Acórdão nº 10295/2006-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Março de 2007

Magistrado ResponsávelISABEL TAPADINHAS
Data da Resolução07 de Março de 2007
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: Relatório R… instaurou, em 15 de Outubro de 2002, acção emergente de contrato individual de trabalho com processo comum contra H.C.B.- Hidroeléctrica de Cahora Bassa, SARL, pedindo que: a) seja declarada a nulidade da estipulação do prazo do contrato de trabalho celebrado entre o autor e a ré; b) seja considerado que o contrato se converteu em contrato por tempo indeterminado; c) seja considerada provada a impugnação do despedimento por inexistência de justa causa e não precedência de processo disciplinar; d) seja considerado nulo o despedimento do autor; e) a ré seja condenada no pagamento ao autor, a título de indemnização da quantia de € 192.169,08; f) bem como no pagamento, a título de juros de mora, à taxa legal, já vencidos, no montante de € 13.562,40; g) e, ainda, nos juros de mora vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, o seguinte: - em 28 de Março de 1990, celebrou, por escrito, com a ré, um contrato de trabalho para trabalhador estrangeiro, pelo prazo de um ano, renovável por iguais períodos sucessivos; - no âmbito desse acordo, o autor foi admitido com a categoria de Chefe de Departamento, para o exercício de funções na Direcção de Serviços de Pessoal da ré, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, mediante retribuição; - o local de trabalho era na sede da empresa, sita no Songo, Tete, República de Moçambique; - o autor esteve ao serviço da ré, ininterruptamente, desde 28 de Março de 1990 até 28 de Outubro de 2001; - ao contrato de trabalho celebrado aplica-se a legislação da República de Moçambique; - sucede que o aludido contrato não se enquadra em nenhuma das situações que fundamentam a celebração de contrato por tempo determinado, segundo tal legislação; - logo, o mesmo deve ser considerado celebrado por tempo indeterminado, dada a nulidade do clausulado que estipulava a sua precaridade; - as relações laborais entre as partes, cessaram por iniciativa da ré, através de comunicação feita nesse sentido; - a actuação da ré consubstancia um despedimento ilícito, porque não foi precedido de processo disciplinar e não se verifica a existência de justa causa; - em função desse despedimento ilícito, entende ter direito à indemnização peticionada e respectivos juros moratórios.

Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da ré para contestar, o que ela fez, por excepção - incompetência absoluta do tribunal - e por impugnação, defendendo a validade da cláusula que consagrou um limite temporal ao contrato e a inexistência do alegado despedimento ilícito, concluindo pela declaração da excepção de incompetência internacional do tribunal.

O autor respondeu à excepção pronunciando-se pela improcedência da mesma.

Por despacho proferido a fls. 159 a 165, foi julgada improcedente a excepção de incompetência absoluta.

Aquele despacho foi sucessivamente confirmado por este Tribunal (acórdão de 19.11.2003 a fls. 205 a 213) e pelo Supremo Tribunal de Justiça (acórdão de 19.10.2004 a fls. 257 a 262).

Instruída e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação desta decisão, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões: (…) Nas suas contra-alegações, a ré pugnou pela manutenção da decisão recorrida.

Nesta Relação o Ex.º Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer a fls. 401vº em que afirma que concorda com a decisão recorrida.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente - tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis "Código do Processo Civil Anotado" vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).

No caso em apreço, não existem questões que importe conhecer oficiosamente.

As questões colocadas no recurso delimitado pelas respectivas conclusões (com trânsito em julgado das questões nela não contidas) - arts. 684º, nº 3, 690º, nº 1 e 713º, nº 2 do Cód. Proc. Civil - são as seguintes: 1ª - saber se a cláusula estipuladora de prazo para a duração da relação laboral é nula e, na negativa, 2ª - saber se a cessação da relação laboral configura uma rescisão ilícita do contrato, sem justa causa, devendo consequentemente, a apelada pagar ao apelante a indemnização prevista no art. 68° nºs 5 e 7 da Lei nº 8/98, de 20 de Julho, da República de Moçambique.

Fundamentação de facto A 1ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto, não objecto de impugnação e que, assim, se considera fixada: (…) Fundamentação de direito Quanto à 1ª questão: Tal como decorre da cláusula 18ª da Ordem de Serviço nº 21/77, que faz parte integrante do contrato de trabalho que constitui fls. 10 a 12, as partes convencionaram como aplicável à relação laboral que se estabeleceu entre elas a lei da República de Moçambique, o que está em conformidade com o disposto no art. 41º nº 1 do Cód. Civil.

Entende o apelante que a estipulação de termos nos contratos de trabalho é regulada pela Lei nº 8/85, de 14 de Dezembro bem como pela Lei nº 8/98, de 20 de Junho, devendo considerar-se derrogadas as disposições em contrário contidas no Decreto-Lei nº 1/76, de 6 de Janeiro e no Decreto-Lei nº 25/99, de 24 de Maio e, por isso, sustenta que a estipulação de prazo no contrato a que os autos se reportam é nula.

Vejamos, então, se razão lhe assiste.

Antes, porém, recorde-se que a lei estrangeira deve ser interpretada dentro do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas, como impõe o art. 23º nº 1 do Cód. Civil, salvo se da aplicação dos preceitos do direito interno resultar ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado Português - art. 22º do Cód. Civil -, hipótese em que não serão aplicáveis.

O contrato de trabalho entre apelante a apelada foi celebrado à luz e ao abrigo do Protocolo de Acordo sobre o empreendimento de Cahora Bassa, outorgado entre o Governo da República Portuguesa e a Frelimo, em 14 de Abril de 1975, tendo a República de Moçambique assumido automaticamente a posição assumida pela Frelimo no referido Protocolo de Acordo.

A apelada, que é uma sociedade que tem por objecto a exploração, em regime de concessão, do aproveitamento eléctrico de Cahora Bassa, incluindo a produção de energia eléctrica e seu transporte para a República de África do Sul e para o sistema produtor Sher-Sociedade Hidroeléctrica de Revué, SARL, foi criada através desse Protocolo de Acordo, dele fazendo parte o Anexo I ("Condições Básicas para a Contratação do Pessoal da Empresa Concessionária"), que, no art. 7º nº 1, dispõe que os contratos de trabalho durarão pelo prazo mínimo de dois anos, considerando-se tacitamente renovados por períodos de um ano, iguais e sucessivos, enquanto qualquer das partes não comunicar à outra que não deseja a renovação, com uma antecedência de 120 dias, em relação ao final do período que estiver em curso.

Consta do art. 25º do Protocolo que a concessionária utilizará apenas o número de trabalhadores estrangeiros indispensável ao bom e regular funcionamento da empresa, devendo estes, incluindo os técnicos portugueses, ser progressivamente substituídos até á totalidade por técnicos moçambicanos, ou indicados pelo Governo de Moçambique.

Resulta, assim, que o regime de contratação de trabalhadores estrangeiros apenas por tempo determinado foi instituído como forma de proteger e desenvolver a mão de obra moçambicana, através da progressiva substituição dos técnicos estrangeiros por técnicos moçambicanos, o que seria totalmente impossível de alcançar se os trabalhadores estrangeiros pudessem ser contratados sem ser por tempo determinado.

Aquele Protocolo de Acordo não constitui fonte de Direito...

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