Acórdão nº 0632156 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 18 de Maio de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelJOSÉ FERRAZ
Data da Resolução18 de Maio de 2006
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. 1. A Companhia de Seguros B….. SA, instaurou acção declarativa, com processo sumário, contra C….., Lda, com escritórios na R. …., …., 4000 Porto, pedindo a condenação desta no pagamento de 5.399,84 euros acrescida dos juros que se vencerem desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alega que, devido à eclosão de um acidente de viação, teve de indemnizar esse montante a terceiros no âmbito do contrato de seguro automóvel decorrente da circulação de um veículo pertencente à ré.

No momento do acidente esse veículo circulava sem que tivesse realizado a inspecção periódica obrigatória e o acidente ficou-se a dever ao não funcionamento dos travões.

  1. A ré contestou. Nega responsabilidade na ocorrência do sinistro.

    Diz que o acidente ficou a dever-se exclusivamente a conduta culposa do condutor do veículo LE-..-.. .

    Não obstante o veículo não ter sido submetido à inspecção periódica, o sistema de travagem do mesmo encontrava-se em bom estado de conservação e, caso tivesse sido submetido a essa inspecção, teria sido aprovado.

  2. Proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto, com a organização da base instrutória, realizou-se a audiência de discussão e julgamento.

    Proferida sentença, foi a acção julgada procedente e a ré condenada no pagamento da quantia pedida com juros de 4% até integral pagamento.

    1. Inconformada, recorre a ré que encerra a suas alegações a concluir: "1. Deve ser modificada a resposta á matéria de facto quanto aos quesitos 2, 5, 10 e 11, nos seguintes termos: Quesito 2 - não provado Quesito 5 - provado Quesito 10 - provado Quesito 11 - provado.

  3. A testemunha/perito da Autora D…. prestou depoimentos antagónicos quanto á mesma questão, em audiências de julgamento diferentes, mas referentes ao mesmo acidente.

  4. A testemunha da Ré/recorrente não reconheceu que o perito se deslocou às instalações daquela para efectuar uma vistoria à viatura.

  5. A cor do camião era diferente da que o perito afirmou.

  6. A redacção da Douta Sentença que motivou o incidente é clara e não levanta qualquer dúvida.

  7. O depoimento desta testemunha não deve ser considerado nem atendido porque não merece qualquer crédito.

  8. Constam do processo e da gravação (juntando-se também a respectiva transcrição dos depoimentos gravados) todos os elementos de prova, pelo que se verificam os pressupostos previstos no art. 712º, nº 1 al. a) do Código de Processo Civil para que este Tribunal decida pelas alterações nos termos requeridos.

  9. A Ré/recorrente provou que a viatura circulou todo o dia sem qualquer problema mecânico.

  10. A mesma foi, também conduzida pela testemunha E….. a qual confirmou o seu bom funcionamento.

  11. A testemunha da Ré/recorrente - F…… - procedeu á revisão da viatura de modo a que fosse aprovada na inspecção periódica.

  12. O tribunal não considerou que tenha existido uma avaria no sistema de travagem ou que essa tenha sido a única e exclusiva causa do sinistro.

  13. Também ficou provado que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor.

  14. O piso estava molhado e escorregadio pelo que o condutor devia ter tomado as necessárias precauções, nomeadamente: - Diminuir a velocidade, - Engrenar uma velocidade mais baixa antes de iniciar a descida, - porque o travão de pé não era suficiente para fazer trava a viatura numa descida acentuada, - quando circulava a 80 Km/h e sem carga na viatura, o que diminuía a aderência á via.

  15. Não há qualquer nexo de causalidade entre a falta de inspecção e o acidente.

  16. A Autora não alegou nem provou a existência do nexo de causalidade entre a falta de inspecção e a avaria dos travões, nem que tal avaria tivesse sido detectada com a inspecção periódica.

  17. Ou que a falta de inspecção tenha dado origem à avaria dos travões.

  18. Não deverá a Douta Sentença suprir tais omissões.

  19. Existe contradição entre a matéria de facto provada e a Douta Sentença quando dispõe que não ficou provado que tenha existido uma avaria no sistema de travagem ou que essa tenha sido a única e exclusiva causa do sinistro e afirmar a existência de um nexo de causalidade entre o fim violado (correcto funcionamento dos órgãos de travagem do veículo) e a existência do direito de regresso.

  20. Não há qualquer nexo de causalidade entre os factos referidos na Douta Sentença, o acidente e a falta de inspecção periódica.

  21. Nenhuma delas prova que a falta de inspecção deu origem a qualquer avaria nos travões nem que tal avaria tivesse sido detectada na inspecção.

