Acórdão nº 181/19.0T8CBC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Abril de 2021
Magistrado Responsável | MARGARIDA SOUSA |
Data da Resolução | 15 de Abril de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: J. F. instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra A. L. e mulher G. T., peticionando que: a) se declare o autor dono e legítimo possuidor da raiz ou nua propriedade do prédio descrito no artigo 1.º da petição inicial; b) se declare o autor proprietário e legítimo possuidor da água que nasce e que aflui à mina identificada nos artigos 15.º a 18.º da petição inicial; c) se declare o autor titular do direito de superfície da mesma mina e do poço de vigia identificados nos artigos 15.º a 18.º da petição inicial; d) se condene os réus a reconhecer os direitos supra declarados e a reconstruir a galeria da mina e o poço de vigia; e) se condene os réus a absterem-se da prática de quaisquer atos que perturbem os aludidos direitos do autor.
Alegou para o efeito, e em síntese, que é dono e legítimo possuidor do prédio misto denominado “Cerca ...”, melhor identificado no artigo 1.º da petição inicial, por o ter adquirido por compra aos seus anteriores proprietários, que reservaram para si o usufruto, por escritura pública de 19/12/2008, invocando, ademais, atos de posse relativos à prescrição aquisitiva sobre o referido prédio e a presunção a seu favor da titularidade do direito de propriedade que deriva do registo predial.
Acrescentou que, para rega e lima do seu prédio, continuamente e durante todo o ano, é utilizada água de uma mina feita por mão do homem, há mais de 15/20 anos, água que nasce no prédio dos réus, designado por “Olival ...”, e que segue em galeria subterrânea, com um poço de limpeza, vigia e ar, atravessando aquele prédio e a estrada, entrando no prédio do autor onde a mina tem a sua boca de entrada e saída, e que depois vai cair numa poça de pedra, cimento e terra, invocando atos de posse relativos à prescrição aquisitiva sobre a mencionada água.
Mais alegou beneficiar do direito de servidão da mina sob o solo do prédio dos réus e do poço de ar, luz e vigia, por usucapião.
Referiu que a mina tem vindo a aluir no interior do prédio dos réus há cerca de 4/5 anos e que estes procederam ao seu aterro, sensivelmente a meio do seu prédio e no comprimento de 20 metros, destruindo a galeria e impedindo a água de correr totalmente no seu interior.
Terminou pugnando pela condenação dos réus a reconstruir a galeria da mina, na parte aterrada e destruída e que aqueles reconheçam e se abstenham de perturbar o exercício dos direitos do autor.
*Devidamente citados, contestaram os réus, alegando, como questão prévia, um diferendo prévio existente entre os pais do autor e os réus no concernente à titularidade das águas nascidas no prédio “Olival ...”, diferendo que deu origem a uma ação judicial que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Cabeceiras de Basto sob o n.º 23/03.8TBCBC, que terminou por transação entre as partes, e homologada por sentença, onde, entre o mais, os pais do autor reconheceram não ter quaisquer direitos a águas nascidas no prédio dos réus e estes autorizaram aqueles a utilizar as águas objeto da transação para consumo doméstico e rega dos seus prédios, autorização que caducaria a 31/12/2017.
Afirmaram, ainda, que, alertados pelo pai do autor da existência de um aluimento de terras, cerca de 2/3 anos depois do decurso da autorização fixada em sentença, constatando a existência de um buraco de dimensões consideráveis no seu prédio, atulharam-no com pedras e terra, apenas tendo conhecimento após a citação para a presente ação que o referido buraco havia sido reaberto.
Nesta sequência, impugnam a titularidade do direito de propriedade do autor sobre o prédio melhor descrito no artigo 1.º da petição inicial, arguindo a nulidade da escritura pública celebrada a 19/12/2008, por simulação absoluta, alegando que a celebração da compra e venda teve como propósito evitar o caso julgado decorrente da ação anterior.
Arguiram, assim, a exceção de caso julgado, pugnando pela sua absolvição da instância, afirmando que os pais do autor não poderiam transmitir a título translativo mais do que aquilo que lhes pertencia, ou seja, quaisquer direitos a águas que excluíram na transação celebrada com os réus. E, ainda, que a aquisição originária está também excluída pois decorreram menos de 11 anos desde a data da escritura até à data da propositura da ação.
Admitindo, contudo, que a referida escritura não padece de nulidade, invocaram a ilegitimidade do autor por preterição de litisconsórcio necessário, a conduzir à absolvição dos réus da instância.
Por fim, e por mera cautela, alegaram que a ação tem necessariamente de improceder face à declaração e reconhecimento pelos pais do autor da não titularidade de quaisquer direitos a águas nascidas no prédio dos réus, direitos esses que a existir, sempre seriam qualificados como de servidão.
