Acórdão nº 0344554 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Julho de 2004
Magistrado Responsável | AGOSTINHO FREITAS |
Data da Resolução | 14 de Julho de 2004 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Acordam, em audiência, na Secção Criminal (2.ª) do Tribunal da Relação do Porto: No processo comum n.º ..../99.4TDPRT, da 4.ª Vara Criminal do Círculo do Porto, após julgamento, perante tribunal colectivo, por acórdão de 05-05-2003, deliberaram os juízes, no que ora releva, o seguinte: a) condenar o arguido B.......... como autor material de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art.º 205º, n.º 1 e n.º 4, al. b), do C.Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; b) condenar o arguido B.......... como autor material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256º, n.º 1, al. b), e n.º 3, do C.Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; c) condenar o arguido B.......... como autor material de um crime de burla, p. e p. pelo art.º 217º, n.º 1, e 218º, n.º 2, al. a), do C.Penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão; d) em cúmulo, considerados no seu conjunto os factos e a personalidade do arguido B.........., condenar este na pena única de 4 (quatro) anos de prisão.
*Inconformado, o arguido interpôs recurso, extraindo da correspondente motivação (após convite para resumir as razões do pedido - art.º 412.º, n.º 1, do CPP) as seguintes CONCLUSÕES:
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Nos presentes autos foi o arguido acusado e condenado, entre outros, por um crime de abuso de confiança p. e p. pelo Art° 205° n° 1 e n° 4 alínea b) do C. Penal, sendo que os factos objecto desta acusação e condenação ocorreram entre Novembro de 1998 e Junho de 1999 e por sentença transitada em julgado, cuja cópia está junta aos autos, proferida no âmbito do processo n° .../99.0 TDPRT da 1ª Vara deste Tribunal, o arguido foi condenado como autor de um crime de abuso de confiança qualificado p. e p. no Art° 205º n° 4, alínea b) do C.P., na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa a sua execução por três anos.
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Em ambos os processos é lesada a entidade patronal do arguido, e tendo os factos acorridos no mesmo período temporal, há assim identidade entre este thema probandum da acusação proferida nos presentes autos e o thema decidendum da decisão em confronto, e é quanto basta para que haja de concluir-se pela verificação da excepção de caso julgado.
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Os factos destes autos inserem-se naturalisticamente na sequência histórico-concreta evidenciada pelos factos pelos quais o arguido foi julgado e condenado, com efeito não obstante a maior amplitude temporal e a mais circunstanciada concretização da conduta que se imputa no âmbito dos presentes autos, quando comparada com a actuação que sustentou a condenação imposta no âmbito do já referido processo, o certo é que se trata do mesmo desígnio criminoso, o qual juntamente por corresponder a um único processo resolutivo , conduz ao reconhecimento da prática de um só crime, sabido como é, que o bem jurídico alegadamente violado não tem natureza pessoal.
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Daí que se por parte das condutas em que se desenvolve esse único crime, se organizou um processo autónomo, se deduziu acusação e se submeteu o arguido a julgamento, torna-se claro que a partir do momento em que uma sentença transitada em julgado tenha apreciado tais parcelares condutas e por elas o tenha condenado como autor de um crime de abuso de confiança qualificado, não pode o arguido ser julgado e condenado pelas restantes condutas que integram o mesmo crime, sob pena de o estar a ser julgado mais uma vez, efeito vedado pelo Art° 29° n° 5 da C. R. P.
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Assim mercê da condenação definitiva no âmbito daquele processo proferida pela 1ª- Vara, consumiu-se por força do caso julgado, o poder punitivo do Estado, seguindo-se como consequência a extinção definitiva, por desaparecimento dos respectivos objecto e fundamentos da lide processual penal, pelo que dado a verificação da excepção de caso julgado, deverá declarar-se extinto o procedimento criminal.
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Foi violado o Art° 29° n° 5 da C. R. P.
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Acresce que da decisão recorrida apenas consta os factos provados, não constando os factos não provados, pelo que a matéria alegada pelo arguido em sua defesa, que continha factos, deveria integrar na decisão factos provados ou não provados, o que significa que o Tribunal recorrido nem sequer se pronunciou sobre os factos alegados pelo arguido em sua defesa.
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Foi assim omitido um requisito essencial da decisão tal como obriga o disposto no Art° 374° n° 2 do C.P.P., estando tal decisão ferida de nulidade nos termos do Art° 379° n° 1 alínea a) do C.P.P.
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O arguido praticou um único crime, na verdade da matéria factual apurada resulta claro que o mesmo deverá ser absolvido da acusação na parte em que lhe fora imputado a prática de um crime previsto e punido pelo Artº 256° n° 1, alínea a) e n°3 do C.P. em concurso real como crime de burla., na verdade dos autos resulta que o arguido preencheu o crime de burla, mas este crime foi cometido com recurso a um acto também jurídico-penalmente relevante: a utilização de cheques cujos nomes do beneficiário foi falsificado, agindo o arguido como fosse o verdadeiro titular dos mesmos.
