Acórdão nº 1129/18.4T9MTA-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelFERNANDO PINA
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I. RELATÓRIO A – Nos presentes autos de Processo Comum Singular que, com o nº 1129/18.4T9MTA, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Local Criminal de Setúbal - Juiz 1, foi proferido despacho judicial, que indeferiu as questões prévias suscitadas na contestação apresentada pelos arguidos (...), relativas à omissão do requisito de punibilidade previsto no artigo 105º, nº 4, do Regime-Geral das Infracções Tributárias e à nulidade da acusação e do despacho de pronúncia por insuficiências de narração factual.

Inconformados com este despacho judicial de indeferimento do requerido, os arguidos (...), do mesmo interpuseram o presente recurso, extraindo da respectiva motivação, as seguintes extensas conclusões (transcrição): 1. Vem o presente recurso interposto dos despachos de 28/02 e 02/03/2020, na parte em que apreciaram (o segundo coonestando o primeiro despacho) as «questões prévias invocadas na contestação», com exceção do ponto (I) - dr. pontos (II) e (III).

  1. Omissão da condição de punibilidade: 2. Contrariamente ao decidido pela M. Juíza a quo, os factos de que os arguidos vêm pronunciados não reúnem a condição de punibilidade encerrada no artigo 105º/4, al. b). Não havendo confirmação integral do teor da acusação, a decisão instrutória não poderá quedar-se por uma simples remissão aos pontos do libelo acusatório (desde logo, porque tal se mostra ilógico).

    1. Desde logo, não pode concluir-se que os arguidos pessoas singulares, foram notificados a título pessoal e individual, apenas porque as comunicações de fls. 320-327 se mostram assinadas por aqueles.

    2. Com efeito, nas referidas laudas, alude-se a um "processo nº 2018004641, a correr seus termos na Unidade de Fiscalização do Alentejo do Instituto da Segurança Social IP em que é investigado o contribuinte “…, S.A.” com o NISS (…)”(sic).

    3. O contribuinte investigado é, segundo o texto da notificação (o qual faz fé junto dos seus destinatários), a sociedade comercial, não os arguidos pessoas singulares.

    4. Não decorre, pois, das comunicações em crise que impende qualquer responsabilidade penal sobre os arguidos pessoas singulares - pois que, vinque-se, a investigação recaía, dixit, sobre a arguida “…”, tão-somente.

    5. Adite-se que a notificação prevista no art. 105º/4, b) RGIT, deve consistir numa "interpelação admonitória", de tal sorte que dela resulte que se está a conceder uma derradeira oportunidade para que o (pretenso) contribuinte relapso liquide a dívida.

    6. No caso vertente, as notificações constantes de fls. 320 não assumem tal caráter terminante, desde logo porque não foram as únicas emitidas pelo Instituto da Segurança Social (v. fls ....). A notificação almejada pelo legislador deve ser única e firme. Não se pode reputar de admonitória uma sucessão de notificações (sempre se perguntará: qual delas, se alguma, é a definitiva e final?).

    7. Denote-se que as comunicações de fls. 320 e 327 não veiculam que, nos termos da lei e mediante o pagamento dos valores notificados, os arguidos, aqui recorrentes, ficariam eximidos ao processo-crime, conforme a vontade do legislador ao prever a condição de punibilidade ora em pauta.

    8. Com efeito, bem lido o teor de fls. 320 e 327, resulta que a preclusão do processo-crime é uma mera hipótese e não uma certeza (como impõe o legislador). De facto, o que se transmitiu foi que "o cumprimento da (...) notificação é passível de determinara eventual arquivamento do processo de inquérito atualmente em curso". Os adjetivos «passível» e «eventual», sendo pleonásticos, reforçam a ideia de que a extinção do processo-crime se salda como discricionária e incerta. Também nesta vertente, é impossível afirmar que as comunicações em apreço corresponderam ao desiderato legal e a ratio da «punibilidade», não podendo, razoavelmente, exigir-se de quem as recebe um último esforço de alinhamento com a intimação da Segurança Social (pois, mesmo que envidassem tal esforço, a sua exoneração não estaria garantida ...).

    9. Adicionalmente, as comunicações em exame não contêm todos os elementos prescritos na lei: capital da prestação alegadamente em falta, juros de mora e valor da coima.

    10. Quanto ao primeiro elemento, resulta já dos autos que a quantia total que o ISS indicou como sendo devida não o é, na realidade. Como reza a Pronúncia: “(…) haverá valores a serem subtraídos do valor global constante do ponto 12 e quadro da acusação (...)".

    11. Não se pode aceitar que, para se exonerar ao pathos da ação penal, o arguido notificado para os efeitos do artigo 105º/4, al. b) RGIT tenha de arrostar com o pagamento de um valor indébito. Para além de representar um enriquecimento injustificado do Estado, tal implica que a ação penal revista foros de desproporcionalidade (violando a garantia de um processo equitativo, leal e justo) - sendo que até pode dissuadir o contribuinte que pretenda honrar a dívida de o fazer (desvirtuando a ratio da condição de punibilidade).

