Acórdão nº 2570/17.5PBFUN.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelCID GERALDO
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. – No processo nº 2570/17.5PBFUN, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira Juízo Local Criminal do Funchal - Juiz 2, o Digno Magistrado do Ministério requereu o julgamento, em processo comum e perante o Tribunal singular, de J. , imputando-lhe os factos descritos na acusação de fls. 108 e ss. dos autos, pelo que o acusou da autoria material, em concurso efectivo, de um crime de dano e de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p., respectivamente, pelos art°s 212°, n° 1 e 191°, ambos do C. Penal.

MH deduziu um pedido de indemnização contra o arguido, com fundamento em danos morais e em danos patrimoniais, no valor global de 1573,10 euros.

O arguido deduziu contestação na qual, em síntese, negou a prática dos factos que lhe são imputados, alegou que as imagens de videovigilância apresentadas como meio de prova representam um meio proibido de prova, pelo facto de o condomínio em questão não ter autorização da CNPD para a captação e gravação de imagens de videovigilância no local onde foram captadas, que as ditas imagens foram manipuladas pelo queixoso e demandante e, por fim, que o condomínio carece de legitimidade para, sem autorização da assembleia de condóminos, intentar acções de natureza criminal.

Mais arrolou duas testemunhas, tendo este rol e a mencionada contestação sido liminarmente admitidas.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com o cumprimento das devidas formalidades legais.

Findo o julgamento, foi proferida decisão que, julgando a acusação procedente, condenou o arguido J. , pela autoria de um crime de dano, p. e p. pelo art° 212°, n° 1 do C. Penal, na pena de 145 (cento e quarenta e cinco) dias de multa à taxa diária de 6 (seis) euros e, pela autoria de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo art° 191° do C. Penal, na pena de 30 (trinta) dias de multa, à mesma taxa diária e na pena única do concurso de 160 (cento e sessenta) dias de multa, ainda à referida taxa diária, perfazendo um total de 960 (novecentos e sessenta) euros.

Foi ainda julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização em que é demandante MH , condenando-se o demandado J. a pagar-lhe a quantia de 1.123,10 euros (mil, cento e vinte e três euros e dez cêntimos).

* Não se conformando com a decisão, o arguido J. , interpôs recurso, alegando erro na apreciação da prova, nomeadamente, a inexistência de prova documental do direito de propriedade ou outro direito real de gozo da viatura danificada, razão pela qual vai correspondente decisão sobre a matéria de facto expressamente impugnada, sustentando que o procedimento criminal, em ambos os crimes, é nulo por falta de legitimidade dos queixosos para apresentação das respectivas queixas, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes conclusões: 1. A decisão recorrida padece de vício substancial, na medida em que julgou mal a matéria de facto, interpretou e aplicou mal a lei.

  1. Houve erro na apreciação da prova, nomeadamente, a inexistência de prova documental do direito de propriedade ou outro direito real de gozo da viatura danificada, razão pela qual vai correspondente decisão sobre a matéria de facto expressamente impugnada.

  2. O procedimento criminal, em ambos os crimes, é nulo por falta de legitimidade dos queixosos para apresentação das respectivas queixas.

  3. Extinguiram-se, por prescrição, os respectivos direitos de queixa.

  4. Não tendo o assistente demonstrado ser proprietário da viatura danificada nem ser titular de qualquer outro direito ou interesse legítimo legalmente tutelado, não se afigura lesado e, como tal, não tem direito a ser ressarcido de um dano que não sofreu.

  5. A douta sentença recorrida padece de erro de julgamento.

  6. Normas jurídicas que o recorrente considera que foram violadas: artigo 113.°, n.° 1 e 115.°, n.° 1 do Código Penal; artigos 119.°, alínea e), 48.°, n.° 1 e 49.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, e artigo 483.° do Código Civil.

    Nestes termos: Nos mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.as deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta sentença de 1.a instância revogada e substituída por acórdão que absolva o arguido da condenação criminal e do pedido indemnizatório, assim se fazendo justiça.

    * A Digna Magistrada do Ministério Público apresentou a sua contra-motivação concluindo: - À data dos factos o queixoso utilizava o veículo danificado e fez prova de que pagou do seu bolso a reparação, o que é bastante para se queixar por danos praticados no veículo.

    - À data dos factos, o veículo danificado estava no parque privado do condomínio, pelo que a administração do condomínio tinha legitimidade para se queixar de crime de introdução em lugar vedado ao público.

    - Assim sendo o MP estava legitimado a promover o inquérito e a acusar, não havendo qualquer violação dos art.°s 113.°, n.° 1, 115.° n.° 1 do CP, nem qualquer nulidade das elencadas no art.° 119.° do CPP, muito menos a da alínea e) que versa sobre a competência do tribunal.

