Acórdão nº 617/19.0GFSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução23 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Nestes autos de processo comum, n.º 617/19.0GFSTB, foi submetido a julgamento, o arguido (...), melhor identificado nos autos, tendo sido proferida sentença, em 26/10/2020, depositada nessa mesma data, que o condenou, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de €7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos) e na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, pelo período de 7 (sete) meses.

1.2. Inconformado com o decidido recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada, as seguintes conclusões: «1. A douta sentença deu como provado, entre outros, três averbamentos no registo criminal do recorrente 2. Sucede que tal facto não podia ser dado como provado.

  1. A Lei 37/2015 de 5 de Maio, no seu artigo 11º determina as circunstâncias em que ocorre o cancelamento definitivo das decisões inscritas no registo criminal.

  2. A última condenação averbada ao CRC do arguido, aqui recorrente, encontra-se extinta desde 27.2.2015 como se pode verificar pelo CRC junto aos autos.

  3. Não tendo, desde essa data, o recorrente cometido nenhum crime de qualquer natureza.

  4. O “cancelamento dos registos” significa que as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico, não se lhes ligando quaisquer efeitos, designadamente quanto à medida da pena.

  5. Uma vez verificada a hipótese determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado contra o arguido, assim sucedendo independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efetivação do cancelamento.

  6. Se a lei determina as situações em que os averbamentos do registo criminal têm de ser cancelados, por entender que nessas condições o individuo tem de ser considerado reabilitado não estando sujeito ao estigma social e judicial de ter condenações averbadas, não pode o douto tribunal a quo ter as mesmas em consideração na aplicação da medida da pena.

  7. Aliás, se tal sucedesse estaríamos a colocar a condição de o arguido ser ou não considerado primário numa autêntica roleta russa de sorte e não na sujeição ao princípio da legalidade.

  8. O cancelamento dos registos ocorre de forma definitiva e no momento em que decorre o prazo previsto na legislação indicada, ainda que tal não tenha reflexo imediato no CRC, ou seja, decorrido o prazo previsto, ainda que não tenham sido retirados os averbamentos do registo criminal, este tem de ser tido pelo tribunal como não averbado.

  9. Nesse seguimento a douta sentença padece de um erro notória na apreciação da prova, devendo ser corrigida e retirado o ponto 13 dos factos dados como provados e esse mesmo ponto substituído por um onde se leia “o Arguido não possui antecedentes criminais”.

  10. Não podendo, por força da lei, ser dado qualquer valor ao registo que se encontram cancelados de forma definitiva, ainda que os mesmo não tenham sido retirados do CRC do arguido, a pena aplicada tem, obrigatoriamente que ser aplicada como sendo o arguido primário.

  11. Na ponderação da medida da pena o douto tribunal a quo ponderou quatro pontos contra o arguido: 14. - O grau da ilicitude dos factos, que tomou como mediano; O grau de culpa do arguido, que também tomou como mediano; As necessidades de prevenção especial que entendeu se mostrarem atendíveis; Os motivos que estiveram subjacentes à prática do crime que considerou irrelevantes; 15. Para valorar o grau de ilicitude pesou a taxa de álcool do arguido, 1,29g/litros de álcool no sangue.

  12. Neste ponto não podemos deixar de referir que estamos perante uma taxa perto do seu limite mínimo, nesse seguimento não podemos deixar de considerar que se não for perante estes casos que se considera haver um grau de ilicitude baixo, quando será? 17. No que respeita à culpa do arguido aplica-se, no nosso modesto entendimento, o mesmo raciocínio, ou seja, a mera violação da norma não pode ser a única fundamentação para considerar o grau de culpa de mediano ao invés de baixo.

  13. A consciência da violação da norma – dolo – implica, por si só que existe culpa. Sem outras considerações que possam agravar a culpa do arguido não se pode elevar o grau de culpabilidade de baixo para mediano. Para que tal pudesse suceder teria a douta sentença de ter fundamentado que circunstâncias especificas agravaram a culpa do arguido, o que não fez.

  14. Por fim as necessidades de prevenção especial, sendo este o ponto de mais relevância por tudo o supra exposto.

  15. Sendo o arguido considerado primário, como tem de ser, as necessidades de prevenção especiais são necessariamente baixas.

  16. Estas ponderações têm de ter reflexo na medida da pena aplicada ao arguido, quer a principal quer a acessória, que se torna excessiva para um arguido primário.

  17. Assim, deve a douta sentença recorrida ser substituída por uma que condene o arguido numa pena de multa perto dos seus limites mínimos quer na duração, quer nos quantitativos diários. O mesmo aplicando à sanção acessória de inibição de condução de veículos motorizados que deve ser substituída devendo se aplicada no seu limite mínimo de três meses.

  18. Acresce que 24. A Sentença tem, como requisito essencial, entre outros o dever de fundamentação.

    Tal deriva, não só do art. 205º da CRP, mas também do art. 374º n.º 2.

  19. A Douta sentença debruça-se sobre a aplicação ou não do princípio do in dúbio pro reo tecendo largas considerações sobre este princípio.

  20. Sucede que quem lê essas mesmas considerações fica com a clara certeza de que as mesmas não foram tidas relativamente aos factos constantes desde autos, outrossim, relativamente a outro qualquer processo em que o tipo legal em causa seria ofensas à integridade física.

  21. A referência a um tipo de crime diferente do dos autos não sucede uma única vez, onde se poderia depreender que se trataria de um lapso.

  22. Esta referência é recorrente, causando a clara sensação de que não é referente aos factos julgados nos presentes autos.

  23. Esta exigência, que constitui um reforço da estruturação formal da sentença, permite ao julgador que explique aos destinatários da sentença e à comunidade em geral, o processo de formação da sua convicção, ou seja, a razão porque decidiu da forma que deixou consignada, ou seja, a explicitação do “substrato racional que conduziu a que a sua convicção se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova”, importando que a fundamentação convença os seus destinatários pela bondade e força da sua argumentação, assente em critérios lógicos e regras de experiencia comum.

  24. A fundamentação cumpre a sua função quando o julgador enuncia de forma clara e inequívoca o raciocínio que segui na formação da convicção, ou seja, as operações lógicas seguidas que permitam perceber “como” e “porquê” o tribunal decidiu da forma que deixou consignada, assim demonstrando que não procedei a uma ponderação de provas arbitrárias, ilógica ou violadora de regras de experiencia comum” 31. Não se pode assim, considerar que tenha sido dado cumprimento à exigência legal de fundamentação constante do n.º 2 do art. 374º do CPP.

  25. A fundamentação em causa deixa no receptor, seja o arguido, seja a sociedade, a clareza de que os argumentos esgrimidos se refiram sequer aos factos em causa, não convencendo assim pela sua clareza e assertividade.

  26. Não conseguindo o arguido depreender os motivos da sua condenação, ao afastar a dúvida existente pelos argumentos debatidos na audiência de discussão e julgamento.

  27. Estamos assim perante uma sentença manifestamente infundada na sua fundamentação, o que a torna nula.

    Nestes termos e nos demais de direito deverá o presente recurso ser considerado procedente por provado e a sentença substituída, nos termos peticionados Assim decidindo, farão V. Exas. a tão almejada JUSTIÇA!» 1.3. O recurso foi regularmente admitido.

    1.4. O Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta ao recurso, pronunciando-se no sentido de dever ser julgado improcedente e mantida a sentença recorrida, formulando as seguintes conclusões: «1.ª O Tribunal a quo expôs os seus motivos concretos em 15 páginas de exame crítico da prova produzida em julgamento.

    1. O Recorrente, perante a sólida fundamentação factual da Sentença, nada mais pôde do que lançar mão de manifestos erros de escrita, ademais inseridos não na discussão da prova concreta, mas na exposição teórica de um instituto jurídico afastado pelo Tribunal, o princípio in dubio pro reo.

    2. Nem o CRC, junto aos autos, padece de qualquer vício, por ter sido junto antes do quinquénio póstero à extinção da última pena, nem o Tribunal poderia decidir ao arrepio do princípio da aquisição processual.

    3. O arguido não confessou, não reconheceu a ilicitude, não mostrou arrependimento, fugiu da GNR e conduziu alcoolizado com um filho no interior do veículo, tudo agravando consideravelmente a ilicitude do acto e as necessidades preventivas especiais, mesmo que, por ficção resultante de reabilitação, tivesse sido declarada a ausência de antecedentes criminais.

    4. Consequentemente, deve o recurso ser indeferido, mantendo-se a Sentença em crise nos seus precisos termos, por conter uma prudente apreciação dos factos e uma sábia aplicação do Direito.» 1.5. Por despacho proferido em 26/01/2021, o Exm. Sr. Juiz corrigiu a sentença recorrido, ao abrigo do disposto no artigo 380º, n.º 1, al. b), do CPP, retificando o «lapso material de escrita informática» nela existente, em termos de onde se lê: «crime de ofensa à integridade física», passar a ler-se: «crime de condução de veículo em estado de embriaguez».

    1.6. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado improcedente e confirmada a sentença recorrida.

    1.6. Foi...

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