Acórdão nº 22/20.5GATCS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Março de 2021
Magistrado Responsável | MARIA JOS |
Data da Resolução | 10 de Março de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo especial, sob a forma sumária, n.º 22/20.5GATCS, do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, Trancoso – Juízo C. Genérica, foi o arguido V.
submetido a julgamento, sendo-lhe então imputada a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de desobediência qualificada e de três crimes de injúria, p. e p. respetivamente nos artigos 348.º, n.º 2 do Código Penal, com referência aos artigos 49.º, do D.L. n.º 433/82, de 27 de outubro, 170.º, n.º 1 e 171.º, n.ºs 1 e 2 do Código da estrada, 5.º da Lei de Segurança Interna 14.º, n.º 2 da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, 181.º, n.º 1 e 184.º, conjugado com o 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, por sentença de 29.09.2020 o tribunal decidiu [transcrição parcial do dispositivo]: “Em face do exposto, o Tribunal decide julgar a acusação parcialmente procedente e em consequência: - Absolver o Arguido V.
pela prática de dois crimes de injúria agravada, previstos e punidos pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, conjugados com o artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal.
- Condenar o Arguido V.
, pela prática, em autoria material e na forma consumada de: · Um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º, conjugados com o artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, contra o ofendido B(…), na pena de 75 dias de multa.
· Um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 2, do Código Penal, por referência ao previsto no artigo 49.º do D.L. n.º 433/82, de 27 de outubro, artigo 170.º, n.º 1 e 171.º, n.º 1 e 2, todos do Código da Estrada, artigo 5.º, n.º 1, da Lei de Segurança Interna e artigo 14.º, n.º 2, da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, na pena de 120 dias de multa.
- Fixar a pena única, em cúmulo jurídico, em 130 (cento e trinta) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros), num total de 780,00€ (setecentos e oitenta euros) – sendo de descontar no seu cumprimento um dia de multa, nos termos do artigo 80.º do Código Penal, pelo que o Arguido terá de proceder ao pagamento da quantia de 774,00€ (setecentos e oitenta e quatro euros).
(…).” 3. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões: 1. O Recorrente foi condenado, em autoria material e na forma consumada de: [transcrição do dispositivo]; 2. Discorda o Recorrente desta condenação; 3. Impugna a matéria de facto de 1 a 14, vejamos, Não aceita que circulasse em excesso de velocidade – a velocidade do veículo dos Autos não foi verificada por qualquer forma nem está quantificada pelo que este facto 1 é conclusivo; depois, 4. Depois, deverá smo, acrescentar-se aos factos provados 1 – Pelo menos um dos militares, o P(…), que fiscalizou o arguido no dia 23.08.2020, cerca das 18h30m, conhecia pessoalmente o arguido. 2 – O arguido foi detido, algemado e levado para o posto da GNR com vista a ser identificado, durante cerca de uma hora (cf. auto de notícia e auto de libertação de fls). 3 – Quando se encontrava detido no posto da GNR dirigiu aos militares as expressões constantes da matéria provada.
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Meios probatórios que impunham decisão diversa, quais sejam: - suporte digital gravação da produção de prova testemunhal audiência de julgamento, 0.16 do CD, do qual se extrai supra: 6. O próprio Tribunal a quo pondera referindo a testemunha militar da GNR P(…) que «Contudo, esta testemunha não mereceu grande credibilidade por parte do Tribunal (…)».
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É que esta testemunha andou com o arguido na escola conhecia-o na data dos factos e nem assim se eximiu a deter algemar e deter o arguido durante cerca de uma hora para o identificar – tudo o que se revela ilegal por desproporcional desadequado.
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Donde as injúrias a terem tido lugar escudam-se em prova proibida pois que terão sido “proferidas” quando o arguido foi detido algemado durante cerca de uma hora – ilegalmente percute, 9. Acresce, não consta dos factos provados que o Arguido tinha na sua posse quaisquer elementos de identificação: ora, seguindo a lição do Ac. TRG de 3.03-2014, do qual se extrai: I. O crime de desobediência por o agente ter omitido uma conduta imperada, pressupõe a prova de que estava em condições de cumprir a ordem dada.
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Aqui chegados, finalmente e por cautela, mesmo que se conclua pela desobediência, esta não é, como sustenta o tribunal a quo, desobediência qualificada, vejamos, 11. A qualificação que mereceu acolhimento na sentença, mostra-se errada, por não ser aquela que resulta de uma boa interpretação das normas aplicáveis, sejam elas do CP, da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana e da Lei da Segurança Interna.
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Assim sendo, a incriminação do caso presente deverá ter lugar sob a cobertura de tipicidade conferida pela norma do n.º 1 desse mesmo artº 348º, na sua al. b).
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Incluída a matéria de facto propugnada forçoso é concluir pela atuação desproporcional, desadequada da GNR, com absolvição do Arguido (a quem no limite a GNR deveria ter aplicado uma coima por violação de regra estradal) – não é aceitável que um militar da GNR conheça um cidadão de vista porque o meio é pequeno, por ter andado com o cidadão na escola e ainda assim não se exima de o deter algemar e reter no posto da GNR cerca de uma hora para … o identificar.
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A decisão em crise viola os artigos 250.º e 147º do CPP, o artigo 70.º do Código Penal e os artigos 18.º e 32.º da CRP.
Termos em que e nos demais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a Sentença recorrida, com as legais consequências.
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Foi proferido despacho de admissão do recurso.
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Em resposta ao recurso, o Ministério Público concluiu: 1. O conceito de velocidade excessiva e de excesso de velocidade (mencionado pelo recorrente) são distintos e importam, segundo as regras de circulação estradal, sanções e modos de verificação distintos.
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O Julgador fundamentou o decido no facto provado n.º 1 referindo que os militares inquiridos foram unânimes em relatar que o arguido se encontrava em velocidade excessiva (e não em excesso de velocidade) reportando-se à factualidade dada como provada no ponto 1, onde é referido “que o mesmo conduzia em velocidade superior à permitida naquele local, via onde se localizam diversos estabelecimentos comerciais e onde circulam, com frequência e em número elevado, pessoas e veículos”, sendo, deste modo, percetível a fundamentação expendida a este mister.
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O facto de não se ter apurado, em concreto, qual a velocidade a que o arguido circulava – importante para se determinar se o arguido circulava em excesso de velocidade – não releva para a apreciação realizada a propósito do apuramento do seu exercício da condução em velocidade excessiva. Termos em que a sentença recorrida não padece de qualquer vício a este propósito.
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O Tribunal a quo cuidou de indagar e de apreciar toda a factualidade pertinente para a boa e justa decisão da causa, a qual fundamentou.
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Não se verifica a existência de qualquer prova proibida, sendo que a detenção do arguido ocorreu na sequência da prática, em flagrante delito, do crime de desobediência.
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Caso não haja lugar à qualificação do crime de desobediência, nos termos constantes na sentença recorrida, sempre terá o arguido V. praticado o crime de desobediência simples, em face da factualidade dada como provada, pelo deve ser condenado.
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Sem...
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