1ª instância, pugnando igualmente pela improcedência do recurso e concluindo assim a sua contra-motivação: "1 - Pela análise de toda a prova produzida em audiência de julgamento e atendendo às normas da experiência de condução de veículos, não existem dúvidas de que a dinâmica do acidente se processou pela forma descrita na sentença; 2 - Desta forma, a pena aplicada ao arguido está adequada ao seu grau de culpabilidade, cumprindo-se assim o fim de prevenção geral e especial." Nesta instância, o MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso, aderindo, in totum, à linha contra-argumentativa desenvolvida na contra-motivação apresentada na 1ª instância pelo mesmo sujeito processual.

Colhidos os vistos e efectuada a audiência prevista nos arts. 421º, nºs 1 e 2, e 429º do CPP, cumpre apreciar e decidir.

FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: 1) No dia 28 de Março de 1997, cerca das 20.00 horas, no lugar da ...., ....., ......, o arguido conduzia o seu veículo ligeiro de passageiros, marca "Toyota Starlet", de matricula ..-..-AT, na E.N. nº 207, no sentido de marcha Lousada/Paços de Ferreira.

2) Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, circulava o ciclomotor de matrícula ..-LSD-...-..., conduzido por B........., levando como passageira F......., sua mãe, no sentido de marcha Paços de Ferreira/Lousada.

3) À frente do ...-LSD, a cerca de 20 metros, circulava um outro ciclomotor, conduzido por E......... , marido e pai de B ........... e F ............, respectivamente, com as luzes ligadas.

4) O arguido circulava a uma velocidade superior a 50 (cinquent

  1. Kms/hora.

    5) O ..-LSD-..-... circulava a uma velocidade de 40/50 Km/hora, na sua mão de trânsito, e sensivelmente a meio da sua hemi-faixa de rodagem.

    6) Circulando à velocidade acima referida, e por circunstâncias que não foi possível apurar, o veículo conduzido pelo arguido invadiu a hemi-faixa de rodagem contrária àquela em que circulava, vindo aí a colidir com o ..-LSD-..-...

    7) O embate ocorreu na hemi-faixa esquerda da estrada, atento o sentido de marcha Lousada/Paços de Ferreira, a cerca de 2,80 metros da berma...

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