Acórdão nº 0440605 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Maio de 2004
Magistrado Responsável | TORRES VOUGA |
Data da Resolução | 12 de Maio de 2004 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal da Relação do Porto: No termo do inquérito instaurado nos Serviços do Ministério Público da Comarca do Porto, o MINISTÉRIO PÚBLICO deduziu acusação contra os arguidos A.........., B.......... e C.........., imputando-lhes a prática de dois crimes de ofensas à integridade física p. e p. pelo art. 143º, nº 1, do Código Penal e aos arguidos A.......... e C.......... a prática, em concurso real, de um crime de dano, p. e p. pelo artº. 212º, nº. 1, do Cód. Penal (cfr. fls. 86).
A Assistente D.........., pelo seu lado, deduziu acusação particular contra os arguidos A.........., B.......... e C.........., imputando-lhes a autoria de um crime de injúrias (cfr. fls. 114-115), acusação essa que veio a ser acompanhada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO (a fls. 119), apenas com o aditamento de que "os arguidos agiram voluntária e conscientemente, com o propósito conseguido de atingirem a ofendida D.......... na sua honra e consideração pessoal bem sabendo que o seu comportamento era proibido".
Notificados das acusações contra eles deduzidas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e pela Assistente, os Arguidos requereram a abertura da instrução (cfr. fls. 128-134), no termo da qual, findo o debate instrutório, o Exmº Sr. Juiz de Instrução proferiu a seguinte Decisão Instrutória: "O Tribunal é competente.
O Ministério Público e a assistente têm legitimidade para acusar.
Inexistem nulidades, excepções, questões prévias ou incidentais que cumpra desde já conhecer.
O Ministério Público acusa, em processo comum e com a intervenção de Tribunal Singular, os arguidos A.........., B.......... e C.........., imputando-lhes a prática de factos que em seu entender integram, quanto a todos os arguidos, dois crimes de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art. 143º nº 1 do C.P. e ainda pelos arguidos A.......... e C.........., em concurso real, um crime de dano p. e p. pelo art. 212º nº 1 do Cód. Penal.
Inconformados com a predita acusação, vieram os arguidos a fls. 128 a 134 requerer a abertura da instrução, alegando em síntese não terem praticado os factos que lhes estão imputados.
Terminam concluindo pela sua Não Pronúncia.
Aberta a instrução, foi realizado debate instrutório.
Estabelece o art. 286º nº 1 do C.P.P. que "A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento No caso dos autos, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de acusar, o mesmo é dizer que visa aferir da existência ou não de indícios dos quais resulte uma possibilidade razoável de, em julgamento, vir a ser aplicada aos arguidos, uma pena, pela prática dos alegados crimes de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art. 143º nº 1 do C.P. e aos arguidos A.......... e C.........., pelo crime de dano p. e p. pelo art. 212º nº 1 do Cód. Penal.
Dispõe o art. 308º nº 1 do C.P.P. que " Se até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos, caso contrário, profere despacho de não pronuncia".
De acordo com o nº 2 do art. 283º do C.P.P. "Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança".
Tal fórmula acolheu a orientação da doutrina e jurisprudência seguidas no domínio do C.P.P. de 1929 que não definia o que era indícios suficientes para a acusação.
Considerava-se que eram bastantes os indícios quando existia um conjunto de elementos convincentes de que o arguido tinha praticado os factos incrimináveis que lhe eram imputados; por indícios suficientes entendem-se suspeitas, vestígios, presunções, sinais, indicações suficientes e bastantes, para convencer de que há crime e é o arguido o responsável por ele.
Por outras palavras, para sustentar uma pronúncia, embora não seja preciso uma certeza da existência da infracção, é necessário, contudo, que os factos indiciários sejam suficientes, e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo da culpabilidade do arguido, impondo, assim, um juízo de probabilidade do que lhe é imputado [Entre outros, Acs. da Relação de Coimbra de 31/3/93 in C.J. Ano XVIII, Tomo II, pág. 65; de 26/6/63 in JR. Ano 30, 777; de 29/3/66 in JR. 2, Ano 20 pág. 419; da Rel. Lisboa de 28/2/64 in JR. Ano 10 pág. 117].
Na fase da instrução, porque não se tem por objectivo alcançar a demonstração da realidade dos factos, mas tão só um juízo sobre a existência de indícios, sinais, de que um crime foi cometido por determinado arguido, as provas recolhidas não constituem pressuposto da decisão de mérito, mas de mera decisão processual quanto à prossecução do processo, até à fase do julgamento [Germano Marques da Silva in ob. cit., III, pág. 178].
A simples sujeição de alguém a julgamento, mesmo que a decisão final culmine numa absolvição, não é um acto neutro, quer do ponto de vista das suas consequências morais quer jurídicas.
Submeter alguém a julgamento é sempre um incómodo, se não mesmo um vexame.
A este respeito escreve o Sr. Prof. Figueiredo Dias [Direito Processual Penal, Primeiro Volume, 1981, pág. 133-] que, "O Ministério Público (e/ou o assistente)(...) tem de considerar que já a simples dedução de acusação representa um ataque ao bom nome e reputação do acusado, o que leva a defender que os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição. (..) A alta probabilidade, contida nos indícios recolhidos, de futura condenação tem de aferir-se no plano fáctico e não no plano jurídico (..)".
Dai que no juízo de quem pronuncia deva estar presente a necessidade de defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, designadamente as salvaguardadas no art. 30º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e que entre nós mereceram consagração constitucional art. 20 da D.U.D.H. e art. 27º da C.R. P. [Ac. da Relação do Porto de 20 de Outubro de 1993, C.J. Ano XVIII, Tomo IV, pág. 261].
Consequentemente, o juiz só deve pronunciar o arguido quando pelos elementos de prova recolhidos nos autos forma sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que não o tenha cometido [Germano Marques da Silva in ob. cit. pág. 179].
Aqui chegados, importa então saber se os elementos carreados para os autos permitem concluir pela possibilidade de a condenação ser maior que a da absolvição.
Vejamos a prova indiciária existente relativamente à arguida B...........
- Dos depoimentos das testemunhas: Conforme ensina o Prof. Cavaleiro de Ferreira [Curso de Processo Penal, Lisboa, 1981, II, pág. 339], à prova testemunhal é o mais importante, por mais frequente, meio de prova em processo penal.
Na acusação de fls. 85 a 88, o MºPº indicou como prova dos factos indiciários que imputa à arguida, duas testemunhas, os aqui ofendidos.
Compulsados os autos, verifica-se que nenhuma das testemunhas arroladas na acusação pública - E.......... e D.......... - afirmaram que a arguida B.......... tivesse agredido quem quer que fosse, referindo antes o ofendido E.......... que a arguida B.......... apenas injuriou os ofendidos juntamente com os outros dois arguidos - cfr. fls. 16, 17, 19 e 20.
Das declarações dos arguidos: No processo penal, o arguido goza da faculdade de prestar ou recusar as declarações; se o arguido se negar a prestar declarações, ou se as presta parcialmente, seja qual for a fase do processo, o seu silêncio não poderá ser valorado como meio de prova, mas tomado como...
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