Acórdão nº 14/16.9MASTB.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução22 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇAO DE ÉVORA RELATÓRIO No âmbito do processo em referência, oriundo do juízo de competência genérica de Sesimbra – Juiz 2, foi proferida sentença em 2/5/2019, pela qual o arguido MAMS foi condenado, pela prática de um crime de desobediência p. e p. no artº 348º, nº 1, al. b), do C.P.P., na pena de 65 dias de multa, à taxa diária de € 5,00

Inconformado com tal condenação o arguido recorreu e na sequência desse recurso, em 21/1/2020 foi proferida decisão sumária na qual se decidiu: “… declara-se a ocorrência de nulidade a partir da realização da 2ª sessão de julgamento de 27/4/19 (inclusive), sendo inválidos todos os actos a partir desse momento (inclusive), designadamente a sentença proferida, devendo o julgamento ser “retomado” nesse momento.” Retomado que foi o julgamento conforme determinado por este tribunal da relação, em 21/1/2021 foi proferida nova sentença, na qual se condenou o arguido pela prática de dois crimes de desobediência, p. e p. no artº 348º, nº 1, al. b), do C.P., na pena de 65 dias de multa para cada um deles e, em cúmulo dessas duas penas, na pena única de 95 dias de multa, à taxa diária de € 5,00

Novamente inconformado, o arguido recorreu, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões: “1 – A matéria de facto dada como provada é insuficiente para a decisão vertida na douta sentença subjudicio e proferida pelo tribunal “a quo”, porquanto não se mostra preenchido com segurança o elemento da certeza, da regularidade da comunicação, e de que o arguido haja compreendido e ficado perfeitamente ciente da cominação que lhe era feita

2 – Neste sentido da imperfeição, da irregularidade e da insuficiência da cominação da desobediência feita ao arguido, milita o facto de o mesmo não ter averbados ao seu CRC quaisquer antecedentes criminais e, ainda, que em nenhuma das situações de desobediência descritas na acusação a na decisão (15.05.2016 e 02.08.2016) o arguido se tenha feito acompanhar por defensor que o auxiliasse tecnicamente

3 – Factos que se afiguram indispensáveis, e que em nossa modesta opinião, o tribunal “a quo” não logrou apurar suficientemente, como deveria, para que o tipo subjectivo de crime se mostre preenchido, e que, consequentemente, retiram toda e qualquer legitimidade à ordem e irregularidade à comunicação de que o arguido foi destinatário

4 – A fundamentação encontra-se ferida de contradição insanável, porquanto, de toda a prova feita, quer documental, quer testemunhal, inclusive, das próprias declarações do arguido prestadas em sede de audiência de julgamento, decorre que a(s) plataforma(s) dos autos é estática. Ou seja, não tem autonomia nem capacidade para navegar. Também resulta do depoimento da testemunha (Cfr. Texto da sentença),CFSS, mestre da embarcação que rebocou a plataforma na qual o arguido se encontrava no dia 02.08.2016, que a mesma se encontrava a cerca de uma milha da costa, em contradição com as nove milhas descritas no auto de notícia

5 – Como a douta sentença não procede à indicação, nem ao exame crítico das provas que serviram para o tribunal formar a convicção de que a mesma(s) plataforma(s) referida(s) em 1º dos factos provados estava(m) a navegar nos dias 15.05.2016 e 02.08.2016, encontra-se a mesma, in casu, ferida de nulidade por falta de fundamentação

6 – A matéria de facto dada como provada é insusceptível de preencher o tipo legal de crime de desobediência, uma vez que não se encontram reunidas as circunstâncias que permitem concluir pela legitimidade da ordem de não utilizar a plataforma

7 – Pelo que, com o devido respeito por opinião contrária, deveria o arguido ter sido absolvido pelo tribunal “a quo” pela prática dos crimes por que vinha acusado

8 – O arguido já houvera sido condenado pelo mesmo tribunal “a quo” por sentença proferida em 02.05.2019 pela prática em autoria material de um crime de desobediência, p.p. pelo artigo 348º, nº 1, al. b) do CP, na pena de 65 (sessenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 5,00

9 – Julgamento que veio a ser anulado a partir da segunda sessão, inclusive, por acórdão, com decisão sumária, proferido por esse venerando tribunal da relação em 21.01.2020

10 – Nessa sequência, e com repetição da prova a partir da segunda sessão, comum a testemunha não arrolada e não constante na peça inicial de acusação, CFSS, veio agora o mui douto tribunal “a quo” proferir nova decisão, pelos mesmos factos constantes da acusação junta aos autos, mas agora condenando o arguido, aqui recorrente, pela prática em autoria material de dois crimes de desobediência, p.p. pelo artigo 348º, nº 1, al. b) do CP, na pena de 65 (sessenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 5,00, por cada um dos crimes e, em cúmulo jurídico, na pena única de 95 (Noventa e cinco) dias de multa à taxa diária de € 5,00

11 – Em violação do disposto no artigo 60º do CP, porquanto, atentas todas as circunstâncias atenuantes que militam em favor do arguido, seria proporcional, suficiente e adequada uma admoestação ao arguido