Terminaram requerendo a apensação aos autos do processo n.º 23/03.8TBCBC.
*Notificado para exercer o contraditório quanto às exceções arguidas pelos réus, veio o autor pugnar pela improcedência das exceções invocadas.
*Por decisão datada de 29/10/2019, foi indeferida a requerida apensação e notificados os réus para procederem à junção aos autos de certidão dos articulados e sentença do processo n.º 23/03.8TBCBC, certidão junta por requerimento de 12/11/2019.
*Findos os articulados e oferecida a prova pelas partes, foi realizada audiência prévia, tendo o Ilustre Mandatário do autor peticionado a retificação de um alegado lapso de escrita no artigo 15.º da petição inicial, solicitando que, onde se lia “mina essa que tem a sua nascente no lado poente do referido prédio dos RR”, se passasse a ler “mina essa que tem a sua nascente a poente do referido prédio dos RR”.
Concedida a palavra ao Ilustre Mandatário dos réus, pelo mesmo foi referido opor-se à requerida retificação, alegando, em suma, que tal retificação implicaria uma alteração do objeto do presente processo.
*Por decisão datada de 07/01/2020, foi indeferido o pedido de retificação formulado pelo autor em sede de audiência prévia, por implicar uma alteração da causa de pedir e do objeto do litígio da presente ação, pois colidia com o princípio da estabilidade da instância.
Mais, detetada pelo Tribunal a exceção dilatória de ineptidão parcial da petição inicial por falta de causa de pedir em relação aos pedidos formulados pelo autor relacionados com a declaração da titularidade de um direito de superfície sobre a mina e do poço de vigia identificado nos artigos 15.º a 18.º do seu articulado, foram as partes convidadas para exercerem o seu direito ao contraditório.
*Exercido o direito ao contraditório pelas partes, foi proferido despacho saneador, a 03/02/2020, decidindo-se declarar a ineptidão da petição inicial, mais concretamente na parte relativa aos pedidos c), d) e e), sendo que em relação a estes dois últimos só na parte relativa ao pedido de condenação dos réus no reconhecimento da titularidade, da parte do autor, de um direito de superfície da mina e do poço de vigia identificado nos artigos 15.º a 18.º da petição inicial e, de se absterem da prática de quaisquer atos que perturbem tal direito e, em consequência, decidiu-se absolver parcialmente os réus da instância.
Mais se decidiu julgar improcedentes as exceções dilatórias de ilegitimidade ativa por preterição de litisconsórcio necessário ativo e de caso julgado, arguidas pelos réus.
*O autor, não se conformando com o despacho proferido a 03/02/2020, na parte em que declarou a ineptidão parcial da petição inicial, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que julgou a apelação improcedente, mantendo a decisão recorrida.
Efetuada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença a julgar a ação parcialmente procedente, ali se decidindo, em consequência: a) declarar que o autor é dono e legítimo possuidor da raiz ou nua propriedade do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial; b) condenar os réus a reconhecerem que o autor é dono e legítimo possuidor da raiz ou nua propriedade do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial; c) condenar os réus a absterem-se da prática de quaisquer atos que perturbem o direito do autor declarado e reconhecido supra; d) absolver os réus do demais peticionado.
Inconformado, o Autor interpôs o presente recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: a) Vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls., na parte em que absolveu os RR. do pedido de reconhecimento do A. como proprietário e legitimo possuidor da água que nasce e aflui à mina identificada nos artigos 15º a 18º da P.I., e ainda na reconstrução da galeria da mina e o poço de vigia e, bem assim, a absterem-se da prática de qualquer acto que perturbe os direitos do A.; b) Porém, a decisão não está correcta quer dos factos quer do direito, tendo o Tribunal “a quo” incorrido em erro de julgamento, impondo-se assim, a impugnação quanto à matéria de facto e do direito aplicável; c) Atento o julgamento da matéria de facto que consta da decisão de fls. e que aqui se dá por reproduzida, o apelante não aceita a factualidade dada como não provada pelo Tribunal “a quo” sob as alíneas c), d) e e) da douta sentença, pois entende que tais factos, ante o ónus da prova imposto às partes e da prova produzida em audiência de julgamento, deveriam ser dados como provados, desde logo, tendo em atenção os factos dados como provados, sob os pontos 17. a 21. e 25., bem como da prova testemunhal produzida, sobre aqueles factos, impunha-se uma resposta no sentido de julgar provado que: Há mais de 15 e 20 anos, o autor e seus antecessores usam a galeria da mina para colher e derivar a água referida em 18 e 19, à vista de toda a gente, com conhecimento de todos, sem oposição nem interrupção, na convicção de que estavam, como sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre tal água e que o autor, e seus antecessores, sempre usaram a água referida em 18 e 19, sem oposição...
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