Acórdão nº 2584/19.0T9BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelTERESA COIMBRA
Data da Resolução25 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.

Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho.

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do tribunal da Relação de Guimarães.

I.

Por decisão da Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto foi a recorrente Clube X – Futebol, SAD condenada pela prática de 13 contraordenações, previstas no artigo 39.º-B nº 2 a) da lei 39/2009 de 30.07, alterada pela lei nº 52/2013 de 25 de julho, na coima única de 35.500€, acrescida de custas processuais.

Tendo a arguida impugnado judicialmente a decisão foi proferida sentença pelo juízo local criminal de Braga que, concedendo parcial provimento ao recurso, condenou a arguida pela prática, em 24/10/2016, de uma contraordenação p.p. pelos artigos 8º nº 1 al. l), 14º nº 2, 39.º-B nº 2 al. a) e 40º nº 6 da lei 39/2009 de 30/07, na redação introduzida pela lei nº 52/2013 de 25/07, na coima de 3.500€, absolvendo-a das demais.

*Inconformada com a condenação dela recorreu a arguida concluindo o recurso do seguinte modo: (transcrição) 1) O presente Recurso tem por objecto a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos termos da qual o Clube X foi absolvido de 12 (doze) contra- ordenações por falta de sustento probatório que permitisse concluir no sentido do seu envolvimento e do consequente preenchimento dos elementos objectivos dos tipos contra-ordenacionais em causa, tendo sido, ao invés, condenado no pagamento de uma coima de € 3.500,00 pela alegada prática de 1 (uma) contra-ordenação por violação dolosa do dever de não apoiar Grupos Organizados de Adeptos (“GOA”) não registados juntos do Instituto Português do Desporto e Juventude, I. P. (“IPDJ”), nos termos conjugados do disposto nos artigos 8.º, n.º 1, alínea l), 14.º, n.º 2, 39.º-B, n.º 2, alínea a), e 40.º, n.º 6, da Lei n.º 39/2009.

2) É o segmento condenatório que a Arguida pretende agora sindicar perante este Venerando Tribunal da Relação.

DA SENTENÇA A QUO Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada 3) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui um vício decisório cuja apreciação está abrangida nos poderes cognitivos do tribunal de recurso, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, aplicável pela remissão operada pelo artigo 41.º do RGCO, ex vi artigo 45.º da Lei 39/2009.

4) Da matéria de facto provada, nos pontos 19 a 23, resulta que no dia 24 de Outubro de 2016, no jogo de futebol entre as equipas do Clube Y & Associados - Sociedade de Advogados, SP, RL 30/37 … e do Clube Desportivo W, em momento anterior ao início da partida, os assistentes de recinto desportivo foram informados que as bandeiras e tarjas de grandes dimensões (sem qualquer definição do que significa grandes dimensões), deveriam ser impedidas de entrar, tendo, 15 minutos após o início do jogo, sido permitida a introdução — e posterior exibição — de duas bandeiras e uma tarja de dimensões de cerca de 3 metros por 3 metros, alusivas ao Clube X, para a zona do estádio onde se localizam os adeptos conotados com os grupos “Boys...” e “K”, por parte do coordenador de segurança do Clube X, em cumprimento de ordens emanadas pelo director desportivo do clube.

5) Por sua vez, na sua fundamentação de Direito, o Tribunal a quo, nas páginas 50 a 52, expõe as razões por que entende que a matéria de facto julgada preenche os elementos objectivo e subjectivo do tipo contra-ordenacional por que o Clube X foi condenado.

6) Em concreto, o Tribunal a quo formula a sua convicção, para efeitos de preenchimento do elemento objectivo do tipo contra-ordenacional em causa, alegando, para tanto, conclusivamente, e sem factos provados bastantes para tal, que a exibição de tais bandeiras e da tarja, por estar em causa um jogo relativamente tenso, seriam susceptíveis de “colocar em causa a segurança e, até, gerar ou potenciar atos de intolerância e violência, na medida em que tais bandeiras são suscetíveis de gerar incómodos, perturbações e obstáculos no campo de visão dos demais espetadores presentes no estádio, designadamente dos adeptos do clube rival”.

7) Ora, a factualidade dada como provada nos presentes autos não permite sustentar o escrito neste segmento da Sentença a quo.

8) Mais: tais factos não correspondem à realidade, pois que é público e notório que (i) sendo a bancada destinada aos adeptos do clube rival distinta daquela destinada aos adeptos da Arguida — como em todos os recintos desportivos pertencentes a equipas de futebol profissional que militam nos escalões portugueses, por evidentes razões de segurança — a presença de materiais de apoio ao Clube X em bancada onde se localizam adeptos do Clube X nunca seria apta a gerar “incómodos, perturbações e obstáculos”, nem sequer nos adeptos rivais; e (ii) que um jogo disputado contra o Clube Desportivo W nunca seria jogo tenso, porquanto este clube não é um rival directo do Clube X, nem leva, habitualmente, adeptos em grande número a qualquer estádio.

9) Pelo exposto, assoma-se evidente a inexistência de acervo factual na Sentença recorrida para a formulação das conclusões aduzidas, na sua fundamentação jurídica, pelo Tribunal a quo (por sua vez inverídicas e pouco críveis à luz das regras da normalidade das coisas e dos elementos empíricos), 10) Verificando-se, dessa forma, o vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, e, consequentemente deve a Sentença a quo ser revogada e substituída por outra que absolva a ora Arguida.

Ainda que assim não se entenda, Da Errada subsunção dos factos imputados ao Direito tendo em vista o escopo da Lei n.º 39/2009 e, subsidiariamente, da exclusão do dolo por erro sobre a factualidade típica e da culpa por erro não censurável sobre a ilicitude 11) O Tribunal a quo concluiu, na página 50, que os comportamentos imputados à Arguida configuram uma forma de apoio, mormente na modalidade de concessão de facilidades de acesso e utilização, nos termos dos artigos 14.º, n.º2 e 39.º-B, n.º 2, alínea a), da Lei n.º 39/2009, sustentando que a introdução no recinto desportivo das referidas bandeiras e tarja e a sua exibição e utilização durante o jogo só ocorreu em razão das indicações fornecidas para o efeito pelo coordenador de segurança, em cumprimento da indicação emanada pelo director desportivo do Clube X.

12) Dos factos que resultam provados na Sentença recorrida, bem como do normativado na Lei n.º 39/2009, e em especial o que esta visa proteger, a conclusão jurídica firmada pelo Tribunal a quo afigura-se sem sustento legal.

13) Da leitura das disposições legais, quedam sem resposta as dúvidas interpretativas que imediatamente se assomam: não logrando um determinado GOA registar-se — e não o fazendo por razões que são alheias ao clube/SAD — que iniciativas ficam vedadas ao clube/SAD no âmbito da promoção do espectáculo desportivo, sob pena de incorrer na citada infracção? Poderá um promotor de espectáculo desportivo negar a determinados adeptos o exercício de direitos admitidos globalmente apenas pela circunstância de pertencerem a alegado GOA? Fará sentido, e decorrerá da Lei, que um adepto comum pode exibir num estádio uma bandeira legalmente admitida, mas ser simultaneamente tal conduta proibida a outro adepto, porque membro de GOA? 14) Os comportamentos imputados à Arguida não são susceptíveis de configurar um apoio ilícito a GOA não legalizado, não se traduzindo num comportamento visado pelos artigos 14.º, n.º 2, e 39.º-B, n.º 2, alínea a), ambos da Lei n.º 39/2009.

15) A Lei n.º 39/2009, na qual se prevê o ilícito em causa “estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança e de acordo com os princípios éticos inerentes à sua prática” (artigo 1.º da Lei n.º 39/2009), possuindo um propósito bastante claro.

16) A permissão de introdução e a sua posterior exibição no recinto desportivo, de meras bandeiras ou tarjas de apoio ao clube de futebol, ainda que de grandes dimensões, não consubstancia uma qualquer modalidade de violência ou de incitamento ao racismo, à xenofobia ou à intolerância, não cabendo no escopo punitivo da norma, tanto por não ser expressamente punido, como por não fazer perigar os bens jurídicos da norma cuja violação se imputa.

17) A introdução de bandeiras de grandes dimensões não era, à data da prática dos factos, proibida pela redacção que então vigorava da Lei n.º 39/2009.

18) Só com a alteração que a Lei n.º 113/2019 veio promover à Lei n.º 39/2009 é que foram introduzidas limitações até então nunca estabelecidas relativas à dimensão dos materiais permitidos nos recintos desportivos.

19) Em homenagem ao princípio da legalidade, na vertente da exigência de lei certa e estrita, não pode o Clube X ser punido por ter autorizado a entrada de um material que a Lei não proibia.

20) Significa isto que a introdução de bandeiras ou tarjas no recinto desportivo alusivas ao Clube X não era, nem poderia ser, à data a que se reportam os factos imputados, proibida pela Lei, quando não reunissem qualquer outra das características expressamente prevista na Lei n.º 39/2009 (incitamento à violência, etc.).

21) Não sendo vedada por Lei (à data) a exibição de bandeiras de grandes dimensões, as condutas em causa, além de lícitas, seriam também e sempre contra-ordenacionalmente inócuas.

22) As bandeiras e tarja ora em crise, limitando-se, designadamente, a serem “alusivas ao Clube X” (destaques nossos) (conforme resulta do facto provado 22), não se enquadram no escopo e âmbito punitivos da norma contra-ordenacional que é (erradamente) imputada à Arguida, uma vez que não se materializam numa forma de violência ou de incitamento ao racismo, à xenofobia ou à intolerância.

23) Não poderia a ora Arguida ter vedado o acesso a tais materiais que são, na verdade, meras manifestações lícitas de expressão e de apoio a uma equipa de atletas, as quais podem — e são —...

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