Acórdão nº 23/17.0JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I.

RELATÓRIO 1.

No âmbito do Processo Comum Colectivo nº 23/17.0JABRG, do Juízo Central Criminal de Braga, Juiz 6, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foram submetidos a julgamento os arguidos: 1.1.

  1. S.

, viúvo, reformado, filho de J. A. e de A. V., natural da freguesia ..., do concelho de Amares, nascido no dia - de Setembro de 1947, residente na Rua …, nº .., da freguesia ..., do concelho de Amares, portador do Cartão de Cidadão nº …….; e 1.2. J. N.

, também conhecido pela alcunha de “X”, solteiro, comercial de ferragens, filho de A. N. e de J. F., natural de Angola, nascido no dia - de Janeiro de 1970, residente na Rua …, nº .., da freguesia ..., do concelho de Amares, portador do Cartão de Cidadão nº ……….

*2.

Em 15/07/2020 foi proferido acórdão, depositado no mesmo dia, do qual consta o seguinte dispositivo (transcrição (1)): “Pelo exposto, decide-se: a) Absolver o arguido J. N. da prática, como autor material, na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 22º, nºs1 e 2, alínea b), 23º, nºs1 e 2, 26º, 1ª proposição, 69º, nº1, alínea a), 131º e 132º, nº2, alínea h), todos do CP; b) Sem custas criminais, nesta parte (cfr. artigo 522º, nº1, do CPP); c) Condenar o arguido A. S. pela prática, como autor material, na forma consumada, em concurso efectivo, real e heterogéneo, de: [i] 2 (dois) crimes de ameaça, na pessoa do arguido/assistente J. N. (por via de A. C. e J. F.), p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº 1, 26º, 1ª proposição, 30º, nº 1, 77º e 153º, nº1, todos do CP, na pena parcelar de 60 (sessenta) dias de multa, à razão diária de €6,00 (seis euros), perfazendo o montante global de € 360,00 (trezentos e sessenta euros), para cada um; e [ii] 1 (um) crime de ofensa à integridade física simples, na pessoa do assistente/arguido J. N., p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº1, 26º, 1ª proposição, e 143º, nº 1, todos do CP, na pena parcelar de 110 (cento e dez) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros), perfazendo o montante global de € 660,00 (seiscentos e sessenta euros); d) Condenar o arguido A. S. em cúmulo jurídico, ao abrigo do vertido no artigo 77º, nºs 1 e 2, do CP, na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 900,00 (novecentos euros); e) Condenar o arguido A. S. no pagamento das custas criminais, fixando-se em 3 (três) UC’s a taxa de justiça devida (cfr. artigos 513º e 514º, do CPP, e artigos 3º, nº 1 e 8º, nº 9, estes do Regulamento das Custas Processuais, por referência à Tabela Anexa III, do mesmo diploma legal), sem prejuízo do direito a protecção de que (eventualmente) beneficie(m) – cfr. fls.343; f) Julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente/demandante A. S. totalmente improcedente, e, em consequência absolver do pedido o arguido/demandado J. N.; g) Condenar o assistente/demandante A. S. no pagamento das custas civis (cfr. artigo 527º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 523º, este do CPP), sem prejuízo do direito a protecção jurídica de que (eventualmente) beneficie – cfr. fls.343 – e sem prejuízo da isenção prevista no artigo 4º, nº1, alínea n), do Regulamento das Custas Processuais, se for aplicável; h) Julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente/demandante J. N. parcialmente procedente, e, em consequência condenar o arguido/demandado A. S. a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 1.200,00 (mil e duzentos euros), a que acrescem juros de mora (cfr. artigos 804º, 805º, nº2, alínea b), do CC), vencidos e vincendos, que serão contabilizados a partir do momento da prolação desta decisão actualizadora – e não a partir da notificação do pedido de indemnização civil formulado – à taxa legal em vigor em cada momento, sendo de 4% a actualmente aplicável (cfr. Portaria nº 291/2003, de 08 de Abril, ex vi artigo 559º, do CC), por efeito do disposto nos artigos 805º, nº 3, 2ª parte, do CC (este interpretado restritivamente), e 806º, nº1, do mesmo diploma legal (vide Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002, de 09 de Maio de 2002, publicado no Diário da República, I Série – A, nº146, de 27 de Junho de 2002), até efectivo e integral pagamento; i) Condenar o assistente/demandante J. N. e o arguido/demandado A. S. no pagamento das custas civis, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 75% para o assistente/demandante e 25% para o arguido/demandado (cfr. artigo 527º, nºs1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 523º, este do Código de Processo Penal), sem prejuízo do direito a protecção jurídica de que (eventualmente) beneficie(m) – cfr. fls.328 (quanto ao mencionado J. N.) e fls.343 (quanto ao aludido A. S.) – e sem prejuízo da isenção prevista no artigo 4º, nº 1, alínea n), do Regulamento das Custas Processuais, se for aplicável.

(...)”.

*3.