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Para o B.......... a decisão de produzir um cheque falso por via da alteração da pessoa á ordem de quem os cheques foram emitidos e a de entregar ao banco para obter do mesmo a quantia inserta nos mesmos, é uma e única. O desiderato do agente é o de obter a quantia titulada pelos cheques.
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Há uma única resolução criminosa que determina uma equivalente unicidade ao nível do crime cometido, a existência de uma resolução criminosa traduzida numa sucessão de actos cuja proximidade temporal revela a inexistência de uma renovação do respectivo processo de motivação, impede que se conclua que estamos perante um concurso efectivo de crimes, isto é uma pluralidade de infracções.
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Punir as duas condutas - a de falsificação e a de burla - corresponde à punição dupla do agente pelo mesmo facto o que consubstancia a violação do principio básico consagrado no Art° 29° n°5 da C. R. P. e a esta conclusão não se pode opor a diversidade de bens jurídicos tutelados, é que existe uma relação de consunção entre os dois tipos de crime, e não exige que ambos se destinem a proteger o mesmo bem jurídico.
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A moldura da pena estabelecida no Art° 217° e 218° do C. P. já incorpora em si a penalização de todo o comportamento burloso qualquer que seja o meio utilizado para a prática daquele tipo de crime, assim a falsificação de documentos é realizada como meio para atingir o crime de burla, os actos de falsificação dos cheques são meros instrumentos de comissão do subsequente crime de burla.
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O arguido só deverá ser punido pela prática de um crime de burla dada a relação de consunção e ainda pelo facto de ter havido unidade de resoluções criminosas pois o agente falsificou para burlar.
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Foi violado os Art°s 29° n° 5 da C. R. P. e Art° 30°do C. P.
Atentando-se pois nas equacionadas questões daí fazendo derivar as correctas e legais consequências, fixando-se quando menos um acervo fáctico e de direito, gerador da absolvição do arguido da acusação na parte em que lhe foi imputada a prática de um crime de abuso de confiança e de um crime de falsificação de documento, que se tem como inquestionável e irreversível, alcançarão V. EXa(s), seguramente, A COSTUMADA JUSTIÇA.
*O recurso foi admitido pelo despacho de fls. 407.
Cumpridas as notificações legais, o Ministério Público apresentou desenvolvida resposta, rebatendo as questões essenciais levantadas pelo recorrente: caso julgado, consumpção de crimes e nulidade da sentença.
Relativamente à excepção de caso julgado, a Ex.ma Procuradora da República, confrontando a factualidade vertida no acórdão ora recorrido [n.os 1, 2, 4, 5, 6, 7, 7.1, 7.2, 7.3, 7.4, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, do processo n.º ..../99.4TDPRT, 4.ª Vara Criminal do Porto] e a factualidade vertida no acórdão invocado pelo recorrente [n.os 3.a), b),c) d), e) do processo n.º ..../99.0TDPRT, 1.ª Vara Criminal do Porto] no qual, por decisão de 15-07-2002, transitada em julgado, foi condenado como autor material de um único crime de abuso de confiança na pena de dois anos e seis meses de prisão, com execução suspensa por três anos (cf. certidão de fls. 818-824), pronunciou-se no sentido de que, havendo embora conexão entre os factos, os mesmos carecem de contemporaneidade, e são fruto de uma diversa resolução criminosa, pelo que estamos perante crimes diferentes.
Quanto à questão da consumpção de crimes - que determinaria que o recorrente fosse absolvido do crime de falsificação de documento por a falsificação dos cheques não ter passado de um mero meio para cometer o crime de burla, não podendo ser condenado pelos dois crimes (falsificação e burla) sob pena de violação do princípio "ne bis in idem" consagrado no art.º 29°, n.° 5, da CRP - a Ex.ma Magistrada convoca o assento n.º 8/2000, de 4/5/2000, no qual foi fixada jurisprudência no sentido de entre os crimes de falsificação e burla, p. e p. pelos art.os 256.°, n.° 1, a), e 217.°, n.° 1, CP/95, se verificar concurso real ou efectivo de crimes.
No que concerne à invocada nulidade do acórdão - por dele não constarem os factos não provados como o exige o art.º 374°, n.° 2 do CPP - a Ex.ma Magistrada refere-se à acta de julgamento de fls. 815-816, onde consta o despacho relativo à confissão do arguido e à dispensa de produção de prova, com excepção da inquirição de uma testemunha, não havendo a enumerar factos não provados, considerando que não se verifica a apontada nulidade.
Assim, conclui que se deve negar total provimento ao recurso, confirmando-se na íntegra o acórdão recorrido. ( fls. 411-419).
*A Assistente C.........., notificada das motivações e conclusões reformuladas pelo arguido B.........., ofereceu elaborada resposta às questões que fundamentam o recurso, concluindo que se deve negar total provimento ao recurso, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido (fls. 458-5629).
*Nesta instância, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, abordando de forma exaustiva as questões suscitadas no âmbito do presente recurso, exarou brilhante e...
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