Acórdão nº 0531662 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Abril de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelGONÇALO SILVANO
Data da Resolução21 de Abril de 2005
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: I- Relatório B.......... e mulher C.......... intentaram acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra D.......... e E.........., pedindo que os réus sejam condenados: a)A reconhecer o seu direito de propriedade sobre o prédio identificado na petição; b)A reconhecer que, por acordo entre os Autores, como senhorios, e a Ré, como inquilina, cessou em 31 de Janeiro de 2001 o contrato de arrendamento celebrado; c)A verem declarada a ilicitude da detenção que vêm exercendo sobre a aludida fracção; d)A entregarem de imediato a referida fracção, livre e desembaraçada de pessoas e coisas; e)A pagarem-lhes, a título de indemnização, a quantia certa e líquida de Esc. 100.000$00, acrescida da importância de Esc. 50.000$00, mensais, desde 1 de Abril de 2001, inclusive, até efectiva desocupação e entrega da fracção, para além do pagamento das custas e procuradoria condigna.

Alegaram para tanto e em síntese, o seguinte: -que são donos e legítimos possuidores da fracção autónoma designada pela letra "I", correspondente ao 2ª andar frente, do prédio com entrada pelo n.º ... da Rua .........., freguesia de .........., concelho de .........., Inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5776º "I"; -que em 1 de Junho de 1979, deram de arrendamento à aqui Ré, para sua habitação, a aludida fracção; -que, em 6 de Dezembro de 2000, acordaram com a Ré em pôr termo ao aludido contrato de arrendamento, obrigando-se esta a entregar-lhes a fracção até 31 de Janeiro de 2001; -que a Ré até à presente data não entregou a fracção, conforme se tinha obrigado; -que a fracção se encontra ocupada pelo 2º Réu, que se recusa a abandoná-la; -que, com tal conduta, os RR. causam-lhes prejuízos, por os impedir de vender a fracção livre e devoluta ou dá-la de arrendamento, com o que obteriam um rendimento médio mensal não inferior a Esc. 50.000$00, desde 1 de Fevereiro de 2001.

Em contestação a Ré D.........., impugnou parcialmente a factualidade invocada pelos Autores e pediu, em sede de reconvenção, que se reconheça que a contestante e o co-réu viveram em união de facto durante 9 anos e até Agosto de 1998, para além da anulabilidade do acordo de revogação ou a sua nulidade por constituir abuso de direito por parte dos Autores.

Também o co-Réu E.......... contestou a acção e sustentou que com esta acção intentada existe abuso de direito por parte dos Autores, na modalidade de venire contra factum proprium.

Pediu também a condenação dos Autores como litigantes de má fé, em multa e no pagamento de uma indemnização a favor de ambos os Réus.

Houve réplica, onde os Autores, impugnando a factualidade alegada pelos Réus quer relativamente à reconvenção quer quanto às excepções deduzidas pelo co-réu, pedindo por sua vez também a condenação dos Réus em multa e em indemnização a seu favor, por litigância de má fé.

Na tréplica a Ré D.........., impugnou a factualidade constante da réplica.

Após instrução do processo e realização de audiência de julgamento veio a ser proferia sentença, julgando-se a acção parcialmente provada e procedente e, em consequência: a)Condenaram-se os Réus a reconhecerem o direito de propriedade dos Autores sobre a fracção autónoma designada pela letra "l", correspondente ao 2° andar frente, do prédio com entrada pelo n° ... da Rua .........., freguesia de .........., concelho de .........., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5776.

  1. Condenaram-se os Réus a entregar aos Autores a identificada fracção livre de pessoas e coisas.

  2. Condenaram-se solidariamente os Réus D.......... e E.......... a pagar aos Autores, a título de indemnização, a ser liquidada em sede de execução de sentença, o montante global correspondente ao valor mensal de € 199,52 (cento e noventa e nove euros e cinquenta e dois cêntimos), desde 1 de Fevereiro de 2001 até efectiva entrega da fracção aos Autores.

    d)Condenou-se ainda, cada um dos Réus no pagamento de uma multa de 4 UC´s por terem litigado de má fé, bem como, solidariamente, no pagamento de uma indemnização a favor dos Autores no valor de € 2.000,00 (dois mil euros).

    2) Julgou-se a reconvenção parcialmente procedente e, consequentemente, declarou-se que a Reconvinte e o Réu E.......... viveram em união de facto durante cerca de 9 anos e até Agosto de 1998.

    3) Absolveram-se os Autores do demais pedido em sede de reconvenção e do pedido de condenação como litigantes de má fé, formulado pelos Réus.

    Inconformada com o decidido apenas a ré D.......... recorreu, tendo concluído as suas alegações, pela forma seguinte: 1- A matéria alegada nos artigos 13 e 14 da Contestação não foi impugnada pelos Autores, recorridos, pelo que deveria ter sido aditada aos factos assentes por ter interesse para a decisão da lide, dado que respeita, por um lado, ao comando legal insíto no artigo 237.° do CC sobre a interpretação das declarações negociais nos negócios gratuitos e, por outro lado, ao conteúdo da obrigação de entrega.