Inconformados com tal decisão, dela vieram o Ministério Público e o arguido A. S.

interpor os presentes recursos, cujas motivações são rematadas pelas seguintes conclusões e petitórios (transcrição): 3.1.

Ministério Público (fls. 705/711 Vº) “1.Por douto acórdão proferido em 15 de Julho de 2018, decidiu o tribunal a quo: “a) Absolver o arguido J. N. da prática, como autor material, na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 13.º, 1.ª parte, 14.º, n.º1, 22.º, n.ºs 1 e 2, alínea b, 23.º, n.ºs 1 e 2, 26.º, 1ª proposição, 69.º, n.º1, alínea a), 131.º e 132.º, n.º2, alínea h), todo do CP”.

  1. Pese embora não se pôr em causa a absolvição do arguido J. N. pela prática do crime, como autor material, na forma tentada, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 13º, 1ª parte, 14º, nº 1, 22º, n.ºs 1 e 2, alínea b, 23º, n.ºs 1 e 2, 26º, 1ª proposição, 69º, nº 1, alínea a), 131º e 132º, nº 2, alínea h), todos do Código Penal, tendo em conta a factualidade dada como provada, não pode o Ministério Público deixar discordar com a não condenação do arguido J. N., pela da prática do crime de Ofensa à integridade física qualificada, com dolo eventual, p. e p. pelo art. 145º, nº 1, al. a) e nº 2, com referência à al. h), do nº 2, do art. 132º do Código Penal, ou, caso assim não se entenda, pela prática do crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelos art.s 14º, nº 3 e 143º do Código Penal.

  2. Não obstante a materialidade fáctica assente, mormente nos pontos 12 a 32 dos factos provados, considerou o Tribunal a quo que o arguido J. N. actuou em legítima defesa.

  3. A legítima defesa encontra-se prevista no art. 31º do Código Penal como causa de exclusão da ilicitude.

  4. A exclusão da ilicitude decorrente da actuação em legítima defesa depende da verificação dos seguintes requisitos: agressão actual e ilícita, defesa necessária e intenção defensiva.

  5. Ora, no caso concreto, tendo-se dado como provado que o “O arguido J. N., ao actuar do modo supra descrito, representou como possível atingir o arguido A. S., pelo menos, na sua integridade física, resultado com o qual se conformou” (ponto 31 dos factos provados), ficou assim excluída a intenção defensiva, ficando assim afastada a legítima defesa.

  6. A douta decisão recorrida padece de erro de direito, ao enquadrar juridicamente os factos que se considerou provados, considerando que o arguido agiu em legítima defesa, sem que dos mesmos fizesse constar que o arguido agiu com intenção defensiva relativamente à agressão de que estava a ser alvo.

  7. A matéria de facto provada não comporta a decisão de direito proferida, não porque estes sejam insuficientes para a decisão (o vício previsto no art. 410º, nº 2, al. a) do C.P.P. ocorre antes nos casos em que existe uma omissão de pronúncia, ou seja, quando o tribunal não dá como provados ou não provados todos os factos que, sendo relevantes para decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão), mas porque foi efectuada uma errada integração jurídico-penal.

  8. A factualidade provada integra, objectiva e subjectivamente, a prática do crime de Ofensa à integridade física qualificada, com dolo eventual, p. e p. pelos arts. 14º, nº 3, 145º, nº 1, al. a) e nº 2, com referência à al. h), do nº 2, do art. 132º do Código Penal e logo, devendo o arguido J. N. ser condenado pela sua prática.

  9. O uso de um veículo automóvel para atingir um determinado resultado – no caso sub iudice o arguido J. N. serviu-se do veículo automóvel que conduzia para atingir o ofendido A. S. na sua integridade física, não pode deixar de se enquadrar na utilização de um meio particularmente perigoso.

  10. A tal não obsta, o facto de se ter dado como provado que o arguido agiu com dolo eventual.

    No sentido de que a possibilidade de realização do tipo legal de ofensas à integridade física qualificada com dolo eventual existirá em relação a muitas das alíneas do art.132.º2”, Paulo Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense, Tomo I, 2.ª edição, pag. 252).

  11. Não obstante, caso se entenda que os factos provados, acima enunciados, não comportam, do ponto de vista subjectivo, a condenação pela prática do crime qualificado, por se entender que não basta existir dolo relativamente ao resultado produzido, mas que este teria que abranger os elementos constitutivos dos exemplos-padrão previstos no nº 2, do art. 132º do Código Penal, deverá antes o arguido ser condenado pela prática do crime de Ofensa à integridade simples, p. e p. pelos arts. 14º, nº 3 e 143º, do Código Penal, uma vez que a factualidade assente é suficiente para tal.

  12. “(…) II- Aqueixa não está sujeita a qualquer forma ou “dizeres” especiais, e muito menos tem o queixoso que nela revelar conhecimentos jurídico-penais designadamente, através de uma correcta qualificação do facto por si denunciado.

    III- A lei apenas exige, para este efeito, que através de um acto formal consistente em dar conhecimento do facto ao...

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