  22. A falta de cumprimento de uma norma legal não é suficiente para que se atribua a culpa à ré.

  23. O tribunal não deu como provado que tenha existido uma avaria no sistema de travagem, pelo que não podia concluir pela existência de uma anomalia de funcionamento de um órgão de travagem.

  24. Existe contradição entre a matéria de facto provada e a Douta Sentença.

    A decisão em crise, salvo sempre o devido respeito, fez errada interpretação da prova produzida e violou a al. F) do art. 19 do Dec. Lei 522/85 de 31 de Dezembro, o art. 640 e as als. C) e d) do nº 1 do art. 668, ambos do Código de Processo Civil e o acórdão nº 6/02 de 28 de Maio.

    Pelo que, na procedência do presente recurso, deves ser alterada a resposta á matéria de facto nos termos exposto, não deve ser considerado ou atendida o depoimento da testemunha D……, ser revogada a douta sentença recorrida, julgando-se não provado e improcedente o pedido da Autora, decretando-se que o acidente não foi provocado ou agravado pelo mau funcionamento do veículo da Recorrente, absolvendo-a do pedido, como será de inteira JUSTIÇA." A recorrida contra alegou em defesa do sentenciado.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    1. Face ao teor das conclusões de recurso que delimitam o seu objecto (arts. 684º/3 e 690º/1, do CPC), são suscitadas para apreciação as seguintes questões: - modificação da decisão sobre a matéria de facto; - se o acidente se deu por culpa única e exclusiva do condutor do veículo.

      - se a Autora não alegou nem provou a existência do nexo de causalidade entre a falta de inspecção e a avaria dos travões e se tinha que alegar e fazer a prova desse nexo; IV. Quer a recorrente que seja modificada a decisão do tribunal recorrido quanto à matéria de facto dos pontos 2, 5, 10 e 11 da base instrutória, de modo a julgar-se "não provado" o facto sob o nº 2 e "provados" os restantes, para o que chama à colação os depoimento de várias testemunhas.

      Dado cumprimento ao prescrito no artigo 690º-A/1 e 2, do CPC, nada obsta a que se aprecie essa questão, averiguando-se se, do que os autos nos revelam, em matéria de prova, há fundadas razões para modificar a decisão.

      Nos termos previstos no artigo 712º/1 do CPC, a decisão da matéria de facto da 1ª instância pode ser modificada pela Relação: "a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690ºA, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou" Constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da matéria, dado que os depoimentos prestados estão gravados.

      A impugnação da matéria de facto não importa a realização de um novo julgamento global nem afasta o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador da primeira instância, que é indissociável da oralidade e imediação em que decorre a audiência.

      No domínio da prova testemunhal, vigora o princípio da livre apreciação das provas (arts. 396º do CC e 655º/1 do CPC). O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

      Na valoração dos depoimentos, nomeadamente no que concerne à maior ou menor credibilidade desta ou daquela testemunha, não pode deixar de ponderar-se que a apreciação da prova na Relação envolve "risco de valoração" de grau mais elevado que na primeira instância, em que estão presentes os princípios da imediação, concentração e oralidade, ao contrário daquela que não tem essa possibilidade do contacto directo com as testemunhas. Deverá ter-se presente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras mas também, e porventura com maior relevo, por outras formas de comunicação, como a postura corporal, a espontaneidade e convicção com que a testemunha fala, tudo informação decisiva na valoração dos depoimentos produzidos e apreciados segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.

      É o juiz que interpela a testemunha e que se apercebe da sua postura, das suas hesitações, dos seus olhares e de todo um sem número de gestos que não podem ser dissociados do depoimentos e que contribuem também para convicção do julgador, os quais não sendo perceptíveis nas gravações fonográficas ou nos escritos, não são possíveis de avaliar pela Relação.

      É a oralidade e a imediação que permitem melhor avaliação da credibilidade das declarações dos participantes processuais e esses princípios da oralidade e imediação observam-se essencialmente na audiência de julgamento.

      Como escreveu Alberto dos Reis, em C.P.C. Anotado, IV, pág., 137, " tanto ou mais do que o que o depoente diz vale o modo por que o diz, é que se as declarações contam, contam também as reticências, as hesitações, as reservas, enfim a atitude e a conduta do declarante no acto do depoimento". Ver em idêntico sentido, A. Varela, em Manual de Processo Civil, 2ª Ed/657, Lopes Cardoso, em BMJ, 80/203, e António S. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 4ª Ed., II, 266) Deste modo, em atenção a essas circunstâncias, em melhor situação se encontra o julgador de 1ª instância para apreciar e valorar os...

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