Acórdão nº 1775/19.9T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 17 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelALBERTINA PEDROSO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Tribunal Judicial da Comarca de Beja[1] Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]: I – RELATÓRIO 1.

N…, S.A., instaurou a presente acção sob a forma de processo comum, contra I…, S.A. e J…, pedindo: «(i) Que seja declarado que a anulação do contrato de compra e venda celebrado entre os Réus, em 3.05.2011, tendo por objeto a Herdade da …, não afeta a constituição e o exercício do direito de preferência da N… já anteriormente reconhecido por decisão judicial; (ii) O reconhecimento do direito de Propriedade da N… sobre a Herdade da …; (iii) Que seja ordenada a restituição da Herdade da … à N…; e (iv) Que seja ordenado o cancelamento do registo que resultou da Ap. 4680 de 2017/04/18 e de todos os demais registos que sejam incompatíveis com o peticionado em (ii) e (iii); ou, subsidiariamente, (v) Que seja reconhecida a qualidade de arrendatária da N… sobre a Herdade da …, ao abrigo dos instrumentos nominados “Contrato de Arrendamento Florestal”, datados de 12 de maio de 1998 e 15 de julho 2007, ambos subscritos por J… e N…».

Em fundamento da deduzida pretensão, alegou, em suma, que a declaração de anulação do contrato de compra e venda celebrado entre as rés não lhe é oponível, devendo permanecer incólume o direito de preferência que lhe havia sido judicialmente reconhecido.

Caso assim não se entenda deverá reconhecer-se que os contratos de arrendamento florestal celebrados entre a autora e o réu J… se mantêm em vigor».

  1. Regularmente citados, os réus contestaram, alegando, no essencial, que tendo o contrato de compra e venda sido anulado, o direito de preferência da autora na alienação do imóvel não pode persistir, e invocando a verificação da excepção de caso julgado.

  2. A autora apresentou resposta.

  3. Considerando que os autos continham todos os elementos para a imediata prolação da decisão de mérito, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «o Tribunal julga a acção parcialmente procedente por provada e consequentemente: A) Declara que a anulação do contrato de compra e venda celebrado entre os Réus, em 3.05.2011, tendo por objeto a Herdade da …, não afeta a constituição e o exercício do direito de preferência da Autora já anteriormente reconhecido por decisão judicial; B) Reconhece o Direito de Propriedade da Autora sobre a Herdade da …; C) Determina a restituição à Autora da Herdade da …; D) Absolve os Réus do demais peticionado» 5.

