Acórdão nº 5125/15.5T8STB-C.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo 5125-15.5T8STB-C.E1 Comarca de Setúbal Instância Central Secção de Execução – J2 I. Relatório Por apenso à execução que lhe é movida por (…) – Bebidas, SA, veio (…) deduzir embargos de executado, com fundamento na falta de título executivo, tendo alegado o seguinte: - a sentença dada à execução condenou os RR, nos quais se inclui o embargante, “enquanto únicos sócios e liquidatários da sociedade (…), Lda., na medida e até ao montante que hajam recebido na partilha daquela sociedade”, obrigando, portanto, a exequente a demonstrar que a sociedade tinha activo e este foi partilhado pelos sócios; - os executados nada receberam aquando da liquidação da sociedade, que não tinha quaisquer activos, pelo que nada têm que pagar, competindo à exequente a demonstração do contrário o que, todavia, não poderá fazer em sede de acção executiva pelo que, até lá, não dispõe de título executivo contra os sócios. Isso mesmo ficou demonstrado no incidente de liquidação de sentença que a mesma intentou por apenso à acção declarativa na qual foi proferida a sentença dada à execução, facto que aqui omitiu deliberadamente, pelo que se impõe a sua condenação como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor do embargante, a fixar em montante não inferior a € 1.000,00. * Notificada, contestou a exequente/embargada, nesta sede tendo alegado que deduziu incidente de liquidação na acção declarativa em que foi proferida a sentença exequenda contra, além do mais, o aqui executado, com vista à concretização dos montantes devidos pelo mesmo. No âmbito do aludido incidente foi proferida sentença em 3 de Março de 2015 que decretou a absolvição dos RR da instância por falta de interesse em agir e consequente ilegitimidade da autora requerente, tendo o Tribunal considerado que “sabendo a autora que património é esse [dos RR que podem responder pela condenação] e o respectivo valor, conforme resulta do articulado da petição inicial, poderá executar a sentença, alegando a respectiva factualidade em sede de requerimento executivo, por ter o seu direito já reconhecido por sentença judicial que consubstancia título válido – artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do CPC”. Tal decisão transitou em julgado, o que impede o executado/embargante de se defender com a excepção da falta de título. Invocou ainda a falsidade das declarações prestadas pelos sócios aquando da dissolução da sociedade no que respeita à ausência de activo e de passivo, uma vez que o crédito da embargada era conhecido, tendo revertido a favor dos executados o valor de trespasse do estabelecimento comercial, de valor não inferior a € 10.000,00, e dos bens que o equipavam, não inferior a € 8.000,00, quantias que terão que responder pela dívida. Invocou finalmente a impropriedade do meio utilizado pelo executado, uma vez que, visando obstar à penhora de bens sua pertença, deveria antes ter deduzido oposição à penhora, nulidade que deve ser declarada e refutou a imputação de litigância de má-fé. * Afirmada, em sede de despacho saneador, a propriedade do meio processual escolhido e julgada improcedente a excepção da falta de título executivo, prosseguiram os autos com delimitação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova. Teve lugar audiência final, no termo da qual foi proferida sentença que julgou os embargos procedentes e decretou a extinção da execução. Inconformada, apelou a exequente/embargada e, tendo desenvolvidos nas alegações as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões: 1.ª Vem o presente recurso interposto da aliás douta decisão de 01/04/2020, que julgou procedente a deduzida oposição, tendo em vista, não apenas a interpretação e a aplicação da lei aos factos já dados como provados, mas, também, a reapreciação da prova produzida, com vista à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para e os efeitos do estatuído v. g. no artigo 662.º, do C.P.C. 2.ª A douta decisão recorrida invocou os seguintes fundamentos: (1) Os artºs 158º e 163º, do Código das Sociedades Comerciais pressupõem a alegação, reconhecimento e identificação, judicial ou extrajudicial, da existência de ativos partilhados, relativamente à sociedade que tenha sido extinta e liquidada; (2) O ónus de alegação e prova da existência de tais ativos e partilha pertence à Embargada; (3) Não a tendo logrado, não se verificam os necessários pressupostos ao deferimento da responsabilização dos sócios da sociedade em causa. 3.ª Foram bem dados como provados os factos constantes dos pontos 1 a 8 inclusive da douta sentença recorrida; pelo contrário, deveriam ter sido dados como provados os constantes das alíneas a/, b/ e c/ da mesma decisão (equivalentes aos temas de prova 1, 2 e 3). 4.ª Quanto à prova da existência de activo e partilha, ao contrário do decidido, (1) perante o registo da dissolução e do encerramento da liquidação da executada, (2) e da circunstância de, na respetiva decisão societária, constar a declaração dos sócios no sentido da inexistência de ativo e passivo a liquidar, (3) prosseguindo a execução contra a generalidade dos sócios, porque antes condenados a pagar o crédito em causa até ao limite que receberam em partilha, (4) o credor/autor/exequente não tem (sempre) o ónus da alegação e prova da existência de ativo e partilha. 5.ª A tal leva a interpretação conjugada do disposto nos seguintes preceitos legais: artºs 141º, 146º, 147º, 151º, 152º, 154º, n.ºs 1 e 3, 158º, nº 1, 160º, n.ºs 1 e 2, 161º, nº 2, 163º, nº 2 e 164º, todos do CSC. 6.ª A sociedade (…), Lda. foi extinta por os seus sócios terem requerido a dissolução e liquidação imediata da sociedade, junto da competente conservatória do registo comercial, tendo para o efeito: (1) declarado que não existia ativo nem passivo; (2) que se encontrava em condições de poder ser dada como liquidada; (3) “conforme tudo decorria da contabilidade social” ; (4) sido “proposta a aprovação dos documentos de prestação de contas e balanço do exercício fiscal, reportados à data da dissolução e reconhecida a inexistência de activo e passivo” ; (5) “ficando os livros e demais escrituração comercial da sociedade confiados à guarda do sócio gerente (…)” ; (6) Proposta que foi aprovada; (7) tendo o referido Rogério ficado depositário da escrituração comercial (cfr. acta n.º 11 de 20/10/2010). 7.ª Tais declarações são falsas, pois que a sociedade tinha passivo (designadamente o crédito exequendo, constituído antes de tal dissolução/liquidação/extinção) e activo, declaração que não vincula os credores sociais porque não coberta pela força probatória material que no art.º 371 do C. Civil é reconhecida aos documentos autênticos. 8.ª Assim, “Demandados pelos credores ao abrigo do art.º 163.º para pagamento do passivo superveniente, cabe aos sócios provar, através de outros meios que não a referida declaração, que nada receberem na partilha (cfr., aliás, o artigo 342.º/2 CC)” – Ac. TRE de 06/12/2014. 9.ª Fazer impender sobre os credores o ónus da prova de que a sociedade tinha bens (prova que, aliás, foi efetuada) e que esses bens foram partilhados entre os sócios, em detrimento da satisfação do seu crédito, implica que lhes resulte exigida uma prova que supõe o conhecimento de fatos internos materiais societários (partilha de fato, sem formalismos) a que eles, muito dificilmente, terão acesso. 10.ª Justificando-se uma inversão do ónus da prova (cfr. Ac. TC n.º 742/96), que constituirá uma justa distribuição de riscos resultante de interação social, admitida, no plano infra constitucional, pelo artigo 344.º, n.º 2, do Cód. Civil, independentemente de qualquer presunção de culpa. 11.ª Foi efetuada uma interpretação conjugada inconstitucional do disposto nos artigos 163.º, n.º 1, do CSC e artigo 342.º, nºs 1 e 2, do Código Civil; cfr. Acs. do T.C. nºs 761/95, 282/99, 504/04, 149/93, 236/99 e 465/2012). 12.ª Defendendo a recorrente que os artigos 158.º, n.º 1 e 163.º, n.º 1, do CSC e 342.º, n.ºs 1 e 2, do CC, devem ser conjugadamente interpretados no sentido de que, perante uma dissolução e extinção de uma sociedade, baseada na (falsa) declaração da inexistência de ativo e passivo, o ónus da prova da verificação, ou não, de ativo e sua partilha pelos sócios, pertence a estes últimos que, instados a responder pela dívida societária, terão de alegar e provar a inexistência de bens partilhados como fato impeditivo do direito dos credores (cfr. artigo 342.º, n.º 2, CC) . 13.ª O significado essencial do ónus da prova não está em saber a quem incumbe provar o fato, mas antes em determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de se não fazer prova do fato. 14.ª A prova de factos impeditivos (que, em sede de partilha, não receberam o suficiente para pagar 100% do crédito da Exequente, ou uma parte dele) cabia, assim, ao Embargante, por estarmos perante factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos – como é o caso, em que estamos perante uma verdadeira fraude à lei e falsidade de declarações, estando a Embargada apenas obrigada a provar o seu direito sobre a sociedade (cfr. artigo 342.º, nºs 1 e 2, do CC). Acresce que, 15.ª Existe nos autos uma total evidência que a sociedade Ré e/ou os seus antigos sócios/ liquidatários tornaram impossível a prova da factual idade em causa. 16.ª Na contestação de embargos, a Recorrente solicitou que a Embargante juntasse determinados documentos contabilísticos: documentos comprovativos do tratamento fiscal e destino dado à quantia recebida pela exequente, ao abrigo do contrato em causa; Documentos comprovativos do destino dado ao activo imobilizado da empresa “(…)”; Livros e demais escrituração comercial da referida sociedade relativos aos anos de 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010; Livro de actas da sociedade, da qual constem as que foram lavradas nos anos de 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010; Declarações de IRC, modelo 22, e respectivas IES da sociedade “(…)” relativas aos anos fiscais de 2004, 2005...

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