Acórdão nº 339/08.7GCLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelMOURAZ LOPES
Data da Resolução23 de Novembro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

48 I. RELATÓRIO.

No processo comum nº 339/08.7GLRA.C1 J. foi condenado: (i) como autor material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291º, nº 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa; (ii) como autor material de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, nas penas de 180 (cento e oitenta) dias de multa por cada um deles; (iii) como autor material de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa; (iv) em cúmulo jurídico de tais penas, na pena única de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros); (v) na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 6 (seis) meses.

Relativamente ao pedido de indemnização civil formulado pelos demandantes MF e A o arguido foi condenado a pagar àqueles a quantia de € 7663,79 (sete mil seiscentos e sessenta e três euros e setenta e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.

Finalmente foi o arguido condenado nas custas do processo, fixando em 2 UC o valor da taxa de justiça devida (cfr. Artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal e 74º, 82º, nº 1 e 85º, nº 1, al. b) do Código das Custas Judiciais), acrescida de 1 %, por força do disposto no artigo 13º n.º 3, do DL n.º 423/91, de 30 de Outubro e fixando-se ½ da taxa de justiça devida a título de procuradoria, bem como no pagamento dos honorários à Ilustre Defensora Oficiosa de acordo com a Tabela anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, para além das custas do pedido cível na proporção do decaimento.

Não se conformando com a decisão, o arguido recorreu para este Tribunal.

Nas suas alegações, o recorrente conclui na sua motivação nos seguintes termos: 1.ª: Os pontos tidos por provados e descritos em 1. a 6. do item supra “Os concretos ponto de facto, considerados incorrectamente julgados”, face à prova globalmente produzida, numa análise interpretativa, critico-reflexiva e, à luz da experiência comum, mostram-se incorrectamente julgados; 2.ª: As provas a impor decisão diversa são, concretamente, as declarações do arguido e dos próprios queixosos e bem assim os depoimentos da testemunha FD, e ainda dos relatórios médicos de fls. 246 a 250 (Relatório de observação psicológica), fls. 330 (relatório medico), fis. 338 a 345 (relatório medico e psicológico), fls. 328, e fls. 207 a 209; 3.ª: Tudo conjugado, não poderia dar-se como não provado que: “A doença do arguido impedia-o de avaliam no momento em causa as consequências dos seus actos;” 4.ª: tendo sido dado como provado que o arguido “é portador de doença depressiva, com agravamento progressivo, sendo seguido no Centro de Saúde de Anadia desde 1983 e no Hospital Sobral Cid; Tal doença corresponde a uma perturbação psicológica crónica resultante da exposição a factores traumáticos de stress durante a vida militar, conhecido como distúrbio de stress pós traumático, devido a experiencia na guerra colonial, quadro esse que se iniciou por volta do ano de 1977; Os sintomas mais marcantes são: irritabilidade, impulsividade, nervosismo, dificuldade no controle de impulsos, isolamento, períodos de alheamento, insónias, falta de iniciativa, tristeza, rebeldia, pensamentos recorrentes sobre a guerra; Antes de Outubro de 2008, o arguido encontrava-se descompensado; Actualmente o arguido está a recuperar, mas ainda não está curado; A doença de que padece tem levado a incapacidade para o trabalho; O arguido sofre de distúrbio de personalidade psicopático, de perigosidade social e imputável, impunha-se decisão diversa.

5.º: Na verdade, não estava o arguido, pela doença de que padece, em condições de reflectir, quando descarregava a sua fúria e a sua frustração, com um ferro, no veículo dos ofendidos, e, consequentemente porque se encontravam ambos junto do vidro, atingindo-os a ambos.

  1. : A considerar um quadro de culpabilidade por parte do arguido, sempre se teria que considerar um quadro de negligência e não nenhum tipo de dolo.

    7.º: O arguido não actuou de forma livre, voluntária e consciente.

  2. : O Arguido a praticar os factos constantes na sentença, fê-lo sem consciência, sem intenção, nem sequer representando as consequências dos seus actos, dado ser portador de doença depressiva grave com os sintomas já relatados, com compromisso sério do seu comportamento, doença esta que impedia o Arguido à data da prática dos factos de avaliar a licitude e ilicitude da sua conduta e de pautar a sua actuação de acordo com essa avaliação.

  3. : O Arguído é inimputável, porquanto se encontrava impedido à data dos factos de doença psíquica grave, que o impedia de avaliar as suas acções.

  4. : Sempre seria de considerar que estamos perante um caso de inimputabilidade diminuída (art. 20.° n.°2 do CP), já que existe “uma base biológica grave, permanente, e que o agente não domina os seus efeitos” 11.ª: A considerar um quadro de culpabilidade por parte do arguido, sempre se teria que considerar um quadro de negligência e não nenhum tipo de dolo, o que levaria claramente à absolvição do mesmo em alguns dos crimes por que vinha acusado e por que foi condenado.

  5. : Por erro de interpretação e/ou aplicação, não se mostram correctamente observados, interpretadas e aplicados os princípios gerais do direito penal e civil atinentes, nem os comandos legais vigentes, concretamente, o disposto nos artigos 32.0 n.°1 da CRP, artigos 70.°, 71.0, 20.°, 13.° O valor fixado pelo tribunal a título de danos não patrimoniais, afronta claramente as regras da boa prudência, o bom senso prático, de justa medida das coisa e de criteriosa ponderação das realidades da vida.

    15º: O tribunal violou os artigos 496º e 494º do CC.

    Na resposta ao recurso o Ministério Público e os ofendidos pronunciaram-se pelo não provimento do recurso, devendo a decisão proferida ser mantida na integra, posição igualmente sustentada pelo Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação.

    * II.

    FUNDAMENTAÇÂO As questões que importa decidir, face às conclusões efectuadas pelo recorrente na sua motivação são: (i) impugnação da matéria de facto quanto ao julgamento relativo à imputabilidade do arguido; (ii) inexistência de culpa do arguido; (iii) existência de imputabilidade diminuida; (iv) actuação a título de negligência; (v) valor dos danos não patrimoniais fixados.

    * Importa, num primeiro momento, atentar na decisão recorrida e na factualidade dada como provada pelo Tribunal, bem como na sua fundamentação.

    A – DE FACTO Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 10 de Julho de 2008, cerca das 14h45, o ofendido A conduzia o seu veículo automóvel de matrícula 97-…, no IC 2, no sentido de marcha Condeixa-Leiria, seguindo como passageira a sua esposa, a ofendida M; 2. Ao chegar à zona de Venda.., Pombal, o arguido que seguia à retaguarda do veículo do ofendido, conduzindo o veículo pesado de mercadorias, de matrícula 21-…, com reboque, decidiu efectuar manobra de ultrapassagem; 3. Como o ofendido não tivesse abrandado a sua marcha, existiram trocas de gestos agressivos entre os dois condutores; 4. A determinada altura, o arguido atravessa o seu veículo à frente do ofendido, transpondo dupla linha contínua, isto de forma repentina, obrigando o mesmo a parar; 5. Acto contínuo, o arguido sai da sua viatura, munido de um ferro, com cerca de 50 cm de comprimento, e agrediu com o mesmo ambos os ofendidos, A e M, desferindo-lhes várias pancadas com o ferro, pelas diversas partes do corpo; 6. Em seguida, com o mesmo ferro atingiu com o mesmo o veículo do ofendido, na zona do tejadilho e na porta do condutor, provocando várias amolgadelas, vidros partidos e outros estragos; 7. Em consequência do descrito comportamento do arguido, sofreram os ofendidos: - a M, traumatismo do cotovelo esquerdo, braço direito e perna esquerda, com várias equimoses, lesões que determinaram 15 dias para cura, com afectação da capacidade de trabalho geral (8 dias); - o A, traumatismo da mão esquerda e direita, com fractura do 4º dedo da mão esquerda; 8. O arguido efectuou a descrita manobra estradal intencionalmente – ultrapassagem e paragem repentina, com transposição de dupla linha contínua e consequente invasão da faixa de rodagem onde seguiam os ofendidos -, consciente que a mesma era apta a provocar uma colisão e a colocar em perigo a vida dos ofendidos, o que só não veio a acontecer devido à prontidão com que o ofendido imobilizou a sua viatura, admitindo tal possibilidade e conformando-se com a mesma; 9. Actuou com intenção concretizada de atingir os ofendidos na sua integridade física, ao atingir os mesmos com o ferro mencionado, provocando-lhes lesões conforme pretendia; 10. Sabia que o referido veículo automóvel não lhe pertencia e que ao provocar estragos no mesmo actuava contra a vontade do seu proprietário, conforme queria; 11. Em todos os descritos comportamentos, actuou o arguido de forma livre, voluntária e consciente, sabendo do carácter proibitivo dos seus comportamentos; 12. De seguida, o arguido fugiu do local sem prestar qualquer auxílio aos ofendidos que ali permaneceram feridos, envolvidos em sangue e cheios de dores; 13. Na sequência das lesões referidas em 7 o ofendido andou engessado na sua mão e braço esquerdos, o que o impossibilitou de trabalhar de 10 de Julho a 19 de Agosto de 2008; 14. A ofendida M é portadora de um aparelho desfibrador cardíaco que tem como finalidade corrigir arritmias graves, muitas vezes mortais; 15. Na sequência da actuação do arguido, em 10.07.2008, entre as 15h25 e 15h26, M teve duas crises de taquicardia ventricular, a primeira com a duração de 11 segundos e a segunda com a duração de 40 segundos, que poderiam conduzir, principalmente a segunda, pela sua duração, a situações graves de manutenção de sinais vitais, nomeadamente lesões cerebrais graves por isquémia ou por trombose...

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