Acórdão nº 254/20.6T9BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução08 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório 1. No processo comum (singular) com o nº 254/20.6T9BCL, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Barcelos – Juiz 1, foi proferido despacho de saneamento do processo, ao abrigo do disposto no art. 311º do Código de Processo Penal, datado de 18/09/2020, do seguinte teor (transcrição): 2. “DECISÃO Nestes termos, ao abrigo do disposto no artigo 311º, n.º 1, n.º 2 al. a), e n.º 3 al. d) do Código do Processo Penal, decido rejeitar a acusação deduzida, por manifestamente infundada, uma vez que os factos imputados não constituem crime.

Notifique.” 2 – Não se conformando com a decisão, o Ministério Público interpôs recurso da mesma, oferecendo as seguintes conclusões (transcrição): “I - Nos presentes autos o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido J. M. imputando-lhe a prática do crime de falsidade informática, previsto e punido 3.º, n.º 1 da Lei n.º 109/2009, de 15/09.

II - Decidiu o Mmo. Juiz rejeitar a acusação por entender que os factos nela relatados não constituem a prática de crime, mais concretamente que a criação e a utilização de uma conta de e-mail com um perfil falso – designação da conta com nome diverso do nome da pessoa que a criou e, no caso, fazendo inculcar a ideia de que o criador da conta era uma pessoa do sexo feminino – não traduz, no plano objetivo, a produção de dados ou documentos não genuínos, mediante a introdução de dados informáticos, definidos na alínea b) do artigo 2.º da Lei 109/2009.

III - O fundamento invocado para a rejeição da acusação, pressupõe que, no estrito quadro dos termos em que a mesma foi deduzida, se verifique, pela leitura dos factos nela narrados, que eles não conformam a prática de crime.

IV - Ora, salvo o devido respeito, os factos descritos na acusação configuram a prática de ilícito criminal, descrevendo de forma suficiente todos os elementos do crime imputado ao arguido.

V - Estando vertidos na acusação, como estão, todos os factos que constituem os elementos essenciais do crime de falsidade informática, inexiste o invocado fundamento para a sua rejeição, pelo que, ao fazê-lo, o Mmo. Juiz violou o disposto no artigo 3.º, n.º1 da Lei n.º Lei n.º 109/2009, de 15/09 e o artigo 311º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. d), do C.P.P.

VI - Em conformidade, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que receba a acusação e designe data para a realização de julgamento.

Assim se fazendo JUSTIÇA” 3 – O ofendido F. F. também interpôs recurso da decisão, que não foi admitido, por carecer de legitimidade, dado não se ter constituído assistente.

4 – Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso dado que “os factos descritos são susceptíveis de integrar a prática de um crime de falsidade informática” e “havendo uma divergência doutrinária que tem por base saber se aqueles factos integram ou não o crime imputado ao arguido, nunca o Mmo. Juiz a quo podia ter rejeitado a acusação por manifestamente infundada.”.

5 – No âmbito do disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não houve resposta.

6 – Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, do Código de Processo Penal.

* * *II - Fundamentação 1 - O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraium da respetiva motivação - artº 412º, n1, do Código de Processo Penal e jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ nº 7/95, de 19/10, publicado no DR de 28/12/1995, série I-A -, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as cominadas com a nulidade de sentença, com vícios da decisão e com nulidades não sanadas - artigos 379º e 410º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal (cfr. Acórdãos do STJ de 25/06/98, in BMJ nº 478, pág. 242; de 03/02/99, in BMJ nº 484, pág. 271; Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. III, págs. 320 e ss; Simas Santos/Leal Henriques, “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3ª edição, pág. 48).

2 - A única questão a apreciar é se o Mmo. Juiz a quo podia ter rejeitado a acusação deduzida, por ser manifestamente infundada, dado que os factos narrados não conformam a prática de crime.

3 – Fundamentação constante do despacho recorrido (transcrição): “Nos termos do disposto no artigo 311º, n.º 2 do Código de Processo Penal, “se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido: a) de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada”. A acusação considera-se manifestamente infundada quando não contenha a identificação do arguido, ou a indicação dos factos, se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam ou se os factos não constituírem crime (art. 311.º, nº 3, do C. de Processo Penal).

*O Ministério Público deduziu acusação contra J. M., imputando-lhe a prática de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo art. 3..º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro.

São os seguintes os factos que sustentam a predita acusação: 1. O arguido e o F. F. mantêm um dissídio relacionado com a administração do condomínio do edifício “X”, sito na Av.ª D. …, em Barcelos.

  1. Assim, motivado pelo facto de ter sido substituído pelo F. F. na administração de tal condomínio, no dia 25 de maio de 2017, pelas 18h51m, o arguido utilizando o email Y@outlook.com, por si criado, e identificando-se no local do remetente do como se chamando J., enviou para o endereço eletrónico F. F.@adv.oa.pt, pertencente ao F. F., e que este utiliza no âmbito da atividade profissional que exerce como advogado, a mensagem eletrónica com o seguinte teor: “senhor, recebi emails seus que já mostrei aos meus pais, sou menor de idade e se me volta a incomodar vamos fazer queixa por tentativa de assedio e pedofilia, deixe-me em paz”.

  2. O arguido enviou a referida mensagem ao F. F., identificando-se como J., menor de idade, fazendo-se passar por ela, imputando-lhe comportamentos pedófilos.

  3. Fê-lo com a intenção de ludibriar o F. F., sobre a real identidade da pessoa que que lhe enviara tal mensagem, e com o intuito de o achincalhar e amedrontar.

  4. Ao utilizar a conta que informaticamente criou, e ao colocar na mensagem que redigiu e guardou em sistema informático o nome J., no seu remetente, produziu dados e informações que sabia não serem verídicas, com intuito de enganar o F. F., fazendo crer a este que a autora dessa mensagem era uma menor de idade, disposta a imputar-lhe comportamentos pedófilos e a denunciá-los às autoridades competentes.

  5. Agiu o arguido, de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que criaria equívoco nas comunicações efetuadas através de correio eletrónico, e que criaria uma mensagem de correio eletrónico não genuína, por não ser realizada pela pessoa que se identifica como sua autora, criando no F. F. a convicção de que seria perseguido criminalmente, ainda que injustamente, pelos factos que lhe eram imputados em tal mensagem.

  6. Sabia, ainda, o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

    ***Comecemos por analisar o tipo de ilícito cuja prática é imputada ao arguido.

    O crime de falsidade informática está previsto no art. 3.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, preceituando o n.º 1 que «quem, com intenção de provocar engano nas relações jurídicas, introduzir, modificar, apagar ou suprimir dados informáticos ou por qualquer outra forma interferir num tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, com a intenção de que estes sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se o fossem, é punido com pena de prisão até 5 anos ou multa de 120 a 600 dias».

    O tipo objetivo do crime de falsidade informática previsto no n.º 1 do artigo...

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