12– Sem conceder, e para o caso de assim não ser entendido, a pena de multa aplicada ao arguido peca por excessiva, em violação do disposto nos artigos 72º, nº2, al. d) e 73º, nº 1, al. c) do CP, tendo em conta todas as circunstâncias atenuantes que o douto tribunal “a quo” deu como provadas e, ainda, o tempo decorrido sobre a prática das infracções

13 – Pelo que as penas de multa deveriam ter sido reduzidas aos seus limites mínimos legais de acordo com o disposto no artigo 47º, nº 1, e fixadas em 10 dias de pena de multa por cada um dos crimes

14 – A douta sentença recorrida é nula por falta de fundamentação, já que não se refere expressamente, entre outras, a todas as circunstâncias constantes do nº 2 do artigo 71º do CP, qualificando-as como agravantes ou atenuantes

15 – A alínea b) do nº 1 do artigo 348º do CP ofende a CRP, por desrespeitar o princípio da tipicidade imposto pelo nº 1 do artigo 29º da lei fundamental, visto elevar a crime qualquer transgressão a ordem legítima dada por funcionário que entenda associar à sua violação o crime de desobediência

16 – É inconstitucional a norma constante do artigo 71º, nº 3 do Código Penal, na perspectiva interpretativa de que o tribunal cumpre o dever de expressamente referir os fundamentos da medida da pena, quando a sentença omite a alusão a algumas das circunstâncias mencionadas no nº 2 do artigo 71º do código penal, por ofensa aos nºs 1 e 2 do artigo 27º, ao nº 1 do artigo 32º e ao nº 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa (CRP)

17– Pelo que julgamos violadas pela douta sentença aqui em crise, as seguintes normas jurídicas: 1. Do código de processo penal (CPP), os artigos 410º, nº 2, als. a), b) e c); 2. Do código penal (CP) os artigos 40º, nº2, 47º, nº 1, 60º, 71º, 72º, nº 2, al. d), 73º, nº 1, al. c) e 348º, nº1, al. b); 3. Da Constituição da República Portuguesa, os artigos 27º, nºs 1 e 2, 29º, nº 1, 32º, nº 1 e 205º, nº 1

Termos em que, atento tudo o exposto, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., que se pede, deverá o presente recurso de apelação ser recebido, por tempestivo e legítimo e, em consequência, ser julgado totalmente procedente, por provado, anulando-se a douta sentença recorrida e substituindo-a por acórdão desse venerando tribunal desembargador que absolva o arguido da prática dos crimes que lhe são imputados ou, subsidiariamente, que declare nula a sentença recorrida nos termos peticionados, assim fazendo V. Exas., A COSTUMADA JUSTIÇA!!!” # O Ministério Público respondeu ao recurso, tendo terminado a resposta com as seguintes conclusões: “1) No caso em apreço, o Recorrente parece questionar, entre outros, a apreciação que o Tribunal “a quo” fez da prova produzida em julgamento ou de parte dela; 2) Porém, não indicou as provas que impõem decisão diversa da recorrida e as que devem ser renovadas, pelo que, não satisfaz o ónus que sobre aquele impende, de acordo com o referido artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal

3) Logo, o recurso não deve merecer outra sorte que não a rejeição, de acordo com o disposto no artigo 414.º, n.º 2 do Código de Processo Penal; 4) Entende o recorrente que existe contradição insanável na fundamentação porquanto se dá como provado que as plataformas eram navegadas pelo arguido no dia 15 de Maio de 2016 e 02 de Agosto de 2016 mas nenhuma prova foi indicada nesse sentido, bem como, existe erro notório na apreciação da prova porquanto inexiste documento que permita concluir que as plataformas em causa sejam estáticas; 5) Entende ainda que a Douta Sentença não indica nem faz o exame crítico das provas de que as referidas plataformas estavam a navegar nos dias 15 de Maio de 2016 e 02 de Agosto de 2016, pelo que, entende que a mesma está ferida de nulidade por falta de fundamentação, e que a matéria de facto dada como provada é insusceptível de integrar o ilícito em causa por não existir circunstancialismo do qual se conclua pela legitimidade da ordem de não utilizar as plataformas; 6) Mais entende o arguido que a Douta Sentença é nula por falta de fundamentação por entender o arguido que não se refere a todas as circunstâncias constantes do artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal

7) Não assiste razão ao Recorrente quanto a esta matéria, aliás, o Recorrente não põe em causa a existência dos fundamentos que alicerçam a convicção do tribunal “a quo”, limitando-se apenas a questionar a relevância que lhes foi conferida pelo tribunal

8) Quanto à invocada inconstitucionalidade dos artigos 348.º e 71.º, n.º 3, ambos do Código Penal, nada a referir, atendendo que, salvo melhor opinião, e sempre com muito respeito, não é este o tipo de Recurso próprio para o efeito

9) O Tribunal “a quo” fez uma correcta análise de toda a prova produzida em julgamento; 10) A conjugação dos elementos que resultaram provados na audiência, permitiram que o Tribunal “a quo” formasse a sua convicção e desse como provados e não provados...

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