Acórdão nº 99/19.6GASAT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Janeiro de 2021
Magistrado Responsável | HELENA BOLIEIRO |
Data da Resolução | 13 de Janeiro de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório 1.
No processo especial abreviado n.º 99/19.6GASAT do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Competência Genérica de Moimenta da Beira - Juiz 2, remetidos os autos para julgamento e conclusos os mesmos para o despacho a que alude o artigo 311.º, ex vi artigo 391.º-C, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal (doravante CPP), a Mma. Juíza decidiu indeferir a nova acusação pública contra MP, deduzida após a rejeição de uma primeira acusação, considerada nula, nos termos do disposto no artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do CPP, e manifestamente infundada, de acordo com o preceituado no artigo 311.º, n.
os 2, alínea a), e 3, alínea b), do mesmo diploma, por não conter a narração dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, e determinou o arquivamento dos autos.
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Inconformada com o despacho assim proferido, dele recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público que, no termo da respectiva motivação, formulou as seguintes conclusões (transcrição): “1. Os presentes autos tiveram o seu início com o auto de notícia de fls. 3, dando conta que MP tinha praticado um crime de desobediência, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 348.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal e 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do Código de Estrada.
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Para o efeito, foi proferido despacho de acusação em 25.11.2019, em processo sumário, tendo a mesma sido considerada nula e manifestamente infundada, tendo o processo sido devolvido ao Ministério Público.
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O Ministério Público reformulou o despacho de acusação.
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No despacho recorrido, considera-se que o Ministério Público não tinha a possibilidade de “ressuscitar” a acusação anteriormente deduzida, e decide-se pelo indeferimento da nova acusação deduzida, determinando-se o arquivamento dos autos.
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É dessa decisão que se recorre.
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Vejamos se é possível proferir nova acusação, desta feita já no âmbito de processo abreviado, pela prática, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, do mesmo crime.
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Segue-se o entendimento de que a omissão dos requisitos constantes do artigo 283.º, nº 3 do Código de Processo Penal constitui o vício de nulidade sanável, sujeito à disciplina processual constante dos artigos 120.º a 122.º do Código de Processo Penal.
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Assim sendo, a declaração de nulidade da acusação, por omissão dos requisitos constantes do artigo 283.º, nº 3 do Código de Processo Penal tem como efeitos os constantes do citado artigo 122.º do mesmo diploma legal, isto é, a remessa dos autos para inquérito e a reformulação do libelo acusatório, o que sucedeu nos presentes autos.
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Este entendimento que sufragamos é igualmente corroborada pela nossa jurisprudência.
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Neste sentido, e a título de exemplo, veja-se atentamente o teor do Acórdão da Relação do Porto, de 6 de dezembro de 2006, Proc. 0644697, Rel. Pinto Monteiro e ainda no mesmo sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de dezembro de 1994, BMJ 442, pág. 76.
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Sobre esta questão, o Tribunal Constitucional também se pronunciou, no seu acórdão n.º 246/2017, DR II série, de 25-07-2017, admitindo a possibilidade de vir a ser deduzida validamente uma nova acusação, suprindo uma outra manifestamente infundada por insuficiente descrição de um elemento típico.
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Isso mesmo entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra ao decidir que: «A rejeição liminar da acusação por insuficiente descrição de tipo de crime [cfr. 311.º, n.ºs 2, al. a), e 3, al. d), do CP] não determina o imediato arquivamento dos autos; ao invés, pode a entidade acusadora (MP/assistente), respeitando o mesmo condicionalismo naturalístico, suprimir a dita insuficiência através da dedução de novo libelo acusatório» (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08.05.2018, proc. n.º 542/16.6GCVIS.C1, acessível em www.dgsi.pt).
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Ou ainda a título de exemplo, o Tribunal da Relação de Évora que considerou “O despacho que rejeita a acusação por manifesta improcedência somente forma caso julgado formal (artigo 620º, n. 1 do C.P.C.), na medida em que não conhece do mérito da causa e apenas tem força obrigatória no processo e nos precisos termos em que foi lavrado. Isto é, não existe caso julgado material. (…) Daqui decorre, naturalmente, que nada obsta à reformulação da acusação, desde que o seu conteúdo material seja alterado com a inclusão dos factos pertinentes que conduziram à sua rejeição. Essa reformulação da acusação não constitui nem violação de caso julgado – formal ou material – nem violação do princípio ne bis in idem.” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10.04.2018, proc. n.º 1559/16.6GBABF.E1, acessível em www.dgsi.pt).
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Assim, no despacho recorrido, ao indeferir a nova acusação e determinar, em consequência, o arquivamento dos autos, a Mma. Juiz optou por uma solução processual formal de absolvição da instância do arguido, solução essa que impede que o Tribunal possa apreciar o evento naturalístico que estava na base da dedução da acusação no seu conjunto o que briga com os princípios basilares do processo penal como o principio da legalidade, da oficialidade e da verdade material.
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A decisão recorrida, violou, assim, além dos princípios acima enunciados, os artigos 120.º a 122.º, 283.º, nº 3 e 311.º todos do Código de Processo Penal”.
(…) Cumpre agora decidir.
* II – Fundamentação 1.
Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do CPP que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões formuladas na motivação, as quais delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar[1], sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso[2].
Atentas as conclusões apresentadas no recurso, que traduzem de forma condensada as razões de divergência com a decisão impugnada, a questão a decidir consiste em saber se, após a dedução de acusação pública (no caso, em processo sumário), a qual foi rejeitada, por não conter a narração de todos os elementos típicos do crime imputado, o Ministério Público pode deduzir uma nova acusação (desta feita para julgamento em processo abreviado), suprindo as omissões da primeira peça processual.
* 2.
O despacho recorrido e outros elementos relevantes do processo: 2.1.
Na sequência da acusação que, em processo sumário, o Ministério Público deduziu, em 25-11-2019, contra o arguido MP, os autos foram remetidos para julgamento ao Juízo de Competência Genérica de Moimenta da Beira - Juiz 1, o qual proferiu o seguinte despacho (transcrição): “(…) Registe e autue como processo sumário.
* O Tribunal é absolutamente competente e o Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal.
* * Da acusação manifestamente infundada: Compulsados os autos, afere-se que a Digna Magistrada do Ministério Público imputa ao arguido MP a prática, em autoria material e sob a forma consumada, de (1) um crime de desobediência, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 348º, nº 1 alínea a) e 69º, nº1 alínea c), ambos do Código Penal e 152º, nº1 alínea a) e nº 3 do Código da Estrada.
No texto da acusação é referido que: “1. No dia 17/11/2019, pela 19h50m, na EN 323, Km 0.01, em Moimenta da Beira, o arguido conduzia o veículo (…), quando foi mandado parar no âmbito de uma ação de fiscalização de trânsito levada a cabo pela GNR de Vila Nova de Paiva.
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Submetido ao teste de despistagem por análise qualitativa, através do aparelho, acusou uma taxa de alcoolemia de 2,43 gr./litro de sangue.
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O arguido agiu livre voluntária e conscientemente, não obstante ter ficado ciente que a ordem que recebera para se sujeitar ao exame para pesquisa de álcool no sangue era legal, que provinha de autoridade competente e que a devia acatar, não o fez, recusando submeter-se ao exame referido.
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Bem sabia igualmente que a sua conduta é proibida por lei.” Dispõe o citado art.º 348.º do Código Penal: “1. Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se: a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples.” Nos termos do mencionado preceito, constituem elementos objectivos deste tipo de ilícito: Falta à obediência devida de: a) uma ordem ou...
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