Acórdão nº 138/16.2T9VRL.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelTERESA COIMBRA
Data da Resolução08 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da secção penal do tribunal da Relação de Guimarães.

I.

No processo 138/16.2T9VRL a correr termos pelo juízo local criminal de Vila Real pelo juiz de instrução criminal foi proferida a seguinte decisão: “Face ao exposto decido não pronunciar os arguidos A. C. e A. V. pela prática dos crimes de falsidade de testemunho p.p. artigo 360º do CP no âmbito das declarações prestadas por ambos no julgamento da ação cível 538/14.2 da Instância Local de Vila Real, que lhes imputavam no RAI.

Custas pelo assistente (...)”*Inconformado interpôs o assistente recurso concluindo-o do seguinte modo (transcrição): 1.ª- O M. Juiz não pronunciou os arguidos, pelos crimes, por entender que, não havia indícios de sinais das ocorrências, donde se possa formular um juízo de prognose favorável à futura condenação destes.

  1. - Com o devido respeito, o recorrente entende que há indícios, quer no que respeita à prova recolhida, no âmbito do Inquérito, quer em sede de Instrução.

  2. - Para tanto basta atender às flagrantes contradições entre os depoimentos supra transcritos, de acordo com os quais a Arguida, no segundo julgamento, reconhece que não contribuiu para a aquisição da viatura automóvel, logo que mentiu no primeiro julgamento, conforme denunciado.

  3. - O mesmo sucede com os pagamentos que não poderiam existir por nunca a Arguida ter disponibilidade financeira para o pagamento que afirmou, faltando conscientemente à verdade, ter feito.

  4. - Outrossim, os elementos objectivos e concretos, contidos nos documentos juntos e nos depoimentos prestados nos diferentes processos, impunham uma fundamentação de facto e de direito, que é inexistente.

  5. - Para mais, a prova documental é a enorme relevo, porque adequada descoberta da verdade, demonstrando a desconformidade dos depoimentos prestados no primeiro julgamento e a sua conformidade com as declarações prestadas num segundo julgamento, comprovando os factos tais quais estes se mostram descritos no requerimento de abertura de instrução do Assistente.

  6. - Do conjunto de prova acareada para o processo resulta (pelo menos na forma indiciada) que ambos os arguidos sabiam que ao declararem, no âmbito do processo que correu os seus termos com o n.º 538/14.2T8VRL, que o Assistente nunca teve o dinheiro necessário para adquirir uma viatura automóvel a pronto; Que esse dinheiro foi emprestado ou retirado à Arguida; Que esta tinha esse valor, até por ter recebido heranças dos pais; estavam a declarar factos que tinham consciência era falsos, por serem factos que lhes são pessoais; 8.ª- A conjugação dos documentos e das declarações prestadas em diferentes julgamentos, apontam necessariamente para conclusão diferente da que consta do despacho recorrido.

  7. - Percebendo-se que ao actuarem da forma descrita lograram, conforme pretenderam, deturpar a verdade dos factos, obtendo decisão que foi favorável à arguida, com prejuízo para o Assistente.

  8. - Foram violados os art.°s 283.°, 3 e 308.° do C.P.Penal e art.°s 137.°, 14.º, 26.º, 359.º, e 360.º, todos do Cód. Penal.

Termos em que, deve o douto despacho recorrido ser substituído por outro, que pronuncie: A) A Arguida A. C. pela prática de um crime de prestação de falsas declarações, p. e p. no art.º 359.º do Cód. Penal, na forma consumada; B) O Arguido A. V. pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. no art.º 360.º do Cód. Penal.

Com o que se fará JUSTIÇA.” Recebido o recurso a ele respondeu o ministério público defendendo a sua improcedência.

*Remetidos os autos a este tribunal de novo o ministério público defendeu a manutenção da decisão recorrida.

*Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº 2 do Código de Processo Penal (CPP).

*Após os vistos, foram os autos à conferência.

II.

Cumpre apreciar e decidir tendo em conta que são as conclusões de recurso que delimitam o seu âmbito, sem prejuízo das questões de apreciação oficiosa.

Analisando a síntese conclusiva impõe-se aferir tão-só se os arguidos deveriam ter sido pronunciados pela prática dos crimes de falsidade de depoimento ou declaração (art. 359º do Código Penal) e de falsidade de testemunho (art. 360º do Código Penal).

*É a seguinte a decisão recorrida (transcrição): A finalidade da instrução, enquanto fase facultativa do processo penal português, encontra-se delineada no art. 286.º, n.º 1 do CPP, consistindo na obtenção de uma comprovação judicial da decisão de deduzir ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

E, tal como resulta conjugadamente dos art. 308.º, n.º 1, 2 e 3 do CPP, para lograr esse desiderato o Juiz de Instrução deve levar a cabo um processo reflexivo enquadrado nos mesmos parâmetros que norteiam a actividade decisória do Ministério Público no culminar na fase do inquérito. Impondo-se que analise os requisitos de legalidade processual inerentes ao caso concreto e, do ponto de vista do mérito, que verifique se até ao encerramento da instrução foram recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou uma medida de segurança.

Ora, sendo certo que por indícios se deve entender o conjunto de conhecimentos relativos aos factos objecto de investigação que decorrem, quer directamente, quer por inferência, ou dedução – sustentada, objectivamente, nas regras de lógica e da experiência comum – dos elementos de prova recolhidos no processo, deve atentar-se que quanto à questão da sua suficiência prescreve o art. 283.º n.º 2 do CPP (aqui aplicável ex vi art. 308.º, n.º 2 do mesmo diploma legal), estabelecendo como suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, e em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.

E daqui resulta, como bem se vê, que o legislador apela a realização de um juízo de prognose, impondo ao Juiz de Instrução a obrigação de projectar o sentido de uma eventual sentença final de mérito, quer face à análise dos elementos probatórios recolhidos no processo, quer face à consideração das próprias regras processuais que orientam a fase de julgamento, nomeadamente as que dizem respeito à comprovação judicial dos factos em processo penal (cf. Paulo Dá Mesquita, in Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, 2003, p. 92).

Num momento inicial importará aferir se os elementos de prova recolhidos, no inquérito e na instrução, uma vez valorados...

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