    2- Também os factos constantes dos artigos, 18, 19, 20 e 43 da Contestação deveriam ter sido aditados à base instrutória, porque essenciais para a decisão da lide, tanto mais porque respeitam, quer à cognoscibilidade do erro e da verificação do dolo, quer à definição da vontade real da declarante e seu conhecimento pelos declaratórios, nos termos dos artigos 247.° e 236.°, n.° 2, do CC.

    3- Existiu, por isso, deficiência da decisão da matéria de facto, e o despacho que indeferiu a reclamação apresentada pela recorrente, quanto aos factos assinalados nas conclusões anteriores, violou o disposto no artigo 511.°, n.°s 1 e 2, do CPC, o que gera a anulação da decisão sobre a matéria de facto, com a consequente repetição, nos termos do disposto no artigo 712.° do CPC.

    4- Mesmo que assim não se entenda, é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais contidos nos artigos 36.°, n.° 1, e 13.° da CRP, a interpretação do artigo 1110.° do CC e 84.° do RAU, no sentido do acordo de transmissão do arrendamento celebrado entre a recorrente e o co-Réu em ? Agosto de 1998, cujo objecto foi a casa de morada de família onde viveram nove anos em união de facto, ser inválido por não haver lei que o permitisse, dado que tal constitui discriminação em relação às pessoas que constituem família e se unem pelo matrimónio.

    5- Para a hipótese de não ser considerado inconstitucional, sempre se dirá que a Lei 135/99, de 28/08, designadamente o seu artigo 4.°, n.° 3, se aplica ao acordo de transmissão celebrado entre a recorrente e o co-Réu e demonstrado nos autos, dado que é indiferente não existir nessa data já vida em comum entre eles quando os pressupostos essenciais são o de ter existido essa união de facto por mais de dois anos e existir uma habitação familiar a destinar, como forma de protecção da relação familiar dos aqui Réus.

    6- Aliás, o acordo ou a decisão judicial sobre o destino da habitação da família das pessoas que vivem em união de facto é sempre posterior à ruptura definitiva e não há prazo para a sua celebração nem cominação legal no sentido da extinção do direito pelo seu não exercício em determinado prazo, pelo que a subsistência da habitação familiar e do acordo celebrado entre os Réus é válida à luz das normas daquela lei.

    7- A norma constante do n° 3 do art. 4° da Lei 135/99 de 28 de Agosto dispõe directamente sobre o conteúdo das relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhe deram origem, pelo que abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor, nos termos do art. 12° do C. Civil, nada obstando à sua aplicação.

    8- Flui do exposto que a sentença sob recurso violou os normativos atrás citados, fazendo deles menos correcta interpretação e aplicação, pelo que deve ser revogada, o que conduz à procedência do presente recurso e logo à improcedência da acção dada a existência de título, arrendamento, que impede a pretendida reivindicação.

    9- No caso de assim não se entender, a condenação da recorrente no pagamento de uma indemnização aos Autores não deve manter-se pois tal resulta de um grave e clamoroso erro de julgamento.

    10- Com efeito, por um lado, não se atentou no depoimento do próprio Autor marido, que afirma que o estado de conservação da fracção não permite fruir qualquer rendimento, nem na circunstância, documentada nos autos, dessa fracção ter sido construída há pelo menos trinta e seis anos e estar arrendada há vinte cinco anos e, por outro lado, as testemunhas F.........., G.......... e H.......... não têm conhecimento de factos que permitam dar como provado que os recorridos ficaram privados de um rendimento médio mensal de 40 contos, tal como se explanou nas alegações supra.

    11- Pelo exposto, deve a resposta ao quesito 5.° ser alterada no sentido de não ser dado como provado e, muito menos, o valor que dele consta, por ter havido erro notório na apreciação da prova, nos termos dos artigos 690.°-A e 712.°, n.° 1, al. a), do C.P.C..

    12-Para além disso, e sem prescindir, tudo o que excede na sentença o limite de indemnização do dobro da renda, previsto no n.° 2 do art.º 1045.° do CC, mesmo pressupondo a mora, é ilegal pois o acordo revogatório visou extinguir uma relação locatícia e fixar uma obrigação de entrega do locado.

    13- É, aliás, expressão de abuso de direito a pretensão indemnizatória dos Autores, que a sentença, na sua quase totalidade, sufragou, dado que estes, através da fulminante celebração do acordo revogatório, com inerente obrigação de entrega num curto prazo - 54 dias - de uma fracção arrendada e ocupada por um terceiro, à qual a recorrente nem acesso tinha, não foi mais do que uma forma de tentarem obter uma contrapartida pela ocupação da fracção cinco vezes superior à que decorre do comando legal sobre a matéria e, no próprio dizer dos Autores, insusceptível de ser obtida através do mercado, dado o, por eles afirmado, estado de ruína ou destruição da fracção.

    14- Por fim, a condenação da recorrente como litigante de má fé...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT