Acórdão nº 128/08.9TAVN-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelC
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Desembargadora Relatora: Cândida Martinho Desembargador Adjunto: António Teixeira.

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I.

Relatório 1.

No âmbito do processo comum coletivo, com o nº128/08.9TAVNC-C, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo - Juízo Central Criminal de Viana do Castelo (Juiz 2) por despacho proferido em 22/1/2020, ao abrigo do disposto no artigo 56º, nº1, do C.Penal, foi revogada a suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão aplicada ao arguido J. J..

Posteriormente à prolação deste despacho foi proferido um outro, em 14/2/2020, no âmbito do qual foi determinada a notificação ao arguido do mencionado despacho de revogação para a morada constante do TIR com prova de depósito.

  1. Não se conformando com tais despachos, o arguido recorreu dos mesmos, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: No que respeita ao recurso interposto em 15/6/2020, do despacho proferido em 22/1/2020, o recorrente concluiu nos seguintes termos: «

    1. O Recorrente considera a decisão de revogação da suspensão da pena de prisão é injusta, por não se encontrar devidamente fundamentada e se fundar num erro notório de apreciação da prova segundo as regras da experiência e livre convicção do Tribunal a quo.

    2. Estamos perante um despacho decisório que, em termos práticos, equivale, analogicamente, à determinação de uma sentença.

    3. Como tal deverá observar os requisitos estabelecidos no artigo 374° do Código Processo Penal, entre eles, o dever de fundamentação.

    4. Sucede que o despacho ora posto em crise é desprovido de qualquer fundamentação, não enunciando sequer as concretas razões de facto em que baseia a decisão de revogar a suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão imposta ao arguido.

    5. Ora, tal omissão ainda se torna mais grave quando está em causa um despacho que ao determinar uma alteração in pejus do conteúdo decisório da sentença condenatória, poderá implicar a perda da liberdade do condenado.

    6. Qualquer decisão que determine a pena de prisão — revista ela a forma de sentença ou de despacho — deve elencar de forma escrupulosa todas as razões de facto e de direito que conduziram à sua aplicação.

    7. Desta forma, e salvo melhor entendimento, não tendo o Tribunal a quo indicado as provas que serviram para formar a sua convicção, nem tendo efectuado um exame crítico de tais provas, existe insuficiente fundamentação do despacho que decidiu revogar a suspensão da execução da pena de prisão ao arguido, pelo que deverá ser determinada a sua nulidade, nos termos do artigo 379°, n° 1, alínea a), com referência ao artigo 374°, 1102, ambos do CPP.

    8. Não obstante, o Tribunal a quo não apurou as reais e efectivas condições pessoais e económicas do arguido para cumprimento da obrigação.

    9. Apesar de sempre se manter firme na intenção de querer resolver a questão pendente no processo, pagando a indemnização às assistentes, o arguido não dispôs em algum momento de condições reais e sérias para efectuar o pagamento de qualquer quantia.

    10. O Arguido possui um conjunto de encargos associados à sua vida quotidiana e tem um histórico económico complicado.

    11. Em meados de 2012, em virtude das dificuldades de mercado e da situação macroeconómica do país, a entidade empregadora do Arguido — Casa …, SA. viu-se obrigada a prescindir dos seus serviços.

    12. Entre 2012 e 2013, o Arguido inscreveu-se no centro de emprego a fim de obter a antecipação da totalidade do fundo de desemprego (36 meses) e criar a sua própria empresa na área da consultoria e formação - X - formação e Consultoria, Unip., Lda.

    13. Foram tempos difíceis e a altura para criar a empresa também não foi a melhor, isto porque em plena crise as empresas não estavam abertas a gastar em formação e consultoria.

    14. Nesta altura o arguido recorreu a ajuda de familiares e prestou serviços regulares em regime de avença numa empresa têxtil em Balazar - Y Têxteis, Lda.- com uma avença mensal de 1.000 euros.

    15. No início de 2014 surgiu a oportunidade de ir trabalhar para a Hungria, para uma empresa especializada em transferência de actividades financeiras para centros de serviços partilhados.

    16. Porém, durante o período de suspensão da pena o arguido teve sempre várias despesas fixas para suportar, designadamente as rendas das casas em Portugal e na Hungria, as propinas da filha mais velha, o sustento das duas filhas, as viagens mensais a Portugal e outras despesas gerais como água, electricidade, gás e alimentação.

    17. Por outro lado, o Arguido não possui qualquer património que lhe permita realizar liquidez para pagar às Assistentes.

    18. A Assistente W Portugal, S.A. instaurou execução contra o Arguido com vista ao pagamento das quantias a que este foi condenado nestes autos.

    19. No âmbito dessa execução, que correu termos no Juízo de Execução de V.N. Famalicão - Juiz 1, com o n.°2340/13.OTB3CL, foi penhorada a casa de do Arguido, sita em Esposende, a qual viria a ser vendida nesse processo, revertendo porém a totalidade do valor da venda para o credor hipotecário Banco …, que havia reclamado o seu crédito.

    20. Correu ainda contra o Arguido execução para pagamento de quantia certa, com o n.° 2021/17.5TBCL1, em que é exequente E. R., sendo a quantia exequenda de 35.844,88 euros.

    21. A verdade é que o Arguido apesar de trabalhar assiduamente, não dispôs em algum momento de condições reais e sérias para efectuar o pagamento de qualquer quantia às Assistentes.

    22. O despacho ora posto em crise não só não coloca em causa as razões invocadas pelo Arguido como justificação para o incumprimento da sua obrigação junto das Assistentes, como também reconhece que “compreendeu as dificuldades que o arguido teve durante estes vários anos para conseguir gerir a sua vida em termos económicos”.

    23. O próprio Arguido nunca escondeu as dificuldades que iria enfrentar para cumprir com a obrigação que lhe foi imposta como condição da suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão.

    24. O Tribunal a quo ouviu a ex-mulher do arguido que também confirmou as dificuldades económicas sentidas por este nos últimos anos e o apoio que este prestou e tem vindo a prestar a si e à família.

    25. Ora, salvo melhor entendimento, tal decisão viola frontalmente o princípio jurídico “ad impossibilita nemo tenetur”, isto é “ninguém é obrigado a fazer coisas impossíveis”.

    26. Ainda sem conceder, nos termos do artigo 560, n° 1 do Código Penal, “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social “.

      a

    27. O comportamento do arguido durante o tempo da suspensão da pena não consubstancia uma infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos, desde logo porque em momento algum tal infracção resultou de descuido ou leviandade do Arguido, mas sim apenas e exclusivamente uma manifesta e clara impossibilidade de fazer face a tal encargo.

      bb) Por outro lado, a transcrição de excertos de dois Acórdãos e a simples constatação por parte do Tribunal a quo de que “durante todo este tempo o arguido não entregou 1 cêntimo que fosse às assistentes, não tentou, junto destas, ir procedendo ao pagamento de uma quantia ainda que pequena” é, com o devido respeito por opinião diversa, manifestamente insuficiente para fundamentar a decisão de revogação da suspensão da pena de prisão ao Arguido.

      cc) A culpa no incumprimento da obrigação por parte do arguido não se pode presumir, tem de resultar de factos ou elementos concretos.

      dd)A possibilidade económica do arguido tem de traduzir-se numa maior certeza, numa possibilidade efectiva, isto é, o Tribunal a quo deveria apoiar-se não em hipotéticas possibilidades, mas na real situação do arguido.

      ee) Só com base nesta situação efectiva poderia ou deveria concluir pela existência de culpa no cumprimento bem como pela culpa grosseira, sendo necessário antes de mais, demonstrar que o arguido tinha condições económicas para efectuar o pagamento, ou, então, que voluntariamente se colocou na situação de não poder pagar.

      ff) O referido incumprimento não se deveu à falta de sacrifícios levados a cabo pelo Arguido.

      gg)O Arguido teve de emigrar e separar-se da sua família, o que até então nunca acontecera.

      hh)Entende o Recorrente que não seria de todo justo impor-lhe o sacrifício de, estando emigrado, não se deslocar a Portugal e assim se afastar da sua família.

      ii) Principalmente, se for tido em conta que para além de ter cá a sua mulher (agora ex-mulher) e filhas, a mãe do Arguido, com 88 anos, vive sozinha, dado que o pai e o irmão do Arguido já faleceram.

      jj) Como é relatado nos relatórios sociais juntos aos autos, o Arguido manteve-se firme na intenção de querer resolver a questão pendente no processo, pagando a indemnização às Assistentes.

      kk)De qualquer forma, a situação em análise podendo configurar alguma culpa no incumprimento — desde logo porque o Recorrente não cumpriu — não configura nunca um incumprimento grosseiro da condição imposta pela suspensão.

      ll) Não existiu qualquer ato voluntário pré-determinado ou consciente do Arguido com vista ao não pagamento da indemnização às Assistentes, antes uma manifesta e clara impossibilidade de fazer face a tal encargo.

      mm) Face ao exposto, entende o Recorrente que face às concretas razões de facto e de direito enunciadas nos pontos C) e D), a decisão do Tribunal a quo em revogar a suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão deve ser revogada».

      Já no que respeita ao recurso interposto em 18/6/2020 do despacho proferido em 14/2/2020, concluiu nos seguintes termos: «A. O Recorrente não concorda com a sua notificação por via postai simples do despacho de revogação da suspensão da pena de 5 anos de prisão.

      1. Estamos perante um despacho decisório que revoga a suspensão da execução da pena de prisão, aplicando, por sua vez, a pena efetiva de prisão.

      2. Em termos práticos, tal equivale...

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