Acórdão nº 0536429 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Janeiro de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDEOLINDA VARÃO
Data da Resolução26 de Janeiro de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B.........., LDª instaurou acção declarativa com forma de processo sumário contra C....... e D....... e mulher E....... .

Formularam os seguintes pedidos:

  1. Ser declarada a resolução de contrato de arrendamento que identifica; B) Serem os réus condenados a despejar o arrendado, entregando-o à autora livre de pessoas e bens; C) Serem os réus condenados a pagar-lhe a quantia de € 393,36, a título de rendas vencidas até 17.06.03, bem como as rendas vincendas até final.

Como fundamento, alegou, em síntese, assumir a qualidade de senhoria no âmbito de contrato de arrendamento em que os réus assumem a qualidade de arrendatários, arrendamento esse destinado ao exercício do comércio de restaurante, café, cervejaria e venda de tabacos. Os réus não pagaram as rendas respeitantes aos meses de Junho e Julho de 2003, vencidas nos dias 01 de Maio e Junho imediatamente anteriores, respectivamente. Os réus cederam a terceiros a utilização do local arrendado, sem conhecimento nem autorização da autora.

Apenas o Réu C...... contestou, nos seguintes termos: No que concerne às alegadas rendas em dívida, excepcionou o facto de a autora se ter recusado a recebê-las, tendo ainda procedido ao respectivo depósito em termos que fazem caducar o alegado direito de resolução com fundamento em falta de pagamento de rendas. Relativamente à alegada utilização do arrendado por terceiros, sustentou que ambos os réus adquiriram o estabelecimento comercial em causa em sociedade irregular, e assim utilizaram o arrendado, com conhecimento e consentimento da autora. Mais tarde, realizou-se a escritura pública da dita sociedade comercial. Há mais de um ano que a autora tem conhecimento da forma como se desenvolve a actividade no arrendado, pelo que caducou o direito da autora em pedir a resolução do contrato, nos termos do artº 65º do RAU. A pretensão da autora consubstancia abuso de direito, nos termos do artº 334º do CC.

Na resposta, a autora impugnou a alegada recusa de recebimento de rendas, assim como impugnou a demais matéria relevante de excepção, propugnando pela improcedência das excepções deduzidas.

Posteriormente, em requerimento autónomo, a autora pediu a condenação do réu contestante como litigante de má-fé em multa e indemnização.

O réu contestante respondeu ao requerimento, pedindo o seu desentranhamento.

Sobre este requerimento não recaiu qualquer despacho.

Percorrida a demais tramitação normal, foi proferida sentença que decidiu: 1 - Julgar procedente a excepção de caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento com fundamento em falta de pagamento de rendas e, em consequência, absolver os réus do respectivo pedido.

2 - Julgar improcedente o pedido de resolução do contrato de arrendamento assente no disposto no artº 64º, nº 1, alínea f), do RAU, dele absolvendo os réus.

3 - Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, no que concerne ao pedido de condenação dos réus no pagamento de rendas vencidas e vincendas, em virtude do depósito liberatório efectuado pelo réu C...... .

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes Conclusões: 1ª - No que respeita ao pedido de resolução do contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas, a decisão recorrida, ao julgar procedente a excepção de caducidade invocada pelos réus, violou o disposto nos artºs 22º e 25º do RAU.

  1. - Não lograram os réus provar que as rendas peticionadas, incluindo as que se venceram posteriormente à apresentação da petição inicial, não haviam sido pagas pelo motivo invocado nos depósitos e no artº 2º da contestação, ou seja, por recusa da autora em recebê-las, nem que tivessem comunicado o respectivo depósito à autora.

  2. - Não foi provada ou alegada pelos réus qualquer outra causa justificativa dos depósitos.

  3. - Do depósito a título condicional efectuado a 10.12.03 emerge o reconhecimento de que eles próprios, réus, caíram em mora - artº 1042º do CC.

  4. - Constituindo cada renda uma prestação autónoma e independente das restantes, impendia sobre os réus a obrigação de se apresentarem junto da autora a oferecer o seu pagamento, o que não fizeram.

  5. - A dispensa de nova oferta de pagamento da renda ou de notificação dos depósitos sucessivos ocorre apenas enquanto subsistir a causa do depósito (artº 25º, nº 1 do RAU), sendo que no caso não se provou a causa do depósito alegada pelos réus.

  6. - Razão por que os depósitos juntos aos autos não têm efeito liberatório, ex vi artºs 22º a 25º do RAU, o que acarreta a falta de fundamento da excepção invocada pelos réus e a procedência do pedido da autora nesta matéria.

  7. - Quanto ao pedido de resolução do contrato ao abrigo do disposto no artº 64º, nº 1, al. f) do RAU, a sentença recorrida, ao julgá-lo improcedente, contrariou o escopo do preceito citado, colidindo ainda a decisão com elementares regras de justiça material e com os ditames da boa fé contratual e processual.

  8. - A sentença recorrida reconhece que "…terceiros, concretamente a sociedade F......, Ldª, e a pessoa individual G........ (…), por determinação e com permissão dos réus, e sem conhecimento e autorização da autora, têm vindo a explorar estabelecimento comercial de cafetaria, pastelaria e restaurante no local arrendado".

  9. - Entende porém que tais factos são insuficientes para se concluir pela "verificação de qualquer uma das concretas circunstâncias típicas previstas na citada al. f) do nº 1 do artº 64º do RAU".

  10. - Acrescentando ainda que, no caso, a matéria provada permite uma maior aproximação à figura da cessão de estabelecimento comercial, citando, a propósito, douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que dispensa, em tal contrato, a autorização do senhorio e a comunicação do negócio a este.

  11. - No entender da apelante, deve ser rejeitada a fundamentação que levou à decisão recorrida.

  12. - O disposto no artº 64º, nº 1, al. f) do RAU está em consonância com o disposto no artº 1038º, al. f) do CC, que visa garantir ao locador que o uso ou fruição do locado não sairá da esfera jurídica do locatário, salvo permissão da lei ou do locador.

  13. - Pressupõe que o vínculo locativo é estabelecido intuitus personae, não sendo pois indiferente ao locador quem encabeça, em cada momento da relação contratual, o direito a gozar e fruir do local arrendado.

  14. - A génese histórica do artº 1038º, al. f) do CC, que constitui reprodução do artº 40º, nº 1 do projecto Galvão Teles, patente na exposição de motivos do projecto, permite concluir que o que se pretendeu impor ao locatário foi a obrigação de não facultar o uso ou fruição do locado a outrem, sob pena de resolução do contrato.

  15. - Os factos provados demonstram à saciedade que houve uma cedência ilícita do locado, e que as situações descritas de podem subsumir ao comodato - no que respeita à fruição pela sociedade - e à sublocação -, no que respeita à fruição pelo G......; mas ainda que não se aceite que os factos alegados e provados se reconduzam a qualquer uma das três situações enunciadas no artº 64º, nº 1, al. f) do RAU.

  16. - A autora cumpriu o ónus que sobre ela recaía: o de alegar e provar os factos constitutivos do direito à resolução do contrato - cessão ilícita do gozo do locado e proibição contratual da cedência.

  17. - A enumeração dos negócios jurídicos contidos no artº 64º, nº 1, al. f) do RAU e 1038º, al. f) do CC deve considerar-se exemplificativa e não taxativa.

  18. - A aceitar-se a tese do Exmª Sr. Juiz "a quo", estaria aberta a via para o locatário escapar à resolução do contrato, pois que sempre poderia ocultar, como de facto oculta na maioria dos casos, o verdadeiro negócio que estabelece com o terceiro.

  19. - Exigir do senhorio que indique concretamente qual o negócio estabelecido entre o arrendatário e o terceiro que se encontra no gozo do locado é impor-lhe um ónus na maioria dos casos de cumprimento impossível.

  20. - Como se vê dos autos, os réus ocultaram da autora os vários negócios que foram estabelecendo, tendo inclusivamente alegado (na resposta aos factos supervenientes) ser falso que o G...... estivesse a usufruir o local, quando este o vinha fazendo, com permissão e por determinação daqueles, desde 01.08.03, por conseguinte desde data anterior à apresentação da contestação.

  21. - Assim é que deve entender-se que basta alegar e provar a cedência não autorizada de utilização do local arrendado a terceiro, sem necessidade de alegação do negócio que lhe subjaz.

  22. - Do mesmo modo se afigura de rejeitar o entendimento da sentença recorrida relativamente ao contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, porquanto as situações descritas não se subsumem a tal figura.

  23. - Caso se verificasse tal cessão de exploração, o que apenas por mera hipótese se equaciona, era soa réus que competia invocá-la e prová-la (artºs 487º, nº 2 do CPC e 342º do CC).

  24. - Alegando e provando, também, que da mesma cessão haviam dado conhecimento à autora, em obediência ao disposto no artº 1038º, al. g) do CC, uma vez que a cessão acarreta o gozo do arrendado e o senhorio tem o direito de saber quem usa o local arrendado, o que os réus não fizeram.

  25. - Sendo que aos réus cabia alegar factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela autora.

  26. - De resto, nem vagamente os réus na sua defesa invocam terem procedido a qualquer cessão de exploração do seu estabelecimento comercial.

  27. - Bem pelo contrário, invocam factos que manifestamente afastam tal hipótese.

  28. - Para além da desconformidade com a lei aplicável, a sentença recorrida afigura-se tanto mais injusta e desfasada dos factos assentes, quanto é certo que os autos contêm prova de que os réus agiram continuada e persistentemente em violação do contrato, ocultando os sucessivos negócios tendo por objecto o gozo do locado.

  29. - A sentença também não considerou a má-fé com que os réus vêm agindo e que se traduz em comportamentos descritos nos autos: a falta de envio à autora do documento...

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