    Inconformado, o Réu apelou, formulando as seguintes conclusões[3]: «4) I – Da Ilegitimidade da Autora/Recorrida: Resulta dos autos que, quando intentou a presente ação, a Autora/Recorrente não era titular do direito de propriedade sobre o prédio em causa, carecendo, assim, desde logo, de obter qualquer utilidade em demandar os Réus, e carecendo de legitimidade processual; 14) O Réu/Recorrente J… é que é o dono e legítimo possuidor da Herdade da …, quer por ser quem figura no registo predial como titular do direito de propriedade, por lhe ter sido em parte doado pelos seus pais, e as outras partes adquiridas por compra e permuta aos seus irmãos, quer em virtude da usucapião, que desde já invoca para os devidos efeitos legais; 18) Não obstante, pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, na decisão recorrida, não foi proferida qualquer pronúncia sobre a presente questão, razão pela qual novamente, nesta sede recursiva, se invoca, sendo certo que a Autora/Recorrida é parte ilegítima nos presentes autos e a ilegitimidade constitui exceção dilatória de conhecimento oficioso que determina a absolvição da instância dos Réus, conforme previsto nas disposições conjugadas das alíneas d), do n.º 1 do artigo 278.º, n.º 2 do artigo 576.º, e da alínea e) do artigo 577.º, todos do CPC; 19) Deverá ser o presente recurso julgado procedente, ser julgada totalmente procedente a invocada exceção de ilegitimidade, e serem absolvidos os Réus da presente instância, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes; 20) II – Do Caso Julgado e Decisões Contraditórias: também foi invocado pelos Réus, em sede dos articulados, que se verifica a exceção de caso julgado, nos termos do disposto nos artigos 580.º e 581.º do Código de Processo Civil, e isto no que respeita às decisões tomadas e já há muito transitadas em julgado nos processos 578/15.4T8BJA e 578/15.4T8BJA-A, pois efetivamente verifica-se a existência, no presente caso, uma tríplice identidade no que respeita aos sujeitos, pedidos e causas de pedir em relação aquelas ações; 21) Não só a decisão proferida no âmbito da Ação de Anulação de Contrato de Compra e Venda n.º 578/15.4T8BJA, como também a decisão proferida no âmbito do Processo de Revisão de Sentença n.º 578/15.4T8BJA-A, fizeram casos julgados formal e material, sendo que, no âmbito da segunda, foi até obtida a dupla conforme; 22) Ambas as decisões são complementares: a primeira anula o contrato de compra e venda realizado entre o Réu/Recorrente e a Ré I…, enquanto a segunda reconhece o Réu/Recorrente como titular do direito de propriedade relativamente ao prédio em causa, em detrimento do peticionado pela Autora/Recorrida; 23) De acordo com o artigo 577.º, alínea h), do Código Processo Civil, o caso julgado constitui uma exceção dilatória, a qual obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (artigo 576.º, n.º 2 do CPC); 25) Estabelece o artigo 625.º, n.º 1, do CPC que, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar, pelo que, face os motivos ora expostos, deverão ser julgadas totalmente procedentes a invocadas exceção de caso julgado e verificação de decisões contraditórias, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes; 28) Estas duas decisões judiciais, já transitadas em julgado, e consolidadas no nosso ordenamento jurídico, julgaram extinto um facto anteriormente registado, tendo ambas eficácia contra o direito de preferência que determinou claramente o cancelamento do seu registo (Ap. 1706, de 27.01.2016), tanto mais que, conforme já se invocou não só em sede de Contestação, como na presente sede recursiva, já se formou caso julgado, pelo que o tribunal a quo não poderia vir agora contradizer as mesmas; 33) A decisão proferida no Processo n.º 578/15.4T8BJA, que anulou o contrato de compra e venda celebrado entre os Réus, declarou nula a escritura de compra e venda celebrada em 03/11/2011, no Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, a cargo do Lic. Luís Manuel Moreira de Almeida e determinou o cancelamento do registo da aquisição da propriedade sobre o prédio a favor da I…, efetuado pela Ap. 3612 de 2011/05/04, e bem assim todos os registos posteriores que dele dependam, transitou em julgado em 18-04-2016, e com o recurso de revisão interposto pela Autora/Recorrida contra os Réus daquela sentença, esta foi confirmada – decisão que também se encontra transitada em julgado desde 17-12-2018; 36) O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não se pronunciou sobre a complementaridade e dependência de ambas as decisões, tanto mais que se exigiu que fosse transcrita no registo a decisão que foi objeto do Recurso de Revisão, e não simplesmente a que resultou do recurso de revisão, já que tal seria incompreensível, tal como foi e bem transcrita no registo; 37) É imperativa a aplicação do artigo 289.º, n.º 1 do CC que estabelece a verificação dos efeitos retroativos oriunda da declaração de anulação do Contrato de Compra e venda, consagrando o princípio da retroatividade da declaração de nulidade ou da anulação do primeiro negócio inválido; 38) O que a Autora/Recorrida pretende fazer é que seja aplicado o regime da inoponibilidade da simulação previsto no artigo 243.º CC, contudo, este instituto jurídico nada tem a ver com os factos em causa sub judice; 39) É indubitável que a ação de preferência pressupõe necessariamente a substituição do preferente num real ato de disposição/alienação válido, ato, esse, que, anulado, não se pode considerar que sucedeu, tendo em conta os efeitos retroativos que a lei tão claramente prevê; 40) Não há dúvidas também que a retroatividade atinge terceiros nos termos dispostos no artigo 288.º, 4, do Código Civil; 43) Numa perspetiva puramente lógica: a eficácia retroativa declarada no ordenamento jurídico que o negócio inicial nunca chegou a existir, pelo que, não tendo existido negócio, logicamente que também não pôde ter existido um qualquer direito de preferência, nem se poderá falar de um “terceiro”, pois para a ordem jurídica não houve nenhum “primeiro” ou “segundo”; 44) O direito do preferente só surge na sua esfera jurídica com a realização da escritura pública de compra e venda entre o obrigado à preferência e o comprador, e não com o nascimento da vontade do obrigado à preferência, o qual é impossível de determinar momento em que sucede, a forma como deve ser manifestado no mundo físico/exterior, etc.; 46) Não tendo havido nenhuma alienação (pois a mesma foi objeto de anulação por via judicial), só por uma criatividade perturbante e subversiva é que se poderia considerar que, não tendo ocorrido a alienação, permaneceria intacto o direito de preferência – tal leitura da lei só poderia ser contra legem, mas, de facto, foi a operada pelo Tribunal a quo na decisão da qual ora se recorre, pois não é por acaso que o direito de preferência só pode ser exercido após a celebração do negócio jurídico, quando o alienante do bem não coloca o preferente em condições de o exercer, tendo antes de recorrer à respetiva ação judicial para esse efeito; 47) O artigo 1410.º do CC é muito claro ao prescrever os pressupostos para a propositura da ação de preferência: é necessária a celebração de uma venda (ou dação em cumprimento) e o prazo de 6 meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação e o artigo 1091.º do CC estabelece, ainda, que o arrendatário tem direito de preferência na compra e venda (ou dação em cumprimento) do local arrendado há mais de...

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