Acórdão nº 2960/14.5TBSXL.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelCRISTINA SILVA MAXIMIANO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I - RELATÓRIO A, em seu nome e na qualidade de Cabeça-de-Casal da herança aberta por óbito de B, C, D e cônjuge E, intentaram a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra o Estado Português, pedindo a condenação deste no reconhecimento do direito de propriedade dos Autores sobre a faixa de terreno, com a largura de 50 metros, contada desde o leito do Rio Judeu (Baía do Seixal), que incide sobre o prédio misto, denominado “Barroca”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o nº 0000 da freguesia de Amora, e sobre o prédio misto sito na Quinta do Talaminho, freguesia de Amora, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o nº 00000 da freguesia de Amora.

Para tanto, alegaram, em síntese útil, que: os mencionados prédios, que confrontam a Norte com o Rio Judeu, foram adquiridos pelos Autores por escritura pública de compra e venda outorgada em 15/06/1987; e os Autores adquiriram aqueles prédios na sequência do trato sucessivo de titulares privados que exerceram a sua posse sobre os mesmos desde data anterior a 31/12/1864.

O Ministério Público, em representação do Estado Português, contestou por impugnação, alegando, em síntese útil, que: pelo menos na referida data de 31/12/1864, a propriedade do imóvel denominado “Barroca” era da Fazenda Nacional que tinha o domínio directo e era a senhoria do mesmo; e propriedade do imóvel denominado “Talaminho” era da Fazenda Nacional por esta se arrogar sua proprietária.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixado o objecto do litígio e os temas de prova.

Após ter sido realizada audiência final, foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, tendo sido decidido: “a) condenar o Réu Estado Português, a reconhecer o direito de propriedade dos Autores A, C e D e cônjuge E, sobre a faixa de terreno, com a largura de 50 metros, contada desde o leito do Rio Judeu e que incide sobre o prédio misto, sito na Quinta do Talaminho, freguesia de Amora, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n.º 00000 da freguesia de Amora; b) absolver o Réu do demais peticionado pelos AA.”.

Inconformados com tal sentença, vieram os Autores e o Réu dela interpor recurso de apelação, aqueles, na parte em que o Réu foi absolvido do “demais peticionado”; e este, na parte em que foi condenado; tendo apresentado as seguintes conclusões: A) os Autores: “1. Verifica-se uma incoerência na correspondência entre a factualidade provada sob os pontos 22 e 23 e a realidade descrita nos documentos invocados na fundamentação; 2. De facto, dos docs. “1.9” e “1.11” juntos ao requerimento dos Apelantes de 21 de outubro de 2019, que constitui extrato do Diário de Lisboa (“Folha Official do Governo Portuguez”), de 13 de novembro de 1865, se extrai, desde logo, a listagem para venda “ de fóros, censos e pensões na posse e administração da fazenda nacional ”, aí se identificando o foro de 9$750 réis sobre a Quinta da Barroca bem como o seu enfiteuta Joaquim …..; 3. I. é, os anúncios em causa não visam a venda de propriedades da Fazenda Nacional, mas sim dos seus fôros.

  1. Por isso, não podia o Tribunal a quo ter concluido que a Fazenda Nacional tentou vender a Quinta da Barroca, levando-a à praça nos dias indicados no Facto Provado n.º 22; 5. De facto, ao contrário do que se infere do elenco factual provado e da respetiva fundamentação de facto, o que se extrai da prova documental em causa é que os procedimentos de venda de 14 de dezembro de 1865 e de 4 de outubro de 1870 não tinham por objeto a venda da Quinta da Barroca, mas sim do seu Foro, tanto que aí é expressamente identificado o enfiteuta Joaquim Guilherme Gil e a existência de um emprazamento em vidas (“prazo em vidas”); 6. Já as idas à praça nos dias 7 de abril e 30 de maio de 1870, apesar de terem por objeto a venda da Quinta da Barroca, surgem no decurso de processo de inventário de partilhas do anterior foreiro, sem qualquer intervenção da Fazenda Nacional; 7. De facto, a tentativa de arrematação resulta, não da venda ou alienação do Foro, mas sim do Inventário das partilhas do falecido Joaquim Guilherme Gil, como resulta claro do texto dos anúncios constante dos docs. “1.10” e “1.12” juntos ao requerimento dos Apelantes de 21 de outubro de 2019; 8. Fica claro que se trataram de dois processos de alienação distintos: um respeitante à venda em praça do Foro da Quinta da Barroca pela Fazenda Nacional, depois arrematado por Luís Carlos Pereira em 4 de outubro de 1870; e outro respeitante à venda em praça da própria Quinta da Barroca e a louça da adega “tudo pertencente ao casal do fallecido Joaquim Guilherme Gil”, numa primeira tentativa em 7 de abril e 30 de maio de 1870, e finalmente arrematada em 14 de fevereiro de 1872 por António José da Costa, com o mesmo encargo de pagar os 9$750 reis de foro, já então ao Dr. Luiz Carlos Pereira, conforme pagavam o antecessor Joaquim Guilherme à Fazenda Nacional pela referida escritura de 29 de outubro de 1864; 9. Constitui, pois, erro de julgamento do Tribunal a quo a afirmação de que a Fazenda Nacional tentou vender a Quinta da Barroca levando-a à praça nos dias 14 de dezembro de 1865, 7 de abril de 1870 e 30 de maio de 1870, sem que a mesma fosse arrematada, e que a mesma foi arrematada por Luís Carlos Pereira em 4 de outubro de 1870 (Cfr. Factos Provados n.ºs 22 e 23); 10. Nestes termos, e atendendo-se à prova documental constante do requerimento dos Apelantes de 21 de outubro de 2019, deverá alterar-se a matéria vertida nos Factos Provados n.ºs 22 e 23 nos seguintes termos: “ 21. (…) 22. A Fazenda Nacional levou à praça o foro do prédio referido no ponto 1, no dia 14 de dezembro de 1865, sem que o mesmo fosse arrematado; 23. O foro do prédio ora mencionado foi arrematado por Luís Carlos Pereira em 4 de outubro de 1870, depois de ter ido à praça; 24. (…) ” 11. Ademais, os meios de prova em causa, impõem, ainda, que se adite ao elenco dos Factos Provados que: - No âmbito de processo inventário, por partilhas, do anterior foreiro do prédio referido no ponto 1, foi a Quinta da Barroca levada à praça nos dias 7 de abril e 30 de maio de 1870; 12. Refere-se na douta sentença recorrida que a Quinta da Barroca, como um dos bens incorporados na Fazenda Nacional pela extinção do Convento de São Domingos de Lisboa, foi levada à praça nos dias 14 de dezembro de 1865, 7 de abril de 1870 e 30 de maio de 1870, sem que o mesmo fosse arrematado, e que o mesmo foi arrematado por Luís Carlos Pereira em 4 de outubro de 1870, depois de ter ido à praça (pontos 20, 21, 22 e 23 dos Factos Provados), o que, segundo se infere da douta sentença recorrida, permite a conclusão de “ que a Fazenda Nacional é que agiu como titular do direito de propriedade, uma vez que recebeu o foro respectivo e tentou vender a Quinta da Barroca até finalmente o conseguir a 4 de Outubro de 1870 ”; 13. Porém, como vimos supra, tal conclusão assenta em erro de julgamento da matéria de facto, pois o que revelam os documentos carreados aos autos não é que a Fazenda Nacional tentou vender a Quinta da Barroca, mas sim que tentou alienar o respetivo foro de 9$750 réis, o qual tinha vencimento no dia de Natal, de um prazo em vidas, de que era já enfiteuta o mencionado Joaquim Guilherme Gil, e de que a Fazenda Nacional era titular pela mencionada extinção das ordens religiosas; 14. Igualmente incorre o Tribunal a quo em erro de julgamento quando afirma que foi a Fazenda Nacional que tentou colocar em praça e vender a Quinta da Barroca em 7 de abril e em 30 de maio de 1870, pois como vimos supra, a mesma tentativa de arrematação resulta, não da venda ou alienação do Foro, como nas mencionadas atrás, mas sim do Inventário das partilhas do falecido Joaquim Guilherme Gil; 15. Independentemente da Quinta da Barroca não se encontrar livre do foro (traduzido no pagamento de 9$850 réis à Fazenda Nacional), o domínio útil da Quinta não pertencia à Fazenda Nacional, tanto que a mesma veio a ser objeto de arrematação em processo de partilha por óbito do “ fallecido Joaquim Guilherme Gil”, sendo que “ as casas de habitação, adega, e outras casas de officina de lavoura, pomar de espinho, dois poços, vinha, arvores de fructo, mato e horta (...) avaliada em 2:017$550 réis ; e bem assim dois toneis, um casco e uma celha, avaliados em 11$000 réis (…) tudo lhe pertenc[ia]”; 16. Ademais, avulta que a “escriptura de renovação de vidas com hypotheca”, outorgada em 29 de outubro de 1864 (Cfr. Facto Provado n.º 14), é anterior à norma do artigo 1654.º do Código de Seabra, tanto que o Código de Seabra, aprovado por Carta de Lei de 1 de julho de 1867, apenas entrou em vigor em 22 de março de 1868, i. é, depois da celebração de tal contrato; 17. Acresce, também, que o Código de Seabra salvaguardou os efeitos dos contratos anteriores, não tendo imposto a sua vigência a tais contratos, o que se revela inequívoco, tanto que a Secção I do Capítulo XIII é epigrafada “ dos emprazamentos do futuro ”; 18. Por isso, as citadas conclusões do Tribunal a quo ignoram, em erro de direito, a norma do artigo 1689.º do Código de Seabra onde se estabeleceu o seguinte: “Os emprazamentos de bens particulares, anteriores á promulgação do presente código, quer subsistam por contrato, quer por outro qualquer titulo, serão mantidos, na fórma dos respectivos títulos”; e depois se consolida nas normas dos artigos 1697.º, onde se diz que “todos os prazos de vidas, ou de nomeação, quer esta seja livre, quer restricta, ou de pacto e providencia, revestirão a natureza de fateusins hereditarios puros em poder dos emphyteutas, que o forem ao tempo da promulgação do presente código, salvas as disposições dos artigos subsequentes”; 19. Logo, não podia, por isso, o Tribunal a quo, aplicar ao prazo da Quinta da Barroca as normas dos artigos 1653.º e 1654.º do Código de Seabra, que estipulava...

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