Acórdão nº 418/16.7T9ALQ.L2-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCALHEIROS DA GAMA
Data da Resolução07 de Janeiro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I - Relatório 1.

No âmbito do NUIPC 418/16.7T9ALQ, foi, em 10 de julho de 2020 e pela Mma Juíza do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo de Instrução Criminal de Loures - Juiz 1, proferido despacho de não pronúncia do arguido AA, melhor id. nos autos, a quem a assistente BB, melhor id. nos autos, pelo seu requerimento de abertura de instrução de fls. 322 a 340, que aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos, pugnava pela sua pronúncia, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137.°, n.°s 1 e 2, do Código Penal, e das contraordenações p. e p. pelo art.s 13.° e 24.° do Código da Estrada, face à ocorrência de acidente de viação, com morte de CC.

  1. A assistente BB, filha do falecido, inconformada com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: "1. Da Nulidade do Despacho de Não Pronuncia 1 - O despacho de não pronúncia de 10 de Julho de 2020, não descreveu nem especificou os factos do Requerimento de Abertura da Instrução (RAI) que considerou suficientemente indiciados e não suficientemente indiciados.

    2 - O despacho de pronúncia ou de não pronúncia tem de conter os elementos referentes no art. ° 283.°, n.°s 2 e 3, e sem prejuízo da 2.

    a parte do n.° 1, do art.° 307.°, todos do CPP, em que se revela que o juiz pode fundamentar por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura de instrução.

    3 - Pelo que a não narração dos factos, ainda que sintética, dos factos que constituem fundamento da decisão de pronúncia ou não pronúncia acarreta a nulidade do despacho - nos termos e para os efeitos previstos no artigo 308.° n. ° 2, com referência ao artigo 283.°, n.° 3, alínea b), todos do CPP.

    4 - O despacho recorrido de não pronúncia violou o art.° 205, n.° 1 da CRP e os art.° 97.°, n.° 1, alínea b), e n.° 5, 308.°, n.° 2 e 283 do Código de Processo Penal (CPP), com as consequências legais enunciadas nos art.°s 118.°, 119.°, "a contrário", 120.° do CPP.

    5 - Face ao exposto deverá ser julgada inválida a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que supra a omissão consistente na falta da enumeração dos factos indiciados e/ou dos não indiciados por referência aos descritos no Requerimento de Abertura da Instrução.

  2. Da Não Apreciação Correcta da Prova Produzida no Inquérito e Instrução 6 - O Digníssimo Tribunal recorrido não apreciou correctamente a prova produzida na fase de Inquérito e na Instrução, nem retirou as conclusões lógicas que se impunha, decorrente da análise da prova produzida, testemunhal, documental e pericial constante dos autos, que não deixa persistir quaisquer dúvidas sobre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do crime imputado ao arguido pela Assistente, ……………, no RAI.

    7 - Analisados os elementos probatórios colhidos nos autos, fazendo uso de um juízo de prognose, só se pode concluir pela verificação de indícios mais do que suficientes que permitam findar pela verificação de indícios da prática de um crime, e em consequência, a final, ser proferido despacho de Pronuncia do arguido.

    8 - A Assistente, aqui recorrente articulou no RAI, as razões de facto e de direito, consubstanciadoras da prática de um crime pelo arguido AA. (...

    )" (fim de transcrição das primeiras 8 de 66 conclusões, dando-se aqui por integralmente reproduzidas as não transcritas).

  3. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso (cfr. referência Citius n.° 145882881).

  4. O Ministério Público na 1/ instância apresentou resposta ao recurso, concluindo a Exma Procuradora da República que deverá ser negado provimento e manter-se a decisão de não pronúncia do arguido, nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos (cfr. referência Citius n.° 10221004).

  5. Subidos os autos, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação teve neles “Vista" e emitiu parecer (cfr. referência Citius n.° 16316401), pronunciando-se, ao invés da posição assumida pelo Ministério Público na primeira instância, no sentido de dever ser dado provimento do recurso interposto, afirmando: "cumpre apenas consignar que a invocada nulidade resulta à evidência da simples leitura da decisão recorrida, pelo que nos parece ser caso de declarar nula a Decisão Instrutória e devolver os autos à 1a Instância, com vista à sanação da nulidade.

    Tal como expresso no Acórdão do TRP de 28.11.2018, no âmbito do P. n°626/13.2TAAGH.P1: “Essa exigência de narração dos factos considerados suficientemente indiciados e os não indiciados não se satisfaz com referências genéricas e dispersas pelo texto da decisão.

    Sem tal indicação não se revela possível conhecer, em recurso, se foi ou não correcta a decisão de não pronunciar o(s) arguido(s).

    Resta, então, saber quais as consequências da omissão no despacho de não pronúncia dessa especificação.

    Quanto a este ponto, podemos constatar profundas divergências, mas cremos ser possível afirmar a existência de uma posição dominante que considera que tal omissão fere de nulidade a decisão de não pronúncia e uma tese (que julgamos minoritária) que propende para a consideração de que a falta de especificação dos factos indiciados e não indiciados constitui uma irregularidade.

    Contudo, de entre os que defendem que a decisão é nula, há quem entenda que é uma nulidade insanável, de conhecimento oficioso, tese que tem tido acolhimento, sobretudo, na Relação de Évora (acórdãos de 20.12.2012, 26.02.2013 e de 17.06.2014), mas também já foi perfilhada na Relação do Porto (acórdão de 17.02.2010), na Relação de Lisboa (acórdão de 07.05.2013) e na Relação de Coimbra (acórdão de 13.11.2013) e quem a considere uma nulidade sanável e, portanto, dependente de arguição (acórdãos da Relação do Porto de 17.02.2010, 27.02.2013 e de 07.07.2010, da Relação de Évora de 10.12.2009, 19.11.2013 e 22.04.2014 e da Relação de Lisboa, de 10.07.2007).” Mesmo sendo, para o caso, irrelevante a discussão sobre a natureza da nulidade - sanável ou insanável - posto que invocada pela Assistente, ainda assim, diremos que perfilhamos o entendimento de que a invocada nulidade é de conhecimento oficioso, por constituir nulidade insanável.

    Assim e em função deste entendimento parece-nos ser caso de devolução dos autos à 1a Instância a fim de ser proferida nova Decisão Instrutória conforme ao disposto no art. 308° n°1 e n°3 n°2 do CPP.

    * Nestes termos emitimos parecer de procedência do recurso da Assistente." (fim de transcrição).

  6. Foi cumprido o preceituado no art. 417.°, n.° 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), tendo respondido o arguido AA nos seguintes termos: “1° O Recorrido não pode acolher o entendimento da Exma. Senhora Magistrada do Ministério Público, na medida em que não se considera existente qualquer causa de nulidade da Douta Decisão Instrutório de não pronúncia do arguído.

    1. Com efeito, do parecer do Ministério Público, resulta o entendimento segundo o qual a decisão instrutória é nula, por falta de fundamentação, motivo pelo qual é emitido parecer no sentido da devolução dos autos à 1a Instância a fim de ser proferida nova Decisão Instrutória em conformidade com o disposto no artigo 308° do Código do Processo Penal.

    2. O Recorrido não pode perfilhar de tal entendimento.

    3. Com efeito, resulta do artigo 286° do Código do Processo Penal que a instrução tem como fim a comprovação judicial de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito com vista a submeter ou não os factos a julgamento.

    4. No caso dos autos a instrução visava a comprovação judicial de acusar o arguido pela prática dos factos e crime que lhe é imputado no requerimento de abertura da instrução.

    5. Dispõe o artigo 308°, n.° 1 do Código do Processo Penal que se até ao enceramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o Juiz, por despacho pronuncia o arguido pelos respetivos factos, caso contrário, profere despacho de não-pronúncia.

    6. O artigo 283°, n.° 2 do Código do Processo Penal, aplicável por remissão expressa do artigo 308°, n.° 2 do mesmo diploma legal, estabelece que se considera verificada a existência de indícios suficientes sempre que deles resulte uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento uma pena ou uma medida de segurança.

    7. Quando, perante o material probatório constante dos autos, não se indicie que o arguído, se vier a ser julgado, venha provavelmente a ser condenado, deve ser proferido despacho de não pronúncia.

    8. O artigo 309°, n.° 1 do Código do Processo Penal estabelece, de forma taxativa, os casos em que a decisão instrutória é nula, restringindo essa sanção aos casos em que a mesma pronuncie o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução.

    9. Fora desses casos, a decisão instrutória não poderá ser considerada ferida de nulidade.

    10. Ainda que se considere, como o fez o Tribunal da Relação de Guimarães no Douto Acórdão proferido em 27 de Maio de 2019 no âmbito do processo n.° 134/17.2T9TMC.G1, Relator Fátima Furtado, disponível para consulta em www.dgsi.pt, que a decisão instrutória, enquanto acto decisório do juíz deverá ser fundamentada, com especificação da motivação de facto e de direito, certo é que a preterição dessa imposição não determina a nulidade da decisão instrutória.

    11. Com efeito, nos casos em que se considere que o Despacho de não pronúncia padece de falta de fundamentação, perante a inexistência de uma norma que determine especificadamente a nulidade como consequência da omissão ou deficiência de fundamentação da decisão instrutória de não pronúncia que conhece de mérito, essa omissão...

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