    12. No que tange aos juros moratórias (leia-se: vencidos), as comunicações mostram-se totalmente omissas. Note-se, aliás, que o ISS confiou (delegou) na PSP a determinação do momento da notificação (desonerando-se do cômputo dos juros vencidos até à data da expedição ou assinatura da comunicação pelos serviços).

      Falta, portanto, e em absoluto, um elemento obrigatório do conteúdo das notificações sub judice.

    13. No que se refere ao valor da coima aplicável, as comunicações sob análise veiculam tão somente um intervalo dentro do qual se poderá (quem? Quando?) encontrar o valor da coima aplicável.

    14. Quando alude a «juros moratórios» e «valor da coima aplicável», o legislador pretende que a notificação prevista no artigo 105º/4, al. b) RGIT contenha quantias líquidas.

    15. A lei não consente outra interpretação, sob pena de usurpação do sentido possível das palavras e do princípio da legalidade (Cfr. artigos 1º/1 CP e 29º/1 CRP), que se aplica às condições de punibilidade (v.g., Teresa Beleza e Frederico de Lacerda da Costa Pinto).

    16. Acresce que a trintena prevista no RGIT corresponde ao prazo que o legislador reputou de adequado para a realização do pagamento. Donde resulta que a quantia a pagar pelo arguido deve surgir concretizada na notificação referida no artigo 105º/4, al. b) RGIT.

    17. Se assim não se entender, o arguido terá de se enlear em diligências junto da Segurança Social, as quais poderão revelar-se infrutíferas no prazo improrrogável e imperativo de 30 dias. A resposta dos serviços poderá não ser (consciente ou inadvertidamente) célere - abrindo, assim, a oportunidade a que a Administração defraude o âmago e a finalidade da condição de punibilidade (com inegável detrimento para as razões de política-criminal e de racionalidade do poder punitivo do Estado que inerem à referida condição) - v. fundamentação do ac. TRL de 28-11-2019; P. 2886/16.8T9LSB.

    18. Admitir aligeiramentos, incluindo omissões, ao conteúdo da notificação referenciada no artigo 105º, nº 4, b) RGIT acarreta - para além de uma violação do princípio da legalidade - uma compressão (administrativa) do prazo (legal) definido para a efetivação do pagamento das rubricas indicadas naquela alínea (o que afronta inclusivamente os princípios da separação de poderes e da legalidade, este agora entendido como vetor estruturante da atividade administrativa").

    19. Independentemente do que antecede, a doutrina - v.g., Manuel da Costa Andrade e Frederico da Costa Pinto - tem apontado à condição de punibilidade em apreço a pecha (em bom rigor: inconstitucionalidade) de consentir um tratamento arbitrário e desigual dos contribuintes.

    20. Divergindo agora do conteúdo das notificações, enfrentemos a questão da legitimidade da sua emissão, relativamente à qual a M. Juíza de Direito, igualmente, mas com guarda de todo o devido respeito, incorreu em erro de julgamento.

    21. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, o ISS não devia ter procedido à emissão da notificação, falecendo-lhe competência para tal ato.

    22. Na realidade, a despeito do artigo 40º/2 do RGIT, a D.R.M.P. do DIAP da Moita (junto do qual o inquérito tramitou) proferiu, em 19-11-2018, despacho pelo qual "[se considera] delegada no órgão da administração tributária competente, a realização das diligências probatórias que se afigurem úteis para a descoberta da verdade e esclarecimento dos factos denunciados".

    23. Este despacho - ao circunscrever a competência do I.S.S. - surtiu, por ato deliberado e vinculativo do M.P., um efeito restritivo do alcance do citado artigo 40º/2 (com o qual todo o processado subsequente se tem de coadunar, porquanto não se pode "ampliar" - para mais, por presunção - o que expressamente se "restringiu" e especificou, elidindo a tal presunção ...).

    24. Sendo a categoria da punibilidade autónoma do tipo ilícito e da culpa, as condições que lhe são atinentes não são objeto de «diligências probatórias», estando vedada ao I.S.S a sua intervenção neste conspecto ...

    25. A notificação em apreço deveria ter sido ordenada pelo Ministério Público, uma vez que os autos se encontravam em pleno inquérito. Como tal não sucedeu (nem ab initio nem em reparação do comportamento da Administração), estamos anteato inoperante para os efeitos do artigo 105º, nº 4, al. b) do RGIT.

      Arguição expressa e separada) de inconstitucionalidade: 28. A interpretação do artigo 105º, nº 4, b) RGIT no sentido em que a notificação aí prevista não tem de liquidar os valores a pagar pelo contribuinte é inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade, separação de poderes e igualdade e do direito fundamental a um processo equitativo (v. artigos 2º, 13º, 18º/2, 20º/4 e 29º/1, todos da CRP).

    26. A admitir-se que a notificação em exame pode ser realizada pela Administração Pública (o que vem contestado neste recurso), a supramencionada interpretação viola ainda os princípios da boa-fé, imparcialidade, justiça, proporcionalidade e igualdade que devem...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT