Acórdão nº 701/19.0TBEVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | TOM |
Data da Resolução | 25 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam no Tribunal da Relação de Évora I- Relatório: A…, casado, residente na Rua …, Espinho, intentou a presente ação declarativa comum contra J…, residente na …, Évora, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de €27.500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais, com juros legais, desde a citação até efetivo e integral pagamento, e, subsidiariamente, e caso assim não se entenda, a condenação do Réu ao pagamento da referida quantia com base no instituto do enriquecimento sem causa.
Para tanto, fundamentou o seu pedido na responsabilidade civil por facto ilícito cometido pelo réu e respetiva obrigação de reparar os danos que sofreu por incumprimento culposo do contrato de compra e venda, alegando, em síntese, que no dia 02-12-2014 comprou ao Réu o veículo Ferrari, modelo 328 GTS, com a matrícula 13-09-JQ, propriedade da mulher do ora réu, tendo este afirmado ao autor que tal viatura tinha 20.783 km, pelo preço de €55.000,00, entregando ao Réu como pagamento a sua autocaravana ou “Mobile Home” da marca Fleetwood, modelo Flair, com a matrícula …36, pelo preço de €25.000,00, pelo que lhe entregou ainda em dinheiro a quantia de €30.000,00.
Porém, em data posterior constatou que o mencionado Ferrari tem, na realidade, 120.783 km, o que altera substancialmente o seu valor de mercado e, por consequência, os termos do negócio celebrado com o réu.
Comunicou ao Réu a referida desconformidade na quilometragem, e desconfiando de tudo o resto relativamente ao Ferrari, mandou desmontar o mesmo para analisar o seu estado de conservação e descobriu as seguintes anomalias: a pintura do Ferrari já não era de origem ao contrário do que havia sido alegado pelo réu, aliás, esta tinha sido refeita e de má qualidade; a frente direita do Ferrari apresentava vestígios inequívocos de ter sofrido uma colisão; estavam instalados no sistema de refrigeração do motor do Ferrari tubos de borracha correntes comprados em qualquer casa de mangueiras ou borrachas; tinha tubos de admissão para alimentação do motor rasgados e/ou fissurados; a embraiagem estava a patinar; mau grado este modelo vir de origem com ar condicionado, o carro vendido pelo réu estava sem o respetivo compressor o que é o mesmo que dizer que não tinha ar condicionado; tinha sérios problemas no sistema de injeção de gasolina para o motor; as juntas de admissão e o escape estavam completamente degradadas e em estado lastimável; relativamente ao chassis, os casquilhos da suspensão estavam em estado de inutilização; os escapes estavam em adiantado estado de decomposição, tendo muitas seções apodrecidas; por fim, havia partes do fundo do chassis camufladas com fibra de vidro.
Mais alegou que o réu agiu com dolo, uma vez que omitiu elementos essenciais para a realização do negócio, sendo essenciais para a vontade do autor, pois, se este soubesse desde o início que a viatura não se encontrava em perfeito estado de conservação, nem apresentava os quilómetros visíveis no mostrador, era certo que o contrato não se teria concluído nos termos em que se concluiu, ou até nem teria sequer existido, e gastou € 7.500,00 em reparações.
Citado, o réu contestou, impugnando parcialmente os factos afirmados pelo autor e deduziu reconvenção, pedindo a condenação do autor no pagamento da quantia de € 16.869,81, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal, alegando que, posteriormente à celebração do contrato, constatou que a identificada autocaravana apresentava diversas deficiências cuja reparação ascende ao montante de € 16.869,81, reparações estas necessárias para que aquele veículo possa funcionar e circular normalmente, sendo que o autor assegurou que autocaravana estava em boas condições de funcionamento.
O Autor replicou.
Proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, foi realizada audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida a competente sentença que julgou nos seguintes termos (dispositivo): “Face ao exposto, julgando a ação e a reconvenção parcialmente procedentes, decide-se: a) condenar o réu J… a pagar ao autor A… quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), correspondente à redução do preço no celebrado contrato de alienação do identificado Ferrari, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal e contados desde a data de citação do réu; b) condenar o réu a pagar ao autor a quantia a apurar em posterior liquidação respeitante à reparação do ar condicionado do identificado Ferrari (por falta do respetivo compressor), até ao limite de € 7.500,00, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal e contados desde a data de citação do réu; c) condenar o autor reconvindo a pagar ao réu reconvinte a quantia de € 1.059,50 (referida na fatura/recibo datada de 26-10-2015) e ainda a quantia a apurar em posterior liquidação respeitante à reparação do gerador a gaz da identificada Autocaravana, até ao limite de € 638,96, acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa legal e contados desde a data de notificação da contestação/reconvenção; d) absolver o réu e o autor reconvindo do pedido, na parte restante; e) absolver o réu do formulado pedido de condenação como litigante de má fé e, em consequência, julgar improcedente o correspondente pedido indemnizatório formulado pelo ora autor; f) na ação e na reconvenção, condenar o autor e o réu no pagamento das custas, na proporção do decaimento”.
Desta sentença veio a Réu interpor o presente recurso, alegando e concluindo nos termos seguintes: I) O Recorrente não se conformar com a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, por entender, salvo o devido respeito, que aquele fez uma errada subsunção dos factos ao direito, e em consequência a uma decisão judicial proferida pelo tribunal a quo, na qual não se logrou alcançar a tão almejada justiça.
II) Apesar de o tribunal a quo não estar sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, como o próprio afirma na douta sentença.
III) Considera o ora Recorrente, salvo melhor entendimento, que o douto Tribunal a quo não o poderia ter condenado, com base na qualificação jurídica supra mencionada, IV) Isto porque o negócio foi efetuado em 02 de dezembro de 2014.
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Por carta datada de 29 de janeiro de 2015, o A. denunciou apenas a desconformidade da quilometragem.
VI) Resulta assim que o A. não denunciou e intentou a competente ação dentro dos prazos fixados nos art.ºs 916.º e 917.º do C.C.
VII) O prazo de caducidade de seis meses, previsto no art.º 917º, do CC, deve aplicar-se, por interpretação extensiva, para além da ação de anulação, também às ações que visem obter a reparação ou substituição da coisa, ou ainda a redução do preço e o pagamento de uma indemnização pela violação contratual.” Pelo que, VIII) E mais uma vez, salvo melhor entendimento, não poderia o Tribunal a quo condenar o R., como condenou, em venda de coisa defeituosa., por o direito do A. já se encontrar caducado desde julho de 2015.
IX) E muito menos, condenar na reparação do ar condicionado do Ferrari (por falta do respetivo compressor), defeito este que nunca foi sequer denunciado/reclamado pelo A., e ainda que fosse, também já esse esse direito se encontrava caducado.
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Considerou o Tribunal a quo na douta sentença que o regime jurídico a aplicar seria o regime do contrato misto de venda e permuta.
XI) A douta sentença deu como provado que: XII) O R. não era proprietário do veículo da marca Ferrari, modelo 328 GTS, com a matrícula …JQ.
XIII) A proprietária do dito veiculo era a mulher do R., A…, casados sob o regime da separação de bens.
XIV) Pessoa que assinou o documento de registo automóvel.
XV) Bem como, resultou provado que o A. não era proprietário da Autocaravana ou “Mobile Home” da marca Fleetwood, modelo Flair, com a matrícula … 36.
XVI) Assim, para a conclusão do negócio supramencionado entre o A. e o R., tiveram que intervir também a mulher do R., A… e a testemunha P..., proprietário da autocaravana.
XVII) Ora, salvo melhor opinião mal andou o douto Tribunal a quo ao constatar “() que a mulher do réu consentiu expressamente na alienação do indicado veículo”.
XVIII) Porquanto, não houve um consentimento na venda por parte da mulher do R., houve sim a venda por parte da mulher do R. do Ferrari ao A.
XIX) E tanto assim é, que os mandatários do A. enviaram a carta datada de 29/01/2015 à mulher do R. a informar da divergência de quilómetros e da consequente prossecução de denúncia-crime contra aquela.
XX) Considera assim o Recorrente, salvo melhor opinião que não se encontraram preenchidos os elementos do tipo nem de um nem de outro, mormente a necessária propriedade dos bens vendidos ou permutados.
XXI) Mal andou, mais uma vez, o Tribunal a quo na qualificação jurídica do contrato como contrato misto de venda e permuta e na consequente aplicação do direito aos factos.
XXII) Conforme despacho da Digna Magistrada do Ministério Público no Proc. nº 295/15.5 T9EVR, que correu termo na 1ª secção do DIAP de Évora: XXIII) - Não se demonstrou que o arguido (ora R.) teve uma conduta enganosa e astuciosa e que XXIV) – o Ferrari esteve disponível para ser verificado pelo denunciante (ora A.) antes e após a celebração do contrato e XXV) a isto acresce que o denunciante (ora A.) é comerciante de veículos, não se entendendo como celebrou o contrato sem ter acesso ao livro de revisões do carro.
XXVI) Aquando da inquirição da testemunha P… o Juiz a quo demonstrou a sua estupefação pelo facto do A. e a testemunha P… terem feito o negócio sem terem interrogado o R. nem pelos quilómetros nem pelo livro de revisões.
XXVII) Porquanto, sendo ambos comerciantes, com o nível de experiência que admitem ter, e dedicarem-se à catividade de compra e venda de veículos automóveis histórico e colecionismo há vários anos com bastante experiência, acrescido dos conhecimentos técnicos que possuem, tenham ficado deslumbrados com um veículo que se apresentava como um bom...
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