    - Mediante a prova documental e testemunhal examinada em julgamento, valorada ao abrigo do disposto no art.° 127.° do CPP, a sentença recorrida ponderou corretamente os factos e os pressupostos de aplicação da pena, devendo manter-se nos seus precisos termos, não devendo merecer provimento a pretensão do recorrente.

    * Nesta Relação o Exmo Sr. Procurador Geral Adjunto, apôs o visto.

    * 2. – O acórdão recorrido fixou a matéria de facto, bem como a fundamentação de facto, e o enquadramento jurídico, da seguinte forma: FACTOS PROVADOS No dia 24 de Dezembro de 2017, cerca das 20 horas e 35 minutos, o arguido dirigiu-se à entrada da garagem colectiva de parqueamento automóvel exclusivamente destinada aos condóminos do “Edifício Residencial …” e localizada num dos pisos desse edifício, sito na Rua …, n.° 1, Funchal, área desta comarca.

    Neste edifício residia o ora demandante, MH e, num dos lugares do referido parqueamento colectivo, parqueava, naquele dia e hora, o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca “BMW”, modelo “X5”, cor azul e matrícula ….

    Aproveitando a circunstância de um condómino ter aberto, momentaneamente, o portão automatizado de acesso a essa garagem vedada, mediante o uso do respectivo comando, para entrar e estacionar o seu carro, o arguido, que não era condómino, entrou, sem autorização de ninguém que lha pudesse dar, apeado, no interior da mesma, munido de um objecto não concretamente identificado, com o objectivo, previamente planeado, de provocar estragos no mencionado veículo automóvel.

    Após, e já no interior desse espaço, o arguido, com recurso ao objecto não concretamente identificado, desferiu várias pancadas na mencionada viatura automóvel do demandante, mediante as quais partiu dois vidros da parte lateral esquerda da viatura (o vidro lateral esquerdo traseiro do passageiro e o vidro lateral esquerdo do porta bagagens) e amolgou a chapa da porta do passageiro e da porta do condutor, ambas do lado esquerdo da viatura.

    Em virtude da conduta do arguido, a viatura automóvel necessitou de ser objecto de reparações quanto aos vidros, chapa e pintura, cujo custo de reparação ascendeu ao valor total de mil cento e vinte três euros e dez cêntimos.

    O arguido estava zangado e desavindo com o demandante, em virtude de o conselho de administração do condomínio desse edifício, de que o demandante fazia parte e normalmente representava, ter rescindido, alguns dias antes do dia referido, o contrato de assessoria ao condomínio que uma empresa do arguido vinha prestando.

    O arguido agiu deliberada, voluntária e conscientemente, com o propósito, conseguido, de provocar estragos na supra identificada viatura automóvel, como aconteceu, sabendo que a mesma não lhe pertencia.

    O arguido agiu deliberada, voluntária e conscientemente, com o propósito, conseguido de entrar e permanecer, sem autorização de quem de direito, no interior do referido espaço de parqueamento.

    Apesar de saber que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, o arguido não se absteve de as praticar.

    O arguido aufere um rendimento mensal de cerca de 1.000 euros.

    Vive em casa de familiares.

    Tem dois filhos ao encargo.

    É licenciado.

    Tem como antecedente criminal a condenação por crime de ameaça, cometido em 19/06/18 e punido com 70 dias de multa, à taxa diária de 6 euros.

    FACTOS NÃO PROVADOS O local de estacionamento onde se encontrava o veículo era na cave do imóvel.

    Em virtude da conduta provada do arguido, o demandante passou a evitar deslocar-se ao local de estacionamento dito nos factos provados e vive em permanente sobressalto, estando, até hoje, emocionalmente desestabilizado.

    O demandante manipulou as imagens captadas, na noite de 24/12/2017, pelas câmaras de videovigilância existentes na mencionada garagem, que posteriormente juntou aos autos.

    MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.

    (…) ENQUADRAMENTO JURÍDICO - PENAL DOS FACTOS Vem o arguido acusado da autoria material de um crime de dano, p. e p. pelo art° 212°, n° 1 doC. Penal.

    Incorre na prática deste crime "quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia" (Cfr. art° 212°, n° 1, do C. Penal).

    E um crime doloso, que exige a prática de uma conduta danosa relativamente a bens que se sabe de terceiro, com o conhecimento desse carácter danoso e a vontade de a levar a cabo.

    O bem jurídico protegido é o património de terceiros.

    Dúvidas não subsistem que a conduta do arguido sobre o veículo automóvel em causa nos autos, partindo-lhe vidros e danificando partes da chaparia, preenche todos os requisitos objectivos previstos no tipo legal que se acabou de definir, tal como a sua vontade de obter tal resultado, sabendo-o ilícito, preenche o respectivo elemento subjectivo.

    Vem também o arguido acusado da autoria material de um crime de “introdução em lugar vedado ao público”, p. e p...

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