Acórdão nº 837/17.1T9CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelANA CAROLINA CARDOSO
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO 1.

Por sentença de datada de 24 de janeiro de 2020, proferida pelo Juízo Local Criminal de Castelo Branco – J1, da Comarca de Castelo Branco, no processo comum n.º 837/17.1T9CTB, foi decidido: - Condenar a arguida L.

, pela prática de um crime de falsas declarações p. e p. pelo art. 348º-A, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, no montante total de € 715,00, convertível, em caso de incumprimento, em 73 dias de prisão subsidiária.

  1. Inconformada com a decisão, dela recorreu a arguida L.

    , formulando as seguintes conclusões (que se transcrevem na parte relevante): 1.

    (…) 2.

    Com a devida vénia, a Recorrente não entende assim, considerando que existe um erro notório na apreciação da prova.

  2. Deram-se como provados os factos constantes dos pontos … 8 a 17, 20, 22 a 27 da matéria de facto provada que se impugnam e devem ser considerados não provados.

  3. O Douto Tribunal a quo considerou como provado nos factos constantes dos pontos 8 e 9 dos factos provados, que a Arguida, e ora Recorrente, apresentou nas finanças dois requerimentos, contudo, tal afigura-se falso, porquanto tais requerimentos foram apresentados pela mãe da Arguida e assinados por esta a rogo daquela por não saber assinar.

  4. Foi também considerado provado nos factos constantes do ponto 10 dos factos provados, que a Arguida, e ora Recorrente, quis justificar a “casa nova”. 6.

    Tal não corresponde à verdade.

  5. A Recorrente quis, na verdade, justificar a “….

    ” e a “….

    ” que tinha comprado na reunião de agosto de 2006 e à Assistente, sua irmã, respetivamente.

  6. Por outro lado, entendeu o douto Tribunal a quo que a Arguida sabia que o prédio que justificara não lhe pertencia.

  7. Contudo, o artigo rústico, conforme justificado, não existe, pelo que o objeto da escritura inexiste. A Arguida, tal como os seus irmãos, pensava que a única coisa excluída da Varzea era a casa nova, que para eles era no (…). 10.

    Disse a Arguida que “A Varzea para nós era ali aquele bocado” (depoimento da Arguida gravado na audiência de julgamento em 16-12-2019, iniciado às 16:10:49h e terminado às 17:50:03h, minutos 44:33 a 44:36); “mas é como eu digo a casa nova nos dizíamos situada no (…)” (depoimento da Arguida gravado na audiência de julgamento em 16-12-2019, iniciado às 16:10:49h e terminado às 17:50:03h, minutos 44:42 a 44:47); “Porque eu acho que os meus irmãos também estão conscientes como a mim que a casa nova nós não sabíamos que estava na Varzea… uh… Para mim, para mim era mesmo verdadeiramente os terrenos da dos pilares, porque a casa está sobreposta, dos pilares da varanda, estou a falar, agora vou falar uh… da casa da minha mãe. Daí para baixo aquilo é a barreira, uh, para baixo que era a parte das capoeiras, da coisa da furda, aquelas coisas ali do barracão do trator, da casa que era do chão da adega, a (…), e o bocadinho da ribeira. Para nós Várzea era isso” (depoimento da Arguida gravado na audiência de julgamento em 16-12-2019, iniciado às 16:10:49h e terminado às 17:50:03h, minutos 44:56 a 45:26) 11.

    E não é isso que transparece do levantamento topográfico junto aos autos a fls. … pois a casa nova também está incluída na Varzea. Ora, isto não vai ao encontro do que a Recorrente justificou, pelo que o prédio justificado não existe.

  8. Por outro lado, o teor da escritura de justificação trata-se de um expediente técnico utilizado em todos os atos notariais de justificação. 13.

    Ora, em conformidade com as regras da experiência comum, não é plausível que a Arguida se tenha dirigido ao cartório e dito o que consta da escritura de justificação.

  9. Pelo que não é possível aferir o que efetivamente foi dito pela Arguida, dado que a escritura de justificação não espelha as declarações prestadas pela Arguida por ser impossível que a mesma utilizasse discurso tão técnico e específico.

  10. Acresce que resulta da prova documental junta aos autos fls … (documento elaborado na sequencia da reunião de 06/08/2006) que a Arguida comprou a (…) com quintal e furda e barracão do trator por 2.100 €, que pagou aos irmãos conforme docs das fls …, que configuram declarações datadas de julho de 2007, feitas na localidade de (…), assinadas pela Assistente e seus irmãos, nas quais declararam ter recebido a importância de 210,00 € relativos à aquisição da (…).

    Mais tarde, comprou a (…) à Assistente.

  11. E foi isto que a Arguida quis justificar, apenas a “….

    ” e a “(…)”.

  12. Serviu de convicção ao douto tribunal a quo a ata do auto de declarações da Arguida/Recorrente em sede de processo de inventário. 18.

    Todavia, tal documento não poderia ter sido valorado pois em processo penal, apenas as declarações do Arguido que sejam prestadas no processo devidamente acompanhado por defensor podem ser valoradas, pois não estão salvaguardadas as garantias legalmente e constitucionalmente consagradas do arguido. 19.

    Porquanto, não sabemos em que condições foram prestadas, nem qual o aconselhamento jurídico prestado à Arguida na altura. Acresce que tais declarações são antagónicas com a PI do processo n.º (…), que corre os seus termos no Juízo Central Cível de Castelo Branco – Juiz 2, no qual a ora Recorrente figura como Autora.

  13. Pelo que sempre se dirá que tais declarações não podem ser consideradas, além de que, ao valorar tais declarações, não estão salvaguardadas as garantias do arguido em processo penal.

  14. Quanto ao elemento objetivo, é imposto pelo art. 117.º-C, do Código do Notariado, que para se justificar um prédio, tem de se apresentar três testemunhas que atestem a veracidade do declarante. 22.

    In casu, a Arguida apresentou, como testemunhas, os Srs. J., A. e JD..

  15. As ditas testemunhas confirmaram as declarações prestadas pela Recorrente.

  16. As declarações da Arguida por si só juridicamente nada valem, pelo que não poderia nunca a Arguida, sozinha, cometer o crime pelo qual foi em 1.ª instância condenada.

  17. As declarações da Recorrente para terem relevância jurídica é necessário serem corroboradas por três testemunhas. Assim sendo, não poderá nunca estar preenchido o tipo objetivo do crime, pois só com as suas declarações não seria possível fazer a escritura de justificação por usucapião.

  18. Por outro lado, face aos factos provados e ao levantamento topográfico junto aos autos verifica-se que o prédio rústico justificado não existe com a composição, área e confrontações constantes da escritura. Assim, o crime é de consumação impossível, uma vez que o objeto da declaração falsa (prédio justificado) não existe. Não existindo qualquer declaração com relevância jurídica falsa, da parte da recorrente.

  19. O crime de falsas declarações, p. e p. art. 348.º-A, n.

    os 1 e 2 do Cód. Penal, trata-se de um crime doloso, pelo que tem de haver dolo do agente para se encontrar preenchido o tipo legal.

  20. A Recorrente não prestou falsas declarações, porquanto, exerceu a posse, à vista de todos e sem oposição de ninguém, fez obras, agricultou e pagou tudo quanto era necessário, tendo a convicção de que não lesava ninguém. Mais, pagou aos seus irmãos aquilo que justificou – a (…) e a (…).

  21. Acresce que a Arguida, para que os seus irmãos não ficassem prejudicados, em face da doação da casa nova que os seus pais lhe fizeram, resolveu pagar-lhes a quantia de 14.500,00 €, através de transferência bancária para a Assistente, em virtude de esta ser a Cabeça-de-Casal, para que esta dividisse tal quantia por todos os irmãos em partes iguais.

  22. Pelo que, no seu entendimento, a Arguida prestou declarações verdadeiras, não tendo agido com dolo. 31.

    (…) 32.

    A Arguida, quando declarou que era possuidora do prédio sito em Varzea, referia-se à “(…)” e à “….

    ”, prédios que adquiriu aos seus irmãos. 33.

    Pelo que, não podia a Arguida, ora Recorrente, ser pronunciada pelo crime de falsas declarações p. e p. art. 348.º-A do Cód. Penal, e, salvo o devido respeito que o douto tribunal a quo é merecedor, não poderia nunca ter sido condenada.

  23. Nestes termos, e conforme o que já foi dito supra, e em suma, a Arguida não prestou falsas declarações, pois tem a convicção de que não estava a mentir, porque tinha comprado o prédio que justificou, ou seja, a “….

    ” e a “….

    ”.

  24. Estamos, por um lado, perante um erro sobre as circunstâncias do facto, em conformidade com o que dispõe o art. 16.º do Código Penal. Por outro, perante um erro sobre a ilicitude, nos termos do disposto no art. 17.º, n.º 1 do Cód. Penal.

  25. Mais, podemos ainda dizer que estamos perante uma causa de exclusão da ilicitude e da culpa, uma vez que a Arguida, ora Recorrente, agiu no exercício de um direito próprio, tal como está previsto no art. 31.º, n.º 2, al. b), também do Cód. Penal, uma vez que, conforme já foi dito, a Arguida justificou apenas o que tinha comprado aos seus irmãos, contudo, tal não corresponde à realidade cadastral, o que a Arguida desconhecia por completo.

  26. Não obstante, a Notária ter advertido do crime de falsas declarações, o que é certo é que a Arguida estava convicta de que o que estava a declarar correspondia à verdade, pelo que estamos perante uma situação à qual se aplica o disposto no art. 16.º do Código Penal. 38.

    Decorre do art. 29.º da Constituição, cuja epígrafe é “Aplicação da lei criminal” e do Princípio da Legalidade, previsto no art. 1.º do Cód. Penal, que não há crime sem lei e, consequentemente, não há pena sem lei. Tal configura o princípio nulla poena sine lege. Princípio este que compreende vários requisitos, sendo um deles a certeza da lei penal.

  27. Ora, o crime do qual o Arguido, ora Recorrente, foi acusado e condenado, tem um caráter residual, o que impede a certeza da lei penal que é exigida constitucionalmente, uma vez que este crime só se aplica se outro, mais grave, não se aplicar.

  28. Assim, e salvo melhor entendimento, estamos perante um tipo legal que está ferido de inconstitucionalidade.

    3.

    O Ministério Público, em primeira instância, e a assistente I.

    responderam ao